É finalmente oficial: Santana Lopes desvinculou-se do PSD e dará corpo a um novo partido (existente ou por fundar), para concorrer às eleições europeias e legislativas de 2019. Nos partidos do regime, entretanto, sacaram todos das calculadoras para antecipar as chances desta jogada em baralhar o xadrez partidário. São poucas, reconheça-se. O sistema português é um cemitério de tentativas de furar o status quopartidário. E até personalidades com reconhecimento público e experiência política falharam nessa ambição, mesmo quando conseguiram êxitos fugazes – como Ramalho Eanes, Manuel Monteiro e Rui Tavares. Além disso, a viabilidade eleitoral de um partido político depende (muito) de financiamento – e quem é que vai financiar Santana Lopes? Enfim, dito isto, o contexto político é favorável às ambições de Santana Lopes e torna plausíveis as metas de entrada: a direita está em crise e o PSD de Rui Rio, demasiado colado ao PS, deixou muitos eleitores órfãos de representação política. O ponto fundamental, agora, é separar as águas: Santana Lopes quer contribuir para a redefinição do posicionamento da direita portuguesa, ou pretende sobretudo derrubar Rui Rio da liderança do PSD? O ponto é que, por mais que ele alegue ou acredite que é a primeira hipótese, as circunstâncias só permitem aceitar que é a segunda.

O diagnóstico está escrito na pedra. O PSD de Rui Rio está, por razões tácticas, a preparar as derrotas eleitorais de 2019, colocando-se na posição de parceiro privilegiado do PS. É uma táctica dramaticamente errada. Por um lado, porque aniquila o potencial da direita em constituir-se alternativa política ao governo, como sistematicamente tem alertado Marcelo Rebelo de Sousa – ou seja, entrega ao PS os direitos sobre a governação. Por outro lado, porque perpetua a crise intelectual e identitária da direita, fazendo depender o posicionamento político do PSD das circunstâncias do PS – assim mantendo a direita órfã de discurso e rumo políticos. Está aqui a oportunidade que Rui Rio ofereceu à sua competição à direita: cativar eleitorado que não se reveja no governo e que procure uma alternativa política que não encontra no PSD. O CDS há muito tempo que está a ir atrás dessa oportunidade. Agora, foi a vez de o ex-primeiro-ministro pôr-se em jogo.

A partir daqui, começam os problemas – dois em particular. Primeiro, a fundação de um novo partido corresponde a um sonho antigo de Santana Lopes, pois a sua história no PSD narra-se pela sucessão de encantos e desencantos que sempre tiveram no horizonte a ruptura (e ele próprio no centro das atenções). Isso tem uma tradução para o momento actual: seja qual for o seu posicionamento político ou a identidade ideológica escolhida, exista já ou seja fundado agora, o protagonismo de Santana Lopes atribuirá (mesmo que involuntariamente) a esse novo partido o rótulo egocêntrico de projecto unipessoal, usando de uma credibilidade política muito desgastada pela sua longa carreira. Na política, o que parece é. E isso, mesmo que vendido sob o sloganda renovação ou novidade, aparecerá sempre como um déjà vu.

Segundo problema: tendo como raiz uma discordância profunda com Rui Rio, a iniciativa de Santana Lopes justifica-se por questões que são conjunturais e não estruturais. Dito de forma simples: o mais certo é que, se Rui Rio saísse amanhã da liderança do PSD, o novo partido de Santana Lopes esgotava-se mesmo antes de começar. A ruptura de Santana Lopes pode ser institucionalmente com o PSD, mas é concretamente com Rui Rio – recorde-se que, ainda há uns meses, Santana Lopes foi candidato à liderança do PSD e estava, inevitavelmente, muito alinhado com o partido. De resto, o que torna Santana Lopes atractivo para o seu eleitorado-alvo está alicerçado em factores conjunturais de oposição ao governo, cujo prazo da validade é o de Rui Rio na liderança do PSD. E isso não serve de base para promover a renovação da direita, nem sequer serve de base para a criação de um partido – é somente a plataforma para ir uma vez a eleições.

A direita está em crise e precisa de se definir, de se renovar e de construir um projecto comum de alternativa política. E, sim, um novo partido (com o perfil de um Ciudadanos, por exemplo) poderia ser uma peça importante nesse processo. Mas nada disso tem a ver com Santana Lopes, que só será (eventualmente) solução para o problema chamado Rui Rio – roubando-lhe uns poucos de votos e agravando a sua derrota nas legislativas até níveis insustentáveis que forcem a sua substituição na liderança do PSD. Não é que seja pouco ou que não tenha o seu mérito. Mas é táctico e efémero – e absolutamente incerto. E, portanto, não chega.

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