O recente encerramento do atendimento público de uma esquadra da Polícia na cidade do Porto foi notícia em tudo quanto é órgão de comunicação social, deu origem às mais diversas explicações e comentários, muitos, ao invés de esclarecerem acabam por apresentar umas quantas narrativas pouco convincentes, ocultando a realidade.

Mas se esta ocorrência teve a repercussão que teve, ficou exclusivamente a dever-se ao facto de se tratar da cidade do Porto e do seu presidente se ter publicamente insurgido, no que foi prontamente apoiado pelo presidente da Câmara de Lisboa onde a insegurança, sobretudo nocturna e a falta de policias começa a ser demasiado evidente.

Acontecimento que levou inclusivamente o ministro da administração interna a reunir com os presidentes de Câmara das duas cidades e a anunciar um conjunto de medidas.

Ao contrário da visibilidade que em Lisboa ou no Porto qualquer ocorrência assume, a situação no interior do país, nos postos da Guarda Nacional Republicana (GNR) ou nas esquadras da Polícia de Segurança Pública (PSP) com horários reduzidos, onde o efectivo de tão parco mal chega para a segurança das instalações quanto mais para uma patrulha durante as 24 horas do dia, são o que de mais natural se encontra por esse país fora, mas sem merecer o destaque público dado às grandes cidades.

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Já no ano 2008 e por razões de segurança, o ministro da administração interna exarou um despacho que obrigava a que durante o período nocturno os postos e as esquadras tivessem no mínimo dois elementos no seu interior, a realidade é que se foi cumprido foi durante pouco tempo.

Os locais mais recônditos, onde as populações são mais envelhecidas e carenciadas, têm sido dos mais sacrificados com o fecho ou na melhor das hipóteses, com abertura em horário reduzido do posto da GNR, muitas vezes único símbolo da soberania naqueles territórios. Se a esta redução da malha territorial dos postos da GNR se adicionar a distância que medeia entre dois postos, especialmente no Alentejo, mais evidente se manifesta a dificuldade de acorrer em tempo, a qualquer incidente.

É verdade que o problema da falta de efectivos não é uma excepção nas forças de segurança uma vez que a generalidade dos departamentos do Estado, desde as Forças Armadas, passando pelo Serviço Nacional de Saúde, até à Educação, padece do mesmo problema.

Quase em simultâneo com as noticias do encerramento da esquadra do Porto, a agência Lusa divulgava um relatório da insuspeita Inspeção-Geral da Administração Interna que entre outros aspectos referia: “Muitos postos e esquadras, especialmente subunidades da GNR, não têm meios para garantir a prestação dos serviços mínimos, uma patrulha para a rua e outra para as instalações policiais”, o que nos leva a concluir que ao contrário de algumas narrativas que vinham minimizando o problema, ele efetivamente existe e tem uma significativa dimensão.

Com recurso a dados da Pordata verificamos que em vinte anos, de 2000 a 2020 a Guarda Nacional Republicana passou de um efectivo de 25.904 para 21.995, o que se traduz numa perda de 3.909 militares, ao passo que a Polícia de Segurança Pública viu o seu efectivo aumentado em 30 elementos, de 20.775 para 20.805.

A estes valores haverá que adicionar outros factores que influenciam e muito o computo real dos efectivos e que normalmente não são tidos em devida consideração.

A diminuição das cargas horárias exigidas aos polícias e militares, que na PSP foram reduzidas para as 36 horas semanais e na GNR para as 40, à semelhança do que sucedeu no Serviço Nacional de Saúde aquando da redução das 40 para as 35 horas semanais de trabalho que determinou a necessidade de contratar mais enfermeiros, encerrar enfermarias ou o pagamento de horas extra, também nas forças de segurança os efeitos não podiam ser diferentes.

No caso específico da GNR, antes da decisão política da fixação do denominado “horário de referência” em 2016, os estudos então elaborados preconizavam que para manter a mesma actividade operacional seria necessário um aumento do efectivo entre os 20 e os 25%.  Paradoxalmente, nesse mesmo ano deu-se uma redução de pessoal, de 22.964 para 22.591 militares.

Outro aspecto que não é despiciendo prende-se com a dedicação quase em exclusivo, de militares e policias aos denominados programas especiais de policiamento de proximidade como são os dos “Idosos em Segurança”, “Escola Segura”, “Equipas de Proximidade e Apoio à Vítima” ou “Núcleos de Investigação e Apoio a Vítimas Específicas” para só citar alguns e que pesam na diminuição do efectivo global, retirando mais de duas centenas de militares e de polícias das missões genéricas de segurança e ordem pública.

