Ter a oportunidade de conhecer um país como o Brasil traz-nos uma nova luz sobre a atitude e o espírito com que enfrentamos os problemas e os desafios do dia a dia.

Numa sociedade marcada pelas desigualdades, pela criminalidade, por enriquecimento ilícito e pela instabilidade política, há uma coisa que teima em não desaparecer – a alegria. Quase que nos transporta para uma utopia, que merecia ser vivida e de que aqui se tem curtos vislumbres. Uma atitude de esperança, uma disposição a aceitar o que a vida nos traz com um sorriso no rosto, a cantar os amores e os infortúnios, a dançar enquanto se trabalha sobre o sol escaldante e condições quase impensáveis. Uma gratidão pelas oportunidades que surgem, pelas pessoas à nossa volta, até por cada pôr-do-sol – que é recebido com um aplauso. Uma força de quem se quer sempre reerguer.

Este optimismo faz-nos pensar sobre a nossa atitude, a nossa forma de estar, o nosso pessimismo fácil mesmo quando as oportunidades abundam, a nossa ambição por vezes assente em motivações erradas.

Aqui, como muitos dizem, “tudo o que se planta cresce”. E que verdade esta! No Brasil ou em qualquer lugar do Mundo. “O que se planta, cresce” – aquilo em que investimos cresce, aquilo que incentivamos cresce, aquilo de que cuidamos cresce, aquilo por que trabalhamos cresce. Mas será que andamos a “plantar” as coisas certas ?

Uma proposta já lançada neste sentido é a da Economia de Francisco. E mesmo quem não é católico pode encontrar fortes pontos nesta proposta. Não apenas pessoas individuais, mas também órgãos governativos, pessoas colectivas públicas ou privadas. A Economia de Francisco propõe pensar uma economia diferente, “que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a devasta”. Quando orientadas para o bem, para valores humanos e para a integridade, qualquer entidade fica mais perto de entregar, a si mesma e à sociedade, aquilo que é de facto necessário.

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Citando Nuno Moreira da Cruz, numa entrevista no espaço de colaboração Renascença/ACEGE, o que mais importou durante muitos anos foi “o lucro e satisfazer o acionista”. Hoje em dia, “as empresas que não criem valor partilhado, para elas e para a sociedade, eu acredito que não vão poder sobreviver”. Não por não serem economicamente viáveis, mas porque a não criação de valor partilhado limita o crescimento de uma empresa, a motivação dos trabalhadores, o impacto positivo na sociedade e a forma como mesmo esta olha para cada empresa.

Estar no Brasil fez-me pensar mais seriamente nestas prioridades para o desenvolvimento e para a evolução da sociedade e da economia. Inspirada no pacto assinado entre os jovens e o Papa Francisco, ficam alguns dos desafios:

  • Incentivar uma economia com propósito, sustentável, com os olhos postos no futuro;
  • Gerar riqueza que permita prosperidade, partilha e sustentabilidade;
  • Responsabilizar cada um na construção de uma sociedade melhor e do bem comum;
  • O exercício da gratidão;
  • Promover uma economia de paz, que incentive a criatividade, a criação e a meritocracia;
  • Colocar a economia ao serviço do cidadão, da família e da vida, apoiando os mais frágeis;
  • Criar sistemas em que se priorize o cuidado e se lute contra a indiferença;
  • Valorizar e manter as culturas e as tradições;
  • Respeitar todas as espécies vivas e preservar os recursos naturais do planeta;
  • Combater todas as formas de miséria de forma a conseguir reduzir as desigualdades.

Todos os sectores da economia são fundamentais em transformações como esta.

No meu caso particular, penso na importância da agricultura. É um sector destacado na Teoria da Hierarquia das Necessidades de Maslow, que posiciona a alimentação como a base da pirâmide para chegar à auto-realização, juntamente com o repouso, o conforto, o abrigo e outras necessidades fisiológicas. Todas as pessoas consomem todos os dias alimentos que resultam do trabalho do agricultor, da riqueza que este gera. Mas muitas atacam a agricultura e não reconhecem o seu valor. Se este valor não for reconhecido, e se a própria actividade agrícola não respeitar todas as premissas anteriores, compromete à partida a sua sustentabilidade.

Quem fala da agricultura poderia também falar da saúde, da educação, da construção, dos serviços, da iniciativa privada, e de como todos eles carecem de espaço para a criatividade e incentivo ao desenvolvimento. Todos os segmentos da economia têm de gerar rendimento, trabalho digno, realização e um impacto positivo na sociedade, de forma a que sejam fortes e prósperos.

Uma economia que cria riqueza e gera alegria é construída através de uma vida em comunidade e do reconhecimento e partilha dessa riqueza entre os vários níveis da cadeia de valor.

Na verdade, a alegria gera valor: cimenta relações, resulta de experiências positivas, contagia e, mais importante que tudo, cria motivação. A alegria, assente nos valores certos, promove a criatividade na busca de soluções e caminhos para uma economia mais competitiva e construtiva.

É neste sentido que acredito que todos devemos evoluir. E é reconfortante ver instituições que estão já a afirmá-lo e a construí-lo. Porque, na verdade, cabe a cada um de nós colocar alegria em todos os passos que dermos na construção da nossa economia e de uma sociedade melhor.

Isabel Abreu Lima é Gestora de Relações Públicas na Aveleda S.A. e jovem agricultora. Licenciada em Biologia, Mestre em Viticultura e Enologia, trabalhou na produção de vinhos do Douro e da Califórnia, enveredando mais tarde pelo ramo da comunicação e estratégia de marcas. Com uma pós-graduação em Gestão de Marketing, aprofundou a sua experiência nesta área, sempre ligada ao sector dos vinhos. Hoje, para além das Relações Públicas, tem o seu próprio projeto agrícola na região do Douro e ajudou a fundar o Conselho Consultivo dos Jovens Agricultores da CAP. Faz parte do Global Shapers Lisbon Hub desde Junho de 2020.