Não sei se no PSD se tem noção do espectáculo que estão a dar ao país. E se se tem percepção da quase indiferença com que o país segue as peripécias peripatéticas da corrida à liderança do ainda maior partido da oposição. E sim, o ainda que escrevi na frase anterior não está lá por engano ou por acaso: quando o ainda presidente do partido se entrega a graçolas sobre o menino Zéquinha onde se cometem erros próprios desse mesmo menino Zéquinha (um economista que confunde percentagens com pontos percentuais) estamos já num nível de degradação de que é muito difícil sair.
Mas se isto é a caricatura, o que a eleição deste fim-de-semana nos mostra é um campo de ruínas povoado por espectros.
Primeiro que tudo, o PSD é hoje um partido diminuto, pequeno, encolhido. Nesta eleição tinham direito a votar 40 mil militantes, menos 30 mil do que nas anteriores. Por causa de um sistema de pagamento de quotas mais honesto e capaz de impedir “chapeladas”? Tretas. As “chapeladas” continuam a existir nas eleições internas do PSD, como o Observador reportou mostrando os velhinhos de um lar de idosos levados a votar na carrinha de um dos candidatos a uma concelhia. O novo sistema só serviu para transferir mais poder para quem controla neste momento o aparelho central (ou seja, a direcção de Rui Rio) e para obrigar os caciques a trabalharem com mais zelo. Mas não mudou o essencial.
E o essencial é esse partido diminuto e onde quem manda é o aparelho: por regra bastava saber quem controlava uma distrital ou uma concelhia para saber onde é que a maioria dos militantes dessa estrutura iriam votar. Não ter havido debates não foi crucial, pois nunca seriam os debates a decidir nada — o que decidia tudo eram as redes locais dos vários aparelhos.
Mais: notemos que esse partido minguado no que diz respeito a militantes é também um partido minguado no que se refere a eleitores. Muitos têm referido o mau resultado do PSD nas últimas eleições, quase sempre citando os seus 27,8% – muitos menos têm notado que Rui Rio teve menos 200 mil votos do que Santana Lopes em 2005 ou Ferreira Leite em 2009, para já não referir que teve menos 600 mil votos do que Passos em 2011. Ou seja, que o PSD de 2019 é mesmo o mais pequenino em apoio eleitoral desde 1976.
Dir-se-á que às vezes estes desaires acontecem aos partidos democráticos e eles recuperam. É verdade, mas nada do que vimos nas últimas semanas indica que existam no PSD forças ou condições para, pelo menos no curto prazo, inverter a atracção pelo abismo de que hoje dá mostras.
Voltemos àquilo que o partido nos mostrou ser. O tal partido diminuto é hoje também um partido que parece ter perdido todo o contacto com o Portugal que vive e respira – o Portugal que in illo tempore foi a alma, o sangue, a vida do PSD. Hoje o PSD é provavelmente um partido tão dependente do Estado, das sinecuras do Estado, dos lugares nas câmaras, nas juntas de freguesia, nas empresas públicas, nos bombeiros, nas misericórdias, nas redes de IPSS subsidiadas, como o PS. Um partido da sociedade civil ter-se-ia levantado contra esta modorra em que vivemos e não aceitaria que a gerontocracia que conduziu o PSD à derrota de Outubro continuasse pacificamente alapada no poder. Mas esse partido já quase não dá sinais de vida.
“Portugal ao Centro”? “A Força que vem de dentro”? Mas o que é que estes dois slogans de campanha querem dizer? Quantos portugueses fora do PSD são capazes de olhar para aquelas palavras e identificar o seu significado, ou identificar-se com elas? Quantos encontram ali balizas para um outro caminho, diferente do socialismo vigente? Quantos sinalizam naquelas palavras vazias causas que um dia possam abraçar?
O PSD só foi capaz de produzir aqueles três candidatos – Rio, Montenegro, Pinto Luz – e mais nenhuns outros. Quando um partido se fica por aqui, esse partido tem um problema.
Quando votou, quase metade do partido optou por ficar como está. Em nome de quê? Da promessa de ter mais câmaras e mais vereadores nas próximas autárquicas? Dos lