Não é preciso andarmos há muito tempo neste mundo para detectarmos com muita clareza aqueles que não sendo o que gostariam de ser, emprenham-se de reinos em estômagos esfaimados e vaidades mal contidas, para depois, sem pingo de vergonha naquelas fuças, agirem como se o fossem.
O que aqui hoje vos vou contar ninguém me contou. Eu fui um dos protagonistas. Querendo chegar a lugares cuja chance me tinha sido madrasta, dediquei-me a estudos pós-laborais numa Faculdade de Direito cujo nome não vem para o caso. Foram dos meus melhores tempos, confesso, embora a idade já não tolerasse muito bem os floreados que tinham algumas jovens promessas, seja, Assistentes narcisistas.
Num final de aulas fui confrontado com uma situação muito especial. Um amigo, funcionário notarial, no curso dois anos abaixo do meu, e por eu ter carro, pediu-me que levasse uma colega sua a casa. Explicou-me que a boleia era para a mulher do seu chefe – o motorista, por ter tido um acidente, não a podia ir buscar. Claro que acedi logo ao pedido, o desvio não era assim por aí além, e o meu amigo ficaria nas graças do seu chefe. Depois, e é aqui que o bácoro torce o rabo, pois a suína, oh, desculpem!, a colega do meu amigo, deu sinais de forte personalidade. Abri a porta do meu lado e entrei. Já sentado, estiquei-me e abri a porta do lado do passageiro. Ao mesmo tempo que vi que ninguém entrava, ouvi a porta de trás do lado do passageiro a abrir-se. Para meu espanto, a colega do meu amigo entrou, sentou-se e disse-me a morada da sua casa.
Vocês nem imaginam o que me passou pela cabeça. Não, não tentem!, que não chegam lá. Nem de perto! Saí do carro, fechei a porta do passageiro, vi se a porta do lado da ‘cliente’, estava bem fechada, voltei para o carro e perguntei: «Sr.ª Dr.ª onde é que quer que a deixe ficar?» Ela, sem qualquer hesitação repetiu a morada. Propositadamente, fui por uma rua errada. Ela chamou-me à atenção: «Veja lá por onde anda que não quero chegar a casa muito tarde!» «Sim, Sr.ª Dr.ª», foi a minha resposta.
Nunca contei esta estória ao meu amigo. Soube depois que a Sr.ª Dr.ª deixou de o ser: o seu esposo, um Funcionário bem estabelecido, perdeu-se de amores por uma loira bem mais nova que ajudou a legalizar; a minha ‘cliente’, nunca mais ninguém a viu.