No ano 2000 foram atribuídas à GNR e à PSP novas competências no âmbito da investigação criminal tendo cada uma destas forças empenhado nesta nova missão mais de um milhar de elementos.

No intervalo dos vinte anos aqui apresentados (2000 a 2020) à GNR foram atribuídas novas missões sem a correspondente alocação de recursos. Como mencionado em finais de 2000 a investigação criminal afectou 1.400 militares; em 2001 o Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) 500 militares e em 2006 o Grupo de Intervenção Protecção e Socorro (GIPS) 800 militares, hoje Unidade de Emergência Protecção e Socorro (UEPS) com um efectivo superior aos mil militares, retirando estes mesmos efectivos aos postos territoriais.

Recorde-se que não obstante estes novos encargos e contrariando a doutrina que a novos encargos devem corresponder os recursos adequados, entre 2000 e 2020 a GNR perdeu 3.909 militares.

Em síntese, durante os últimos vinte anos foram alargadas e muito, as atribuições das forças de segurança, muitas das quais pouco tendo a ver com a segurança e ordem pública, o que necessariamente reduz o número global de efectivos afectos àquela missão, não obstante no que à GNR diz respeito as suas atribuições não se circunscrevam à vertente policial.

Vejamos seguidamente alguns dos argumentos utilizados para resolver o problema da falta de efectivos.

Um dos mais usados, ciclicamente apontado pelo poder político e por alguns comentadores sem um verdadeiro conhecimento da realidade das forças de segurança, tem sido a propalada necessidade de “libertar polícias das funções administrativas”, substituindo-os por civis.

A verdade é que nestes mais de vinte anos em que esta medida vem sendo anunciada por vários governos, não deu quaisquer resultados substanciais, aliás à semelhança dos tão falados cortes nas “gorduras do Estado” que não passam de pura retórica. A realidade impôs-se.

Não podemos esquecer que a partir de determinada idade os polícias não têm a necessária aptidão física e psíquica para permanecer na actividade operacional, cada vez mais exigente, complexa e difícil, ao que devemos juntar todos aqueles que em resultado de acidentes, muitos dos quais no desempenho de funções, se encontram a prestar apenas serviços que dispensem plena validez, ditos serviços moderados.

Segundo dados do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), fruto da actividade operacional as forças de segurança no ano de 2021 registaram 1 morto, 18 feridos graves e 1042 feridos ligeiros.

De acordo com o balanço social de 2020 daquela força, a PSP tinha ao serviço cerca de 33% do efectivo em funções policiais com idades compreendidas entre os 50 e os 59 anos, o que se afigura bastante revelador do envelhecimento do efectivo policial.

A tudo isto acresce o facto de determinadas tarefas ditas burocráticas, pela sua confidencialidade ou conexão com a actividade operacional não deverem ser exercidas por civis.

Em 2020 a PSP contava com 2,95% de elementos não policiais no seu efectivo.

A esta realidade acrescentemos o caso específico da GNR em que os seus militares se encontram distribuídos por quadros das armas e dos serviços (saúde, manutenção, transmissões, administração militar, entre outros) cabendo a estes últimos o necessário e indispensável apoio administrativo/logístico à actividade operacional.

Possuindo como os das armas, o mesmo estatuto militar, o que lhes impõe uma disponibilidade total e permanente, possibilitam a maximização dos recursos humanos, que são a garantia de uma sustentação autónoma e imediata da força que se tivesse totalmente dependente de funcionários civis ou de empresas em outsorsig sujeitas aos intermináveis e burocráticos concursos públicos não se verificaria.

Em 2015 a GNR contava no seu efectivo com 4% de civis ao passo que nas suas congéneres esta percentagem se ficava pelos 3,5% na Gendarmerie francesa, nos 0,5 na Guardia Civil espanhola e nos 0,2 nos Carabinieri italianos.

Em 2020 aquela percentagem decresceu para 3,58% na GNR. Quando se fazem comparações é necessário comparar o que é comparável ou seja, não se podem englobar no mesmo quadro forças de segurança de cariz civil com as de natureza militar. No entanto é indiscutível que na maioria das polícias civis a percentagem de elementos não policiais é superior à existente entre nós. Seria interessante averiguar a razão porque os concursos para preenchimento deste pessoal ficam normalmente desertos ou com um mínimo de candidatos.

