Estamos a assistir a insistentes manifestações e marchas dos professores, que se prolongam há meses, numa dinâmica nunca vista. Arrastam-se num enorme clamor de revolta e, simultaneamente, num grito exigindo compreensão e compensação. A marchar os professores andam para a frente, numa demonstração clara e até física (pelos imensos quilómetros percorridos), de que querem divergir da tendência predominante dos Costas para fazer a educação andar de costas. Se é certo que em cada uma das cabeças dos marchantes haverá razões muito diversas para protestar, a inquinação das práticas exigentes e prestigiantes da função docente, a tolerância com o desleixo, a obrigação em fingir sucesso, a crucificação dos professores que se atrevem a dizer que o aluno não se dedicou, que não estudou, que não atingiu os mínimos exigíveis, toda esta ideologia do facilitismo disseminada pelos Costas será um dos denominadores comuns.

António Costa está na direção do governo de Portugal desde 26 de novembro de 2015 e João Costa está na direção do Ministério da Educação desde o mesmo dia. Se este é Ministro da Educação, o outro é Primeiro-Ministro, portanto, jamais pode ser desresponsabilizado das políticas implementadas em qualquer setor e, em particular, no sistema educativo. Logo desde o início de funções governativas, esta dupla de Costas deixou claro que pretendia destruir, desrespeitar, desvalorizar o ensino e a aprendizagem. Menos de um mês depois, a primeira medida que o governo de Costas tomou na área da educação foi acabar com as provas finais dos primeiro e segundo ciclos. Este despacho estava em óbvia conformidade com as pretensões resultantes da reunião de forças habilmente cunhada como “geringonça”, que o elogiou extremamente. Ainda há quem se lembre da luta dos partidos de esquerda na defesa da instrução dos filhos da classe trabalhadora, para que estes se pudessem elevar socialmente, mas isso era antigamente. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, e agora os partidos de esquerda defendem uma escola mínima, num estilo less is better. Pode ser que os filhos da classe trabalhadora se venham a filiar no PS&Ca. e, assim, possam encontrar o rendimento suficiente, sem necessidade de muitos conhecimentos.

O tempo foi passando, e o governo dos Costas lá foi avançando, destruindo, depreciando o conhecimento, desvalorizando a aprendizagem, minando a função educativa da escola, que desde sempre foi organizada para ensinar e para confirmar se o ensino ministrado tinha resultado em efetiva aprendizagem. Com a abolição das provas finais, milhares de alunos pularam de contentes, pois, aprendessem ou não, ninguém os iria aborrecer com procedimentos externos que colocassem à prova o resultado do esforço e a verificação das aprendizagens. Ora bem, tendo a acreditar que, para a esmagadora maioria dos portugueses, a finalidade da escola não é propriamente tornar os alunos contentes por não terem de se esforçar, por lhes ser permitido estarem distraídos, sem atenção, por não serem necessários dedicação, empenho, repetição e prestação de provas.

Acredito que o desígnio da escola seja o de formar pessoas mais felizes por adquirirem conhecimentos, por aprenderem muitas e variadas matérias, por melhorarem as respetivas capacidades, e extremamente felizes quando, postos à prova, lhes forem reconhecidos o esforço e a dedicação. Todos os professores já presenciaram a enorme felicidade de um aluno quando recebe a avaliação destes especialistas a validar e a certificar as competências adquiridas.

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Imaginem, se puderem, um atleta de natação que vai regularmente aos treinos, nada e exercita-se durante horas e dias, sem nunca lhe ser proposto que se submeta a uma prova de natação, avaliada por especialistas na matéria. Que frustração haveria de sentir! Ou uma bailarina que se dedica, treina diariamente, fica dorida e não desiste. Será que alguém acredita que a bailarina poderia evoluir para patamares distintivos ou de excelência se nunca fosse avaliada? Não é verosímil. Ser avaliado motiva a ascensão, e ser avaliado com um nível insuficiente não pode nunca ser encarado como uma maldade, mas necessariamente como um registo sobre o qual se devem redobrar esforços e alavancar motivações.

