As atividades avaliativas incluídas no ensino devem servir para
motivar no estudante um empenho maior no processo de aprendizagem.
Paul A. Goring

Pelo menos alguma vez na vida, o leitor terá ouvido dizer que 2+2 são 4 e reconhecerá esta afirmação como verdadeira, em resultado do conhecimento adquirido sobre tão simples operação aritmética.

Efetivamente, a adição é a primeira operação que os humanos realizam com objetos contáveis, apreendem o respetivo significado, exploram algumas das suas propriedades, e é também a primeira a ser tratada na escola, no contexto da aprendizagem dos números naturais, cuja sequência lhe está intimamente ligada.

Neste texto pretendo analisar uma escala de avaliação escolar que prejudica os alunos, demasiado confrangedora, acorrentada ideologicamente e na qual, por exemplo, 2+2 não são 4, o que não é defensável. Nem sequer se pode admitir como suficiente o argumento do hábito já adquirido em usá-la. Não obstante, em breve serão afixadas, em todas as escolas do país com ensino básico, dezenas de milhares de pautas com avaliações nesta escala.

Quero deixar claro que esta reflexão trata apenas da avaliação de conhecimentos escolares e não de qualquer avaliação numérica sobre o desempenho dos alunos como seres humanos, o que nem sequer é possível e, mesmo que o fosse, não deveria caber à escola, pois é do domínio privado, da família. Na escola transmitem-se conhecimentos e ajuda-se a formar seres humanos, não se endoutrina, não há céu nem inferno. Na escola desenvolve-se um leque enorme de competências e capacidades, grande parte das quais, felizmente, não são mensuráveis. Porém, uma não pequena parte do que se desenvolve e aprende na escola são conhecimentos disciplinares, que são medíveis, dentro do possível, por testes de avaliação com classificação numa escala previamente estabelecida.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ora, o processo de avaliação de conhecimentos, ao atribuir uma classificação, tem diversos objetivos, entre os quais a distinção do mérito na aquisição e aplicação dos conhecimentos, o reconhecimento do esforço e a necessidade de motivar as aprendizagens, espicaçando a vontade para mais estudo quando o resultado atingido fica aquém das expectativas. Entendo que a avaliação das aprendizagens escolares pretende, sobretudo, servir e beneficiar o próprio aluno, embora também tenha préstimo para a reflexão necessária sobre o sistema educativo. Este processo ajuda a registar e chamar a atenção de 20% a 30% dos estudantes para a carência de aprendizagens suficientes e faz lembrar a cerca de 80% a 90% dos alunos que não estão entre os melhores dos melhores, pelo menos em determinada área de conhecimento. É que, para querer alunos entre os melhores dos melhores, não basta apregoá-lo, é necessário apoiar, identificar os mais frágeis, motivar e investir no valor do conhecimento, porque a estratégia do abaixamento da bitola, com o fito de obter maior percentagem de alunos a atingir um nível elevado, não é um procedimento honesto, nem justo. Há poucos alunos que conseguem estar entre os melhores dos melhores nas diversas disciplinas, logo, também por isso, a avaliação das aprendizagens tem a vantagem, para a maioria dos jovens, de lhes indicar a(s) área(s) específica(s) em que revelam maior talento e, portanto, ajudar a delinear ou a escolher futuros, académicos ou profissionais.

Assim, seja no ensino básico, secundário ou superior, os alunos têm direito a conhecer o resultado numérico das avaliações realizadas sobre as respetivas aprendizagens. Porém, no ensino básico, desde 1975 (como detalharei na Parte II) que se eliminou a habitual escala de classificação escolar de 0 a 20 valores, substituindo-a por uma escala não linear de classificação ordinal, cujas perniciosidades quero explorar, e que se organiza em níveis de desempenho, codificados de 1 a 5. No entanto, tanto no secundário como no superior é usada a tradicional escala de 0 a 200 pontos ou de 0 a 20 valores.

O nível 1 codifica um desempenho “Muito Insuficiente”, o nível 2 é o código para um desempenho “Insuficiente”, o nível 3 para “Satisfaz”, o nível 4 para “Satisfaz Bem” e o nível 5 revela que o desempenho escolar “Satisfaz Muito Bem” ou que é “Excelente”. Esta escala qualitativa expressa-se através de “números” que não são números. São cinco códigos (que poderiam ser MI, I, S, SB, EX ou A, B, C, D, E ou V, W, X, Y, Z ou …), com os quais não é possível efetuar as rotineiras operações aritméticas. Para além disso, é uma escala que coloca no mesmo nível desempenhos muito diferenciados, é afetada pela ausência do nível correspondente a “zero” e, parecendo numérica, agrava-se com a falta de proporcionalidade.