Um outro elemento que tem sido utilizado para referir que em Portugal não há falta de polícias, é o da relação polícia/habitante quando comparado com outros países.

Aqui também não se pode fazer uma leitura apressada e simplista, há que contextualizar.

Em que países, em que condições e que elementos policias estão a ser contabilizados. Se as atribuições e competências das forças de segurança comparadas têm a mesma amplitude e abrangência que as portuguesas.

Se os países em questão têm uma raiz cultural semelhante à nossa ou se muito diferente, caso dos países nórdicos ou mesmo anglo-saxónicos e por outro lado, se as polícias regionais e municipais estão incluídas na contabilização, que como sabemos, na generalidade, possuem um conjunto muito alargado de competências, muitas vezes mesmo concorrentes com as das forças de segurança, como por exemplo sucede em Espanha com as polícias autonómicas.

Também o papel da segurança privada deve ser tratado quando se abordam as comparações, porque ao contrário do que sucede em Portugal, a maioria tem competências muito amplas que permitem aliviar os polícias de determinadas funções.

E ainda, se os sistemas de videovigilância públicos são tão restritivos como o nosso.

Neste computo deve considerar-se ainda uma outra variável que embora subjectiva, influencia a necessidade de mais ou menos polícias. Refiro o maior ou menor respeito dos cidadãos pela autoridade do Estado, aqui representado pelos seus agentes, que é proporcional à maior ou menor necessidade de efectivos.

Repare-se que há uns anos era usual ver-se na rua um único agente da polícia, hoje, são dois e três que patrulham as nossas ruas, o que não deixa de ser significativo do menor respeito com que o cidadão acolhe as ordens do agente.

Significativo desta situação é o contínuo aumento de desrespeito e agressões cometidas contra os agentes da autoridade que inexplicavelmente ou talvez não, este ano não vem referido no RASI razão porque nos socorremos do relatório do ano 2020 que revela um aumento do crime de desobediência em 57,6% relativamente ao ano anterior e de 12,5% do crime de resistência e coação sobre funcionário também em relação ao ano transato.

Outro dos argumentos apresentados é o relativo a uma alegada deficiente gestão dos recursos humanos.

A este propósito duas notas apenas para salientar que por mais eficiente que seja a gestão, sem os recursos adequados à multiplicidade de funções não é possível gerir melhor o que não existe.

A outra nota prende-se com a reforma das forças de segurança ocorrida em 2007 onde se multiplicaram as unidades da GNR e as divisões da PSP e que no caso da GNR para ocupação dos lugares criados pela nova estrutura seria necessário aumentar o seu quadro orgânico para os 28 mil militares, o que nunca foi cumprido.

Ainda a propósito da reforma de 2007 será interessante reler uma notícia publicada no Jornal I de 29 de Maio de 2014.

“Se a GNR guardasse os edifícios públicos, PSP teria mais 500 agentes nas ruas”. Para depois acrescentar: “Segundo as leis orgânicas das polícias, a segurança dos edifícios do Estado devia ser da GNR, mas é assegurada pela PSP. A lei orgânica da GNR refere no artigo 43, que cabe à USHE a segurança às instalações dos órgãos de soberania. Já a lei orgânica da PSP não faz qualquer referência ao assunto, mencionando apenas que é sua competência, através do Corpo de Segurança Pessoal, garantir a segurança pessoal dos membros do governo. Porém, é a PSP que se ocupa de todos os edifícios dos ministérios e embaixadas. As únicas exceções são os ministérios dos Negócios Estrangeiros e o Ministério das Finanças”

Elucidativo de que apesar da lei determinar uma certa complementaridade de tarefas entre as duas forças de segurança, a verdade é que nem mesmo assim é cumprida. Neste caso, porque não se trata de funções eminentemente policiais, mas antes de segurança, certamente que seria a Guarda a força mais indicada para o fazer, aliás como sucede com todas as congéneres no estrangeiro.

O critério da territorialidade para a distribuição de competências entre a GNR e a PSP não pode ser entendido de forma absoluta, não estamos num estado federal em que cada Polícia tem o exclusivo no respectivo estado federado, não estamos perante o que incorrectamente se denomina de polícias integrais.

