A indicação de Sebastião Bugalho para encabeçar o projeto da AD às eleições europeias surpreendeu muita gente e gerou uma onda de dúvidas na opinião pública. Não por ir, mas por ir agora.

Se para muitos Sebastião Bugalho na política seria uma questão de tempo, o que é certo é que a pergunta que mais me tem surgido, ainda que em surdina e na sombra de certas autoridades do espaço mediático do centro-direita, é a seguinte: será esta a escolha certa e será este o tempo desta escolha?

Ainda na digestão da análise, partilhada por mais outros tantos como eu e tentando demonstrar isso ao longo deste texto, arrisco-me a dizer que esta é uma escolha acertada tendo em conta os objetivos pretendidos e os circunstancialismos que rodeiam este momento eleitoral.

Apesar de não conhecermos todos os meandros do processo decisório que culminou na escolha de Sebastião Bugalho, há uma coisa que parece clara: houve disponibilidade. E, num momento particularmente transformativo da política portuguesa, onde parece existir uma alteração do equilíbrio de forças político-partidário, a disponibilidade é característica essencial para uma escolha, principalmente quando hipotéticos não raras vezes têm virado a cara ao desafio.

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Sebastião Bugalho encarna, no âmbito do espectro das escolhas possíveis de outras personalidades que preencheriam um perfil do seu tipo, o candidato que estava disponível – juntando-se assim a fome à vontade de comer.

Havendo disponibilidade e havendo necessidade, o tempo que vivemos também sugere renovação como forma de combate aos novos equilíbrios de força.  A hemodiálise de figuras que ambos os partidos da AD necessariamente têm de fazer, convoca-os a ir buscar sangue novo, ainda que do tipo do antigo. Ora, a AD, na ânsia de se reconciliar com os pensionistas, na necessidade de agarrar os mais novos e na urgência de abertura dos partidos à sociedade civil, encontra em Sebastião Bugalho a escolha que corporiza os mundos dialéticos que chocam atualmente em política. Novo o suficiente para os mais novos com ele se relacionarem, velho o suficiente na forma para que os mais velhos não desconfiem da mudança, e ainda, alinhado o suficiente para que (ainda que independente) contribua para as causas partidárias.

É este equilíbrio geracional e circunstancial, a par de outras variáveis (como o mediatismo, o posicionamento marcadamente mais à direita e o reconhecimento público das suas capacidades), que a AD pretende alcançar com a sua escolha.

Portanto, Sebastião Bugalho será (talvez) o único candidato que a AD conseguiria captar para combater com a mesma eficácia e ao mesmo tempo o PS e o Chega.  Será o único candidato que detém os atributos capazes de não dissuadir os eleitores do centro, bem como será o único candidato com os atributos capazes de estancar uma sangria à direita. Sebastião Bugalho, tanto para os mais velhos como para os mais novos, tanto em frames de TikTok como em televisão de canal aberto, tanto para os mais militantes como para os mais desligados, é um candidato que surge com naturalidade e que representa toda a extensão da ambivalência que a AD quer representar no espectro político nacional.

Bugalho é, portanto, uma catch-all person. Dará certamente para todos os gostos: para os que pretendem ver um discurso mais musculado, assertivo e combativo à direita; para os que pretendem ouvir só as verdades de uma pessoa desligada, em tese, dos interesses partidários; para os jovens europeístas de nascimento, que sonham com os Erasmus feito em Liubliana, e que nele revêm a corporização de uma direita profundamente europeísta e que com ele imaginam fazer um Interrail; e para os que desconfiam da mudança, mas já se habituaram à sua presença diária e que acabam por confiar no seu comentário. Bugalho é de direita, mas dará certamente para todos os gostos que ela compõe.

No entanto, da tese à realidade e da forma à matéria, a distância pode arrasar o sucesso potencial desta escolha. Pode esta escolha respaldar-se num enorme erro? Pode, naturalmente, e são vários os que o pressentem. Há um certo je ne sais quoi nesta indicação da AD. E é por esse motivo e por haver a consciência coletiva que a escolha de Sebastião Bugalho foi um salto de fé, que a pergunta inicial quanto ao mérito da escolha é formulada em primeira linha.