Apesar das características próprias de uma escala ordinal e qualitativa, o Ministério da Educação viu-se obrigado a definir uma tabela que estabelece a correspondência entre esta escala de níveis e a escala numérica, quantitativa, percentual, de 0 a 100. Uma tabela de conversão que, com insignificantes flutuações, tem sido aplicada sistematicamente e que continua em vigor.

A correspondência assim definida entre as escalas qualitativa e quantitativa é de fácil aplicação quando se transforma um número da escala percentual no nível que lhe corresponde, mas a aplicação no sentido inverso é impossível. Por exemplo, se um aluno é classificado em determinada competência com um desempenho Insuficiente (nível 2), que valor percentual se poderá garantir? A escala de níveis é qualitativa e não é quantitativa. Para além disso, esta correspondência provoca sérios problemas na definição de operações aritméticas elementares, porque todo o sistema educativo assume, erradamente, que os níveis de 1 a 5 podem ser entendidos como se se tratasse dos números naturais de 1 a 5. E quais são efetivamente os problemas?

Sabe-se que, dado um par de números naturais, existe um único número natural que é a soma dos números dados. Ou seja, para os números naturais, a adição está bem definida. Contudo, dado um par de níveis da escala de 1 a 5, a respetiva soma está mal definida, pois, tendo em conta a adição dos correspondentes valores percentuais, o resultado é indeterminado.

Na verdade, na escala de níveis, 2+2 tanto pode ser 2, como 3, ou 4, ou 5. É extraordinário, não é? Creio que a generalidade dos portugueses não duvidaria que 2+2 são 4, pois sempre o reconheceram como verdadeiro e assim o transmitiram aos seus filhos. Todavia, estão enganados, pelo menos nesta escala de avaliação escolar.

Analisemos alguns exemplos:

  • A ausência do “zero”. Coloca-se no mesmo patamar de desempenho um aluno que não fez o teste, um que entrega o teste em branco, um aluno que responde erradamente a todas as questões e um aluno que responde corretamente a diversas questões, embora não atinja 1/5 das cotações. Todos com nível 1.
  • A falta de proporcionalidade. O nível 1, tal como o nível 3 e o nível 4, correspondem a intervalos de 20% de amplitude. No entanto, o nível 2 tem um intervalo com 30% de amplitude, ficando o nível 5 com um intervalo de apenas 10%.
  • Qual é o valor da soma 2+2=? Pode ser 2 ou 3 ou 4 ou 5. Se num teste existirem duas questões que valem 20% cada uma, tem exatamente o mesmo nível de desempenho tanto o aluno que acertou apenas numa das questões, como outro aluno que acertou em ambas. Ou seja, quem acertar só na primeira questão tem nível 2, quem acertar apenas na segunda questão tem também nível 2 e quem acertar em ambas, tem igualmente nível 2. Portanto, 2+2=2. Desta forma, que motivação está a ser dada aos alunos para porfiarem, para insistirem, para não desistirem, para se esforçarem em construir mais algumas respostas certas, se o nível atingido pode ficar exatamente igual? Será que os pais destes alunos não têm quaisquer dúvidas para se disporem quotidianamente a trabalhar mais e mais horas por dia, se souberem que o retorno pode ser exatamente o mesmo? Bem, todos os anos se fala do Pai Natal e há sempre quem acredite. Basta alterar um pouco os valores e facilmente se conseguem resultados bem diferentes: 2+2=3 (30%+30% = 60%), ou 2+2=4 (40%+40% = 80%), ou mesmo 2+2=5 (45%+45% = 90%). Fantástico! Lembrando a fantástica dupla Herman José e José Pedro Gomes: “Isto é fantástico, Melga”, “Isto é fantástico, Mike”.

De modo análogo, com facilidade se verifica que: 1+1 pode ser 1 ou 2; 2+1 pode ser 2 ou 3; 3+1 pode ser 3 ou 4; 3+2 pode ser 4 ou 5 e 4+1 pode ser 4 ou 5.

Com esta indefinição, esta “baralhada”, percebe-se que se potenciam bloqueios na motivação para as aprendizagens que afetam todo o sistema educativo. Quando um aluno, perante um momento de avaliação das aprendizagens, tem a impressão de que não consegue responder corretamente a nenhuma das questões colocadas, que motivação lhe é dada para se animar, para recuperar alguns dos seus conhecimentos sobre a matéria em causa, se já sabe que isso poderá ter como consequência a obtenção do mesmo nível 1.

Se um aluno consegue resolver um grupo que vale de 20%, que sinal motivador esta escala lhe poderá oferecer no sentido de se esforçar para alcançar os 25%, os 30%, os 35%, os 40% ou até os 49%, se o nível 2 permanece inalterado nesse intervalo de desempenhos muitíssimo diferentes. Adicionar resultados não nulos deveria estar intimamente ligado à obtenção de um resultado global melhor, mas, com esta escala de níveis, essa natural expectativa é gorada.