A frase que dá título a este artigo foi proferida no passado dia 2 de setembro, início do presente ano letivo, pelo Dr. João Costa, Ministro da Educação, referindo-se aos professores.

Após ouvir esta declaração, de imediato escutei o comentário de um adulto, de quem estava próximo, interrogando-se: «E o Senhor Ministro tem o direito de prejudicar os professores?». Logo de seguida, a criança que acompanhava esse adulto acrescentou: «O Ministro, ao prejudicar os professores, também prejudica os alunos.».

Foi o confrontar-me com esta situação, que acabei de vos relatar e que me andou a remoer, que serviu de mote para o que a seguir desenvolvo, pois o Ministro da Educação não pode “lavar as mãos” de todo o prejuízo que os alunos têm sofrido nos últimos anos.

Declaro que levo quase quatro décadas de pertença a uma classe profissional em que há o hábito de desejar, uns aos outros, “Bom Ano” duas vezes por ano, em janeiro e em setembro. Logo, e como é natural, em todos os setembros enfrento uma enorme diversidade de níveis de conhecimento revelados pelos alunos. Esta é uma circunstância com que se deparam todos os professores, ano após ano, em cada começo de ano letivo. Porém, ao acumular-se experiência, aumenta-se também a capacidade de análise comparativa e a noção da evolução temporal dos conhecimentos adquiridos. E, quando a curva nos mostra uma descida abrupta, de cortar a respiração, há, inevitavelmente, um aumento considerável do fluxo de adrenalina, que, se se tratasse de uma diversão em montanha russa, aceitaríamos com coragem, mas, tratando-se de conhecimentos escolares elementares, só nos indigna, só nos revolta.

Para ilustrar a minha indignação com os últimos oito anos de política educativa do governo de António Costa e de João Costa, promotora do facilitismo, posicionando claramente o Ministério da Educação a desvalorizar a avaliação e, consequentemente, também a aprendizagem, decidindo substituir todos os programas disciplinares por um conjunto de aprendizagens essenciais, a que Paulo Guinote chamou, e muito bem, «a escola mínima», descreverei adiante alguns exemplos surpreendentes. O resultado destes oito anos de facilitismo, agravado pela pandemia e pelo que fizeram em nome dela, transmitindo aos jovens, com desvelo, que basta frequentar a escola para ir avançando na sequência dos anos de escolaridade, é demasiado trágico.

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No ano letivo passado, apliquei um teste a um conjunto de 40 alunos do primeiro ano do ensino superior, com questões muito simples sobre a definição de algumas (poucas) unidades de medida de diversas grandezas. Tratava-se de questões elementares, algumas que são de simples cultura geral, e que são essenciais para quem quer vir a ser professor dos primeiros ciclos, como é o caso daqueles alunos, que estão inscritos num curso de Educação Básica. Portanto, falamos de alunos com o ensino básico e secundário completos, que frequentaram pelo menos 12 anos de escola paga com os impostos dos portugueses. Para além disso, tinham já frequentado um semestre inteiro, com presença física e assídua, durante o qual todas as questões colocadas foram revistas e exploradas.

Em avaliação escolar acontece, por vezes, depararmo-nos com uma distribuição de resultados que acompanha, com certa proximidade, a famosa curva de Gauss, também conhecida como curva «normal», em que há uma certa simetria entre os resultados positivos e negativos, com uma baixa incidência de classificações muito boas ou de classificações muito más. No entanto, em testes com nível de dificuldade muito baixo, como era o caso do acima referido, dada a elementaridade das questões colocadas, a distribuição esperada é completamente diferente, devendo, pelo abaixamento da bitola, curvar-se de modo a assemelhar-se à primeira metade da «normal», algo próximo da grafia da letra J, com a esmagadora maioria dos alunos a atingir resultados muito elevados, com tendência para se avizinhar da ingénua regra educacional que pretende que 90% dos alunos possam atingir pelo menos 90% da classificação. Não obstante, o resultado foi muito diferente do esperado, com 25% dos alunos a posicionarem-se acima dos 90% da classificação e outros 25% a não ultrapassarem os 10% da classificação. Se, para estes, 12 anos de escola e mais um semestre no ensino superior não foram suficientes para ultrapassar as dificuldades de aprendizagem, de memorização e de raciocínio lógico, a deontologia profissional investe-nos da indispensável esperança de que, no ano seguinte, isso se possa resolver.

Não pretendo causar arrepios, nem eriçar pilosidades, mas aviso que é grave.

Uma das questões apresentadas pedia para definir a medida de tempo «dia». Era esperado que as respostas compreendessem algo que mencionasse o tempo de duração do movimento de rotação da Terra. Todavia, observe-se três exemplos estonteantes de resposta: «O dia é uma parte da manhã.»; «O dia é um solstício terrestre.»; «O dia é o diâmetro de uma figura.». Relembro que são respostas dadas por alunos adultos, a frequentar o ensino superior, portanto com sucesso em todo o ensino básico e secundário.

Ainda nas unidades de medida de tempo, pedia-se para definir «hora», com o objetivo de receber respostas afirmando que a hora é a vigésima quarta parte do dia. Pois aqui ficam algumas das respostas que me encresparam: «Uma hora são 59 minutos.»; «A hora é uma parte do dia, que tem várias horas.»; «A hora é um quarto do tempo.»; «A hora é a centésima parte do dia do meridiano terrestre.».