O descrédito das provas finais do ensino básico ficou como a primeira marca distintiva desta governação, e, com o tempo, as cabeças pensadoras dos Costas que nos governam acharam que o lastro deixado poderia já ser suficiente para mais uma machadada. Há perto de dois anos, em julho de 2021, João Costa ainda não tinha alcançado o título de Ministro, mas tinha a força política suficiente para despachar a eliminação dos programas de todas as disciplinas dos ensinos básico e secundário, estabelecendo, em Diário da República, uma escola orientada para o mínimo. Talvez o Ministro acredite que, apesar da escola minimal, se os testes forem de escolha múltipla, há de haver acertos. Faz-me lembrar a canção de Miguel Lunet que, em bom português, diz que “um relógio parado acerta sempre duas vezes por dia”. Tudo indica que Costa&Costa pegaram na frase latina “navigare necesse, vivere non est necesse”, do general romano Pompeu, dita para motivar os marinheiros que, amedrontados, se recusavam viajar durante a guerra, e, sem medos, atreveram-se a recusar a fiel tradução de Petrarca, transformando-a em “ir à escola é preciso, aprender não é preciso”.

Recentemente assistiu-se de novo à tendência dos Costas para desacreditar os exames nacionais do ensino secundário. As academias superiores desagradaram-se, provocou-se, em surdina, uma guerrazinha intestina, e lá se percebeu que o lastro dos Costa&Costa ainda não permitia chegar onde gostariam de nos colocar, como um povo alegre e servidor de turistas, já que, para fazer camas, tirar cafés ou servir às mesas, não é necessário estudar Camões, Eça ou Pessoa, ou conhecer as mitocôndrias, as leis da cinemática, as características do clima mediterrânico ou as propriedades operatórias dos logaritmos.

Quem é que entenderia se o Ministério da Saúde se atrevesse a publicar documentos que prescrevessem a arte com que os médicos devem tratar os seus doentes? Ou o que seria se a Ministra da Justiça determinasse o modo como os juízes devem proceder nos julgamentos? É ridículo, não é? Por muito socialistas que tenham sido os ministros dos governos liderados pelo PS, nunca nenhum se atreveu a tal. Então, como é que se pode entender, sem alta revolta, que o Ministério da Educação, a mando do senhor Ministro João Costa, preencha a maior parte dos documentos orientadores publicados com prescrição das práticas que devem guiar o trabalho dos professores. O senhor Ministro não deveria dar-se a esse incómodo. Na verdade, nem deveria atrever-se a tal, pois é de um atrevimento que se trata. Os professores sabem, melhor que ninguém, da sua arte, já que foram formados, testados e avaliados para estarem aptos a desempenhar as funções docentes.

Há estudos que revelam vantagens em andar ou fazer corrida de costas, cuja prática permite melhorar o desempenho de algumas articulações e também treinar o cérebro para outras perspetivas, outras visões. Todavia, a preocupação deste governo é outra, é pôr a educação a andar para trás.

A educação a andar de costas não se deve só ao fenómeno arrepiante que leva milhares de professores, como o caracol, a andar “com a casa às costas” e ao facto da progressão na carreira docente, igualmente como o caracol, se fazer lentamente, muito lentamente. Esta lentidão deve-se, sobretudo, aos muitos anos enterrados no gelo, por responsabilidade de um governo onde António Costa, que é agora e desde há muitos anos Primeiro, desempenhava então as funções de número dois. E depois de ocupar o lugar de Primeiro-Ministro, não o fazendo majestosamente, porém geringolçalmente, manteve as barras de gelo por cima da carreira docente, para que esta se mantivesse muito bem conservada, congelada. Portanto, é evidente que a Educação a andar de Costas se deve a estes dois atores principais, sem os quais seria natural podermos esperar mais e melhor da escola pública portuguesa.

Se eu conseguisse acreditar na influência da astrologia, ainda diria que tudo isto se deve ao facto de o Primeiro-Ministro de Portugal ser do signo Caranguejo.