Uma reportagem no suplemento Fugas do jornal Público de 17 de março sobre as “montanhas mágicas”, um território que abrange os maciços montanhosos das serras da Freita, Arada, Arestal e Montemuro e a área administrativa de sete municípios – Arouca, Castelo de Paiva, Castro Daire, Cinfães, São Pedro do Sul, Sever do Vouga e Vale de Cambra – foi a fonte inspiradora para este meu escrito sobre a distinção paisagística, as amenidades e a sua turistificação.

Agora que se fala tanto em turismo e em turistificação, agora que o ciclo está na fase ascendente, este é o momento certo para enfatizar dois temas fundamentais intimamente ligados: por um lado, sublinhar a distinção paisagística na configuração dos recursos imateriais, da memoria, do imaginário e do património cultural, nas atividades de recreio e lazer, por outro lado, relevar e prevenir o risco de exploração intensiva desses recursos sensíveis, geralmente de frágil constituição. Não queremos simplificar o problema, tudo precisa de bom senso e bom gosto, tudo merece ser feito com conta, peso e medida. Neste pequeno escrito vou falar, essencialmente, de recursos imateriais e simbólicos associados com a distinção da paisagem, as amenidades rurais, a memória e o imaginário e, no final, como ilustração, farei uma invocação muito especial do arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles a propósito dos seus jardins do paraíso. A terminar, farei ainda umas notas breves.

A distinção paisagística

As paisagens tradicionais formaram-se tendo em consideração as características biofísicas do território e a necessidade de obter produtos essenciais às populações, segundo a maneira própria de cada comunidade entender a vida e o mundo. As paisagens tradicionais, rurais, urbanas e outras, são, pois, um ato de criação, a marca de um povo, a memória de um país, que hoje se prolongam no plano das artes, da contemplação e da poesia. Porém, com a vertigem do quotidiano e a velocidade da deslocação, o arco-íris das paisagens tradicionais tornou-se cada vez mais monocromático, um ponto no horizonte igual a tantos outros. Esta dissociação entre a vida e o trabalho, entre a história longa e a história curta, interessa à indústria turística. As paisagens tradicionais são “embelezadas paisagisticamente” para serem consumidas como produtos turísticos. Podem, mesmo, ser replicadas algures. Para o sucesso desta operação é conveniente que sejamos “aliviados” da nossa própria memória histórico-familiar, porque quase todos nós construímos a trajetória de vida a partir das nossas origens agro-rurais. Se for comercialmente rentável, a turistificação tomará a seu cargo a tarefa de clonar as paisagens tradicionais do país lá onde for necessário. Por esta via, que apaga e dissipa as nossas memórias, garante-se a modernização e o progresso!

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A este propósito, invoquemos a Convenção Europeia da Paisagem do Conselho da Europa. No artigo 5º da Convenção, cada parte signatária compromete-se a:

  • Reconhecer a paisagem como uma componente essencial do ambiente humano, uma expressão da diversidade do seu património comum e base da sua identidade;
  • Estabelecer e aplicar políticas de paisagem visando a proteção, a gestão e o ordenamento através da adoção das medidas específicas estabelecidas no artigo 6º;
  • Estabelecer procedimentos para a participação do público, das autoridades locais e das autoridades regionais e de outros intervenientes interessados na definição e implementação das políticas da paisagem;
  • Integrar a paisagem nas suas políticas de ordenamento do território e de urbanismo, e nas suas políticas cultural, ambiental, agrícola, social e económica.

A importância desta invocação centra-se no envolvimento do público no planeamento e gestão do território e da paisagem. A partir do momento em que há vários atores envolvidos e conflitos emergentes de usos do solo, imagina-se a importância de conhecer as perceções e preferências desses atores quanto à evolução desejada da paisagem, os cenários alternativos de planeamento que daí decorrem e, bem assim, o desenho das medidas de política pública mais apropriadas a esse novo compromisso de interesses em volta de objetivos de qualidade paisagística. Neste contexto, a distinção paisagística significa que uma política de paisagem cria “benefícios de contexto” para o sistema produtivo local da unidade de paisagem ou unidades de paisagem que estamos a considerar, o que realça a importância da agrobiologia e agroecologia no desenvolvimento da capacidade produtiva local, em especial, pela sua especial habilitação para se integrarem harmoniosamente no conceito, mesmo, de unidade de paisagem. Por agroecologia entende-se a aplicação dos conceitos e dos princípios de funcionamento da ecologia ao desenho e gestão dos agro-sistemas que, por essa via, se passariam a designar de agroecossistemas. Nesta matéria, porém, e de acordo com a observação e a experiência, julgo poder dizer o seguinte:

  • Não é muito previsível que uma política de paisagem desencadeie as externalidades positivas que o sistema produtivo local espera dela, isto é, uma série de serviços ambientais, culturais e de regulação sobre a sua área de influência e territórios adjacentes;
  • Não é muito previsível que um sistema produtivo local seja exemplar do ponto de vista paisagístico, isto é, que tenha internalizado e incorporado todas as boas práticas de lidar com os recursos naturais e o ordenamento do território;
  • Não é muito previsível que as várias paisagens coincidam, isto é, que as representações paisagísticas dos atores presentes e ausentes no território forneçam indicações seguras à política pública para promover os seus programas de ação; de resto, a política pública é sempre uma racionalização das mensagens contidas nessas várias representações;
  • Não há uma política agroecológica bem estabelecida porque ela não se confunde ou reduz a uma transposição de normativos internacionais e europeus ou a um programa nacional de agricultura biológica;
  • Não há uma cultura de ordenamento do território que esclareça qual a importância e a posição destas duas políticas públicas, de paisagem e agroecológica, no desenho e na gestão dos territórios multifuncionais existentes no espaço agro-rural.

Dito isto, a nossa tese sobre a distinção paisagística está, aparentemente, num impasse. Por um lado, já antecipávamos que as lógicas “Unidade de Paisagem” “Agroecossistemas” e “Sistema Produtivo Local” não coincidiriam facilmente, por outro, é visível que a globalização dos mercados acelera a dinâmica das atividades económicas a um tal ponto que coloca as políticas de paisagem numa posição defensiva e quase confinada a medidas de mitigação, emergência e socialização de prejuízos. Desta constatação, fácil de verificar, pode retirar-se a questão pertinente de saber se, face a este movimento global, as políticas de paisagem e agroecológica têm argumentos políticos e meios suficientes para se impor, sob pena de serem consideradas como um custo adicional, que afeta a competitividade das atividades e empresas e não como uma despesa de investimento que revela um retorno satisfatório.

Não obstante as dificuldades, sabemos, também, que em muitos concelhos rurais de baixa densidade, a distinção paisagística e, portanto, a visitação, têm tudo a ver com a promoção dos ensinamentos da engenharia biofísica e arquitetura da paisagem e com a experiência de alguns agroecossistemas já em operação, que podem ter um valor demonstrativo muito elevado e revelar-se fundamentais para o lançamento de infraestruturas ecológicas, cinturas verdes e amenidades e, logo, para a concretização de uma política agropaisagística de efeitos, porventura, surpreendentes. Esta é, julgo, uma aproximação adequada para a distinção paisagística e agroecológica e que vale a pena aprofundar, sob a forma de amenidades rurais e ecorecreação, tendo em vista os territórios agro-rurais de baixa densidade.

As amenidades rurais e a ecorecreação

As amenidades rurais e a ecorecreação são um corolário lógico da distinção paisagística. Sem uma verdadeira política de paisagem, de inspiração agroecológica, não é possível preservar a amenidade e os percursos da ecovisitação e respeitar plenamente o ecossistema e os agroecossistemas onde ela se integra. Como se compreende, esta ecorecreação não pode ficar entregue ao capricho dos promotores urbanos que criam produtos turísticos para clientes nostálgicos do campo e da vida campestre. Por outro lado, a ecorecreação é uma componente fundamental de revitalização do sistema produtivo local e a única atividade capaz de substituir a falta de “stock” populacional por um acréscimo de fluxo. Mas tudo com conta, peso e medida, porque esse fluxo não é um recurso renovável se, porventura, a governança local não estiver à altura da sua nova responsabilidade socio-ecológica, em sentido amplo.