Não quero ser maçador e vou certamente evitar alongar-me nos exemplos descomunais. Sem embargo, deixo-vos ainda mais alguns, envolvendo sempre unidades de medida que se estudam nos primeiros ciclos: «Uma semana tem 1,016 minutos.»; «Um metro são 1000 centímetros.»; «O metro quadrado são 100 hectares.»; «O litro é a décima parte do metro.»; «O litro é a capacidade de um objeto, ou seja, a densidade do mesmo.»; «O litro é uma unidade de medida menor do que um quilograma.»; «O quilograma são cem gramas.»; «Um quintal é a quinta parte da medida do comprimento do are.»; «Um quintal são cem metros.»; «O lustro é um polígono com 5 lados.».

Sem pieguices, estou convicto de que, se no início da carreira me tivesse deparado com este nível de disparates, as lágrimas haveriam de me espreitar nos olhos, mas, agora, já só se ficam pela garganta.

Como sou professor de Matemática, é natural que os exemplos dados sejam da área desta disciplina, mas tudo me leva a crer, pelas conversas que tenho com os meus colegas, que semelhante fenómeno se passa noutras disciplinas estruturantes, como, por exemplo, no Português e na História.

É certo que a formação docente e a experiência acumulada nos vão dando tarimba suficiente para enfrentar este tipo de dificuldades, que são muito sérias. Sempre houve alunos com respostas disparatadas, mesmo para as perguntas mais simples. Porém, a percentagem de ocorrências costuma ser baixa e, à medida que se avança nos anos de escolaridade, vai-se observando uma natural diminuição dos dislates, por força das correções repetidas. Há a esperança generalizada de que os alunos que obtiveram sucesso escolar ao longo de 12 anos de escolaridade tenham obtido uma formação geral profícua, uma vasta capacidade de absorção de conhecimentos e a competência para os relacionar de forma racional. Mas, se quem nos governa desvaloriza os conteúdos, considera que a exigência é nefasta e que é melhor ir à escola para brincar, estamos fritos…

Quando muitos alunos do ensino superior se indignam por eu ser tão exigente na proibição do uso do telemóvel durante a aula, porque considero impróprio qualquer utilização sem a devida sugestão do professor, argumentando que «sempre o utilizei e nunca tive problema nenhum», demonstrando não possuírem qualquer capacidade para compreender que, durante todo o tempo em que estão distraídos a ver mensagens ou posts dos amigos, não podem dar a devida atenção ao que está a ser ensinado e, consequentemente, não se comprometem com a aprendizagem, isso significa que estes alunos passaram pela escola básica e secundária sem terem sido devidamente ajudados a desenvolver o prazer de adquirir conhecimento, a treinar a memorização de definições, a utilizar o raciocínio na compreensão de propriedades, a praticar a aturada atenção e a indispensável concentração para alcançarem o que sempre se entendeu por sucesso escolar.

Alunos com bons e maus resultados sempre houve e continuará a haver. Continuaremos a ter alunos que atingem 100% nas classificações escolares, mesmo quando a avaliação é séria e não apenas um simulacro, porque há sempre muitos alunos e famílias que se emparelham com os docentes na valorização do esforço e na dedicação à aquisição de conhecimentos. O que dói muitíssimo é depararmo-nos com o insucesso crescente mascarado de sucesso, é pensar nos que ficam abandonados à ignorância contente. Quando se diminuem os conteúdos para níveis mínimos, está-se a prejudicar os alunos. Quando se eliminam provas de avaliação externa, está-se a desvalorizar a avaliação e a desdenhar o esforço de aprendizagem, então estão a prejudicar-se os alunos. Aliás, se tivesse ido avante a vontade deste ministro, já tinham acabado os exames no final do secundário, que ainda se mantêm por pressão do ensino superior.

Quando o Ministro da Educação se mostra muito satisfeito em eliminar bloqueios na carreira docente, permitindo que alguns progridam de escalão, mas mantendo o bloqueio a qualquer recuperação do tempo de serviço que foi congelado em consequência dos desgovernos socialistas, provoca injustiças e deixa a classe docente em alvoroço, logo está a prejudicar os alunos.

A culpa não é só dos Costas. Há milhares (milhões) de nós que também têm responsabilidade na desvalorização dos conhecimentos, na tolerância dos distratores, no facilitismo, em desacreditar a disciplina e a exigência, em descartar os incómodos naturais de enfrentar a montanha do conhecimento, do estudo e da aprendizagem (“a descer, todos os costinhas ajudam”), mas quem nos governa, quem decide as políticas educativas, tem necessariamente uma responsabilidade maior, tem o dever superior de não prejudicar os alunos.

Quando o Dr. João Costa se veio insurgir contra organizações de docentes que, defendendo a reparação de injustiças, já preparam rebuliços nas escolas, afirmando que «ninguém tem o direito de prejudicar os alunos», deveria ter acrescentado «sobretudo eu próprio, Ministro da Educação, responsável pelas políticas educativas nos últimos oito anos.».

Enfim! É claro que há muita vida para além da escola e nem tudo é matemática e ciências, tal como sugere a música Math and Science, de Bess Rogers. No entanto, caro leitor, apesar de nem tudo depender dos conhecimentos escolares, não se conforme com a mediocridade.