Texto originalmente publicado pelo portal dos Jesuítas em Portugal, Ponto SJ.

Desde as eleições legislativas de 2019, que a direita portuguesa vive em crise. Mas que crise é esta? Devemos abrandar um pouco e tentar compreender o fenómeno, começando pelos dados disponíveis. Antes de mais, desafio a olhar com atenção a tabela que se segue, em que apresento, arredondando valores, os resultados eleitorais da direita desde 1975, somando os resultados do PSD e do CDS\PP, indicando as coligações pré-eleitorais de 1979, 1980 e 2015, e tendo em conta, no ano de 2019, a entrada no hemiciclo da Iniciativa Liberal e do CHEGA.

Ora, se nos ciclos de poder (1979; 1980; 1985; 1987; 1991; 2002; 2011), os resultados da direita oscilam entre os 55% de 1991 e os 45% de 1979, nos ciclos em que está na oposição os resultados variam entre os 43% de 1995 e os 34% de 2019. Esta variação de 9% nos ciclos de oposição e de 10% nos ciclos de poder podem demonstrar uma certa simetria entre os dois, uma oscilação que poderíamos dizer natural e talvez até sinónima da flutuação de eleitorado. Os dados não podem justificar, sem mais, esta afirmação, mas tampouco me parece despiciendo deixar esta nota.

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Continuando a olhar os dados à nossa disposição, passemos dos resultados eleitorais às mais recentes sondagens, sendo que neste mesmo mês de maio foram publicados dois estudos. O primeiro, realizado pela Intercampus para os jornais Correio da Manhã e Jornal de Negócios, atribui à direita um total agregado de 38%, enquanto o segundo, levado a cabo pela Eurosondagem para o jornal SOL, atribui 40% a esta área política.

Este resultado, que não deve ter maior peso na nossa análise do que aquele que as sondagens merecem, leva-me, contudo, a arriscar dizer que a direita tem ainda um potencial agregador. Isto é, a matéria está lá, as intenções de voto não se volatizaram. O que está francamente em crise são os dois partidos históricos da direita, em que o PSD obtém somente 21,7% de intenções de voto na primeira sondagem e 27,4% na segunda, enquanto o CDS-PP oscila, respetivamente, entre os 2,9% e os 2,5%. A minha convicção é a de que a «crise da direita» é, na verdade, um reflexo das polarizações levadas a cabo pelas suas lideranças, no caso de Rui Rio com uma aposta num PSD de esquerda, e no caso de Francisco Rodrigues dos Santos com um endurecimento do discurso conservador, polarizações que não têm em devida conta as distintas correntes de pensamento político que historicamente os habitam.

O PSD, desde a fundação, é um encontro de distintas sensibilidades – social-democrata, social-cristã, social-liberal – que se concretizou num catch all party, de pendor reformista, sob a marca dos seus líderes. Estes, muitas vezes por força do contexto, foram oscilando entre maior e menor intervencionismo estatal, mas assumindo como marcas transversais uma postura personalista e humanista, uma confiança na economia social de mercado, e uma atenção cuidada à disciplina orçamental. Já o CDS-PP assenta expressamente em três pilares – democrata-cristão, conservador, e liberal – sendo atrativo para todos os democrata-cristãos e conservadores convictos, bem como para os liberais que não se sentem confortáveis com a intermitência do papel do Estado no PSD.

Creio que estes dois partidos não se esqueceram de quem são, e é ainda possível identificar, principalmente nas questiúnculas intestinas, estas correntes e a forma como os habitam. Contudo, as atuais lideranças optaram por polarizar em lugar de buscar uma tensão criativa entre as distintas sensibilidades que dinamizam a discussão interna. Com isso, o ruído ou a indefinição sobrepuseram-se à possível visão de Portugal que tentam transmitir.

Para ilustrar o que pretendo dizer, recorramos à imagem de um violino. Este, simplificando, é constituído por um corpo e por cordas e da tensão destas e da integridade daquele depende a qualidade do seu som. Eu creio que a direita tem ainda um corpo expressivo – os resultados e as sondagens confirmam-no – e tem cordas – correspondendo estas às várias sensibilidades de direita que atualmente têm expressão no hemiciclo –, mas as cordas, para soarem, precisam de encontrar a boa tensão. E é aqui que as atuais lideranças se têm revelado ineficazes.

No caso do PSD, a única corda a ser utilizada por este partido está demasiado lassa, não sendo claro o que é que o PSD defende, nem o que o distingue do PS. Resultado de uma corda lassa: não soa. No caso do CDS-PP, o problema é outro: as cordas tocadas estão demasiado tensas, retesadas ao limite, e correm o risco de romper. Estou convicto de que, com um PSD polifónico e um CDS-PP reconciliado, a expressão eleitoral, real ou imaginária, quer do CHEGA, quer da Iniciativa Liberal, se diluirá no voto útil. A questão para a direita portuguesa não deve ser como acomodar estas novas forças, ou como se poderia desenhar um acordo, mas sim como reencontrar a boa tensão que permita a sã convivência entre diversas sensibilidades sem balcanizações ideológicas.

Se as diferentes sensibilidades voltarem a coabitar, numa tensão que modera vozes dominadoras e dá espaço a vozes minoritárias, então a direita poderá crescer. Se o PSD e o CDS-PP voltarem a ser uma casa para todas as sensibilidades que tradicional e historicamente os constituem, então terão algo a dizer. Se os seus líderes abandonarem a lógica do domínio do espaço, que leva à polarização, e arriscarem abrir um processo de busca da boa tensão das distintas cordas com que contam, então o som brotará e uma nova harmonia à direita será possível.