Não é fácil fixar definitivamente o conceito de amenidade rural. A amenidade rural é um bem cultural, um património preservado e cultivado pelo homem. Por outro lado, a amenidade rural ganha em ser territorialmente bem delimitada, pois a escala apropriada faz sobressair as suas propriedades e os seus atributos ganham maior visibilidade. Trata-se, porém, de uma realidade em devir constante, um quadro de vida e uma trajetória da humanidade. Por todas estas conotações ou razões, o valor futuro de uma amenidade rural é muito superior à nossa observação circunstancial. É a sua grandeza que nos surpreende e interpela, por isso a nossa perceção dos seus atributos e qualidades é sempre redutora. A lista é longa, mas podemos referir alguns exemplos: um parque natural, um povoamento característico, uma ou mais aldeias históricas, um bosque ou uma mata, uma zona de proteção especial, uma linha de água, um sítio histórico, um ecossistema particular, um lugar de recreio, uma reserva biogenética, etc. A lista é tanto mais longa quanto, como sabemos, as amenidades rurais podem ser “produzidas”. Podemos estar, assim, perante uma galeria de amenidades, que se alonga desde a amenidade turistificada, puramente comercial, até à amenidade santuário, bem público puro. Vejamos, então, as suas características mais singulares:

  • A raridade: a amenidade é um acaso feliz de ocorrência e combinação de recursos, mesmo que a retoquemos para exibir melhor a sua fulgurância ela permanece uma raridade;
  • A irreversibilidade dos atributos: uma vez destruídos alguns dos seus atributos será, praticamente impossível reconstitui-los, é a raridade dos atributos que faz a raridade das amenidades;
  • A não produtibilidade: a amenidade não pode ser produzida e replicada em qualquer lugar; o consumo faz-se no local e, em princípio, não deve destruir os seus atributos básicos;
  • A não transação: a indivisibilidade de uma amenidade significa que os consumos são coletivos, isto é, em princípio ninguém pode ser excluído desse benefício mesmo que não tenha a intenção de o consumir.

Como é óbvio, enquanto a indivisibilidade se mantiver os utilizadores são indiferentes à oferta e procura da amenidade. Eles andam à boleia. Este facto pode determinar uma quebra na “produção-conservação” de amenidades rurais e um risco real de deterioração dos seus atributos. Se não for possível aumentar a divisibilidade da oferta ou, em alternativa, condicionar-lhe o acesso, a pressão da procura pode conduzir a uma saturação do uso da amenidade. O utilizador transforma-se, a prazo, num potencial predador. É bom de ver, neste contexto, que o problema do bom senso e do bom gosto só se resolve se houver uma convergência feliz de política de paisagem, de política agroecológica e de política de visitação. Se quisermos, em matéria de amenidades rurais genuínas, estamos em plena “economia dos comuns”. O que não é tarefa pequena, sobretudo para promotores de animação que nos prometem a organização de “eventos inesquecíveis” em meio rural. O risco é o abastardamento, a ligeireza do propósito, a captura do recurso sob a forma de um bilhete-postal. A derradeira lembrança.

Os recursos da memória e do imaginário

A distância é curta entre a amenidade e os recursos da memória e do imaginário. O campo do simbólico e o simbólico do campo. Por uma espécie de efeitos paradoxais cruzados, ou talvez não, os rurais aspiram aos valores urbanos e os citadinos sonham com o imaginário bucólico do campo. De facto, o campo é um território pleno de representações e quanto menos gente lá habita maior é o seu mistério e a sua nostalgia. Estas representações estão, porém, em vias de se converterem em procuras solventes e comerciais, em produtos turísticos.

Estamos, portanto, num momento crucial, olhando para o nosso rural tardio e em plena revisão da matéria dada. Com efeito, no trânsito intergeracional, estamos cada vez mais próximos de cortar o cordão umbilical que ligou, durante gerações, a memória e o imaginário da cultura campesina que podia ser observada in situ através de uma ordeira passagem de testemunho feita de “tradição, coração e oração”. Agora, porém, trata-se de “experienciação e emoções rápidas e furtivas”, e não se descortina quem possa assegurar a passagem do testemunho. Se não o fizermos com prudência e sabedoria a turistificação do território tomará conta da ocorrência. E, no entanto, todos sabemos que os recursos da memória e do imaginário são ativos de uma economia da cultura do mundo rural que podem ser postos ao serviço do sistema produtivo local e das populações respetivas.