Desde logo fazendo um balanço quanto ao referido je ne sais quoi: – Porque ele não é propriamente redondo e porque é (talvez) demasiado assertivo e irreverente, o que deixa em risco de alienação o espaço político mais ao centro (aqueles menos convictos na escolha e que oscilam tanto entre a AD e o PS). Porque é ainda novo e porque não tem experiência suficiente, faz com que possa haver desconfiança quanto à capacidade de trabalho e política efetiva do candidato. Porque pertence à elite lisboeta, filho do sistema ou vendido como tal, pode levar à descredibilização da sua capacidade de mudança. Porque já disse muito e já expôs demasiado, arrisca a que o mediatismo, uma das suas maiores armas, se vire contra ele. Porque foi jornalista e despertou (também) com a sua saída uma certa consciência de classe, arrisca-se a sentir na pele a máxima de que “Roma não paga aos traidores” e experienciar em primeira mão o corporativismo da classe que abandona. E porque apesar de jovem não apresenta nada de propriamente inovador, nem tão pouco relacionável com a geração de onde vem.

Sem prejuízo do exposto, o maior dos riscos, e creio que seja a base desse je ne sais quoi, é o de, ao final do dia, Sebastião Bugalho, em tese um bom candidato, ser um balão vazio cheio de nada e que todos os predicados aparentes que fundam a sua escolha se revelem, precisamente, aparentes. Este e outros paradoxos enunciados são o grande risco que se corre com a escolha de Sebastião. Ele é o jovem prodígio cultivado que nada menos que prodigioso se espera dele e, caso não o seja, o peso da expectativa criada será inversamente proporcional ao resultado que se espera.

Os seus defensores dirão que todos os candidatos apresentam os seus próprios paradoxos. Verdade, e o que faz deles bons candidatos é a capacidade de os transpor, demonstrando-nos a implausibilidade da verificação da dicotomia paradoxal entre a vantagem e o risco que lhes é inerente. Os seus defensores dirão que Sebastião terá essa capacidade de os transpor. Talvez, mas digo que não sabemos e que precisamos de saber.

Esta é a batalha que Bugalho tem de vencer, Bugalho tem de transpor o paradoxo de ser tudo e ainda não ser absolutamente nada. O seu maior desafio é o de passar do campo daquilo que inferimos sobre ele e sobre a sua capacidade, para o campo da concretização real do seu potencial político. Sebastião, apesar de ter referido que todos os portugueses desde há cerca de 9 anos sabem o que ele pensa e defende, tem de compreender que o que disse e o que defendeu – ainda que com algum interesse – não é o que interessa aos portugueses. Sebastião trabalhava no campo da forma e os portugueses, de um candidato, querem saber sobre o campo da matéria.

Os portugueses não estão disponíveis para a mera abstração. Querem sim uma resposta inequívoca aos seus problemas e sonhos. No fundo, com o tempo que irá dispor para o efeito, o exercício fundamental que Sebastião Bugalho terá de fazer nestas eleições – na sua própria transição de comentador para político – é o deixar de ser um intérprete da forma (que tanto nos anima) para passar a ser um ator da matéria (convencendo-nos da sua capacidade). O desafio está em manter tudo o que apreendeu da primeira, demonstrando que é capaz da segunda. Vencendo os seus paradoxos, prova que foi uma boa escolha; embrulhando-se neles, prova que se correu um risco que não poderia ser tomado.

Dito isto e respondendo à primeira questão, em abstrato o cabeça de lista da AD tem tudo para ser uma tremenda escolha, em ambos os sentidos, conquanto seja a capacidade de entregar tudo aquilo que se conjetura e se infere que Sebastião é capaz de entregar. Em todo o caso, as probabilidades parecem ser boas, mas em política a magnitude da expetativa também conta. Veremos.

Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.