O nosso modelo, fundamentalmente alicerçado em duas forças de segurança de competência genérica e de âmbito nacional, uma de cariz civil e outra de natureza militar, baseia-se numa divisão de tarefas que à priori se apoia nas suas diferentes naturezas e consequentemente, nas capacidades próprias de cada uma e só subsidiariamente se aplica o critério da territorialidade, de que aliás constitui um bom exemplo o patrulhamento da GNR a cavalo nas cidades de Lisboa e Porto.

Desta premissa resulta que a força de natureza militar se encontra implantada em todo o território nacional, como sucede com todas as suas congéneres estrangeiras, mesmo em sobreposição com a de cariz civil, embora nas áreas atribuídas a esta (cerca de 5% do TN) a função policial lhe esteja entregue, o que não obsta a que quando necessário a deva reforçar, apoiar ou mesmo substituir e em permanência, deva cumprir missões nos restantes domínios das suas competências, nomeadamente nas de natureza militar como sejam a prestação de honras militares de Estado, as escoltas e outras.

Se assim não fosse estaríamos perante uma desnecessária duplicação conducente a concorrências desnecessárias e perniciosas e não se tiraria partido da complementaridade que o modelo preconiza.

Embora de forma pouco clara o presidente da Câmara de Lisboa terá alvitrado que se a PSP não tinha efectivos suficientes que se recorresse à GNR. A este propósito bastaria cumprir a lei, desde que a GNR fosse dotada do efectivo compatível.

Em finais do mês passado o ministro da administração interna anunciou a criação de esquadras móveis para as cidades de Lisboa e do Porto.

As unidades móveis são apenas um instrumento destinado ao apoio às patrulhas em locais de maior aglomeração de pessoas, mas não subsituem as esquadras propriamente ditas por não terem condições para tal, ao que acresce que para funcionarem também necessitam de efectivos e estes é que continuam a ser insuficientes, donde não resolve o problema de fundo, apenas o mascara.

Vejamos seguidamente e de forma muito sucinta as medidas anunciadas pelo ministro da administração interna para resolver o problema da atratividade para a função policial. Com recurso ao jornal Público do dia 29 de julho:

“MAI está a negociar com os municípios apoios que se traduzem em ganhos de rendimento para os policias. Em cima da mesa estão por exemplo, condições vantajosas na habitação, no acesso a equipamentos desportivos e a refeitórios municipais”.

Afigura-se que nem o próprio pode acreditar que com estas medidas vai angariar um só polícia.

No entanto, andes de andar a mendigar ginásios, casas e refeitórios às Câmaras Municipais, melhor seria que tivesse a coragem de reverter uma medida altamente perniciosa de uma sua antecessora que ordenou a restrição ao mínimo, da existência de messes nos quartéis da GNR e nas instalações da PSP, sem cuidar de saber como estas estruturas são uma mais valia para a prontidão e disponibilidade das forças e sobretudo, para o moral e bem estar de militares e polícias, muitas vezes afastados das suas residências e sem poder de compra para a tomada das refeições em qualquer restaurante da zona.

Uma última nota para referenciar a forma como o poder político tem tratado as forças de segurança. Segundo o RASI de 2021, da Lei de Programação das Infraestruturas e Equipamentos das Forças e Serviços de Segurança, teria sido executado apenas 9,8% em obras na GNR e PSP. Já no ano 2020 apenas tinham sido executados 7,5% em obras, também o investimento em armas se ficou pelos 34% do programado.

Em conclusão, depois de anos de desinvestimento nas forças de segurança, de uma constante desautorização dos agentes da autoridade, salpicados por um conjunto de perniciosas medidas avulso que para além de mascararem as dificuldades as avolumaram, a solução para o problema da segurança interna não passa apenas por aumentar o número de civis nas forças de segurança, mas antes por recompletar os quadros orgânicos adequados ás missões atribuídas, reforçar a autoridade do Estado e consequentemente dos seus agentes, dignificar a função policial e atribuir-lhe vencimentos compatíveis com o risco e a penosidade da função, em substituição da multiplicidade de suplementos e subsídios que tanto dificultam a gestão interna dos recursos humanos e fazem perigar a coesão das forças, e apostar na melhoria da organização e do funcionamento do sistema tendo por base a doutrina firmada dos modelos de dupla componente policial de que o nosso é tributário.

Lisboa, 9 de Agosto de 2022