Este é um ponto essencial na trajetória do mundo rural. Não há preservação da cultura da memória e do imaginário sem a formação de regiões biogeográficas que se distingam, justamente, pela composição de paisagem, produção agroecológica e gestão da biodiversidade. De resto, a ecorecreação, pela especial simbologia que é capaz de colher do campo e da floresta seria uma beneficiária privilegiada destas distintas representações do mundo rural. Em plena transição ecológica e climática, não se trata de organizar o regresso ao campo, mas, de algum modo, de ordenar e organizar a “produção de campo” para as novas tarefas que se impõem em resultado das alterações climáticas, sendo certo que muito poucos defendem a diminuição da população agro-rural como um indicador de desenvolvimento.

Acresce que, nesta matéria, a consciência dos limites e dos riscos envolvidos é um poderoso instigador da mudança do pensamento e não é difícil de perceber que estamos perante uma pequena revolução no “imaginário coletivo”, qual energia renovável que precisa de ser canalizada na boa direção. O risco é deixarmos escapar esta espuma do tempo e subvalorizar a sua importância e o seu impacto na forma como pensamos e executamos as diferentes políticas públicas.

Estamos numa verdadeira encruzilhada. Por um lado, a transição ecológica e a transição produtiva precisam de tempo para se consolidarem, por outro, os recursos da memória e do imaginário são facilmente mercantilizados pelo processo de turistificação. É imperioso que os dois movimentos convirjam na boa direção. Será isso possível?

Os jardins do paraíso de Gonçalo Ribeiro Telles

Quando se fala de distinção paisagística, amenidades e recursos da memória e do imaginário é quase obrigatória uma referência aos princípios éticos e estéticos enunciados pelo Arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles (GRT) a propósito dos seus “jardins do paraíso” que são uma espécie de poesia da natureza, um passeio romântico através de uma paisagem de inspiração estético-literária. Passemos em revista esses princípios e apreciemos a sua elegância.

  • Em primeiro lugar, aposte na “sublimação do lugar” tornando-o ameno e feliz.
  • Em segundo lugar, invista na “presença da água”, na sua serenidade estética que confere um movimento ritmado e uma dinâmica musical ao jardim.
  • Em terceiro lugar, invista em espécies que sublinhem a “pujança da natureza e a sua diversidade biológica” e que enaltecem o ritmo da vida.
  • Em quarto lugar, tire partido da “luminosidade natural dos espaços”, o esplendor da luz é conseguido através do contraste sombra-claridade e da harmonia das cores.
  • Em quinto lugar, deixe-se influenciar pela “geometria e a profundidade das perspetivas”, o recorte dos sucessivos planos valoriza distâncias e formas.
  • Em sexto lugar, promova a “integração do jardim na paisagem envolvente” sempre que esta seja ordenada e bela.
  • Em sétimo lugar, aceite a “ordem natural como base da conceção do jardim”, ou seja, deixe-se inspirar pela ordem da natureza.
  • Em oitavo lugar, valorize os “aspetos culturais da paisagem”, pois a ordem cultural é a ordem da humanidade.
  • Em nono lugar, evite os excessos e exalte a” simplicidade no ordenamento das coisas”, não faça decoração pela decoração, ou seja, decorativismo.
  • Em décimo lugar, um jardim e uma paisagem são fruto de conceções e projetos e nunca de arranjos ou decorações, pelo que a sua “grandeza e beleza decorre do que lhes é essencial na medida certa”.

A eloquência e a elegância destes princípios falam por si. Percebe-se agora melhor a razão pela qual os conceitos de paisagem global e unidade de paisagem presidem à sua conceção do ordenamento e dos sistemas de produção. Ou seja, com GRT o fator ecológico, o fator produção e o fator cultura não estão compartimentados em “silos administrativos” e reclamam, por isso, uma outra conceção da política administrativa e da administração da política. Tão simples como isso.

Notas Finais

Em primeiro lugar, há um problema com os conceitos novos ou emergentes pois eles têm uma carga prescritiva e normativa muito elevada. Falamos de conceitos como paisagem global, sustentabilidade, multifuncionalidade, ecossistema, baixa densidade, interioridade, segurança, entre muitos outros. Qual é o risco e, portanto, a prudência? O risco é que a política pública para o mundo rural adote as suas recomendações prescritivas e normativas sem que, para tanto, adote o envelope orçamental e as medidas de acompanhamento que se impõem ou, ainda, sem que uma avaliação rigorosa da “realidade” nos diga qual é efetivamente o nosso ponto de partida e de aplicação. A consequência mais imediata desta eventual “disfuncionalidade” é uma pressão sobre os “custos de formalidade” a cumprir pelos agentes económicos e, na ausência de apoios apropriados e diferenciados, a eventualidade do seu incumprimento e crescimento da economia clandestina.

Em segundo lugar, o mundo não para e a questão que fica por saber é o que acontecerá às várias movimentações em curso no espaço rural e sua particular regulação: à economia da “destruição criativa” de quem se esperam milagres de realização, à economia da prevenção do abandono e do fogo, à economia da especulação fundiária e imobiliária ou, ainda, aos efeitos da economia de predação por parte daqueles que por cá passaram, temporariamente, para explorar os nossos recursos naturais e que, uma vez exaustos, abandonaram. A questão essencial, desde logo, é a de saber se nos sentimos confortáveis e confortados com a saída de cena do Estado-administração que deixa território soberano entregue a si próprio e, objetivamente, favorece a aquisição e concentração da propriedade da terra, ao mesmo tempo que põe em causa tudo o que dissemos anteriormente sobre a política global de paisagem que integra uma política de paisagem, uma política agroecológica e uma política de ecorecreação.

Em terceiro lugar, a competição global dos mercados pulverizou os sectores, que, assim, perderam coerência e racionalidade. O mesmo poderá acontecer com os territórios e com os conceitos prescritivos e normativos antes referidos se, em cada caso, não encontrarmos um porto seguro e uma lógica de funcionamento bem articulada que assegure um retorno satisfatório composto por receitas de mercado, transferências públicas e pagamentos contratuais, os quais devem estar associados a um centro de racionalidade com escala e dimensão para resolver os conflitos de interesse, internos e de fronteira, das suas unidades mais pequenas.

Finalmente, os sinais distintivos territoriais são a imagem de marca de um território. Um desses sinais é a distinção paisagística. Num tempo de “turismo total” não é apenas a gentrificação das vilas e cidades que nos deve preocupar, é, também, a ludificação excessiva e, sobretudo, o critério e o modo como dispomos e usamos recursos escassos como a água, o solo e a vegetação, no fundo a paisagem global que nos acolhe. Não simplifiquemos, pois. Todos nós somos, cada um à sua maneira, cuidadores da paisagem. Mas não nos iludamos. Há uma literacia própria da paisagem, que necessita de ser convenientemente abordada, sob pena de a nossa perceção da paisagem ser um crime de lesa-pátria e um mau serviço prestado ao país. Talvez seja o tempo de voltar ao unitarismo de outros tempos, regressando à política e às causas públicas, reabilitando o discurso ideológico sobre a ocupação do nosso território antes que o tenhamos de recuperar num qualquer leilão de ocasião aqui ou no estrangeiro.

A terminar, e em jeito de celebração, regresso às “montanhas mágicas” das serras da Freita, Arada, Arestal e Montemuro e ao seu imaginário tão especial. Proponho que observe a sua distinção paisagística, a presença da água, as gravuras rupestres de arte atlântica, os seus santuários e igrejas, deixe-se encantar pela sublimação do lugar, o esplendor da luz e a geometria das formas, inspire-se na simplicidade e na harmonia da ordem natural das coisas. E terá chegado a um verdadeiro jardim do paraíso.

Universidade do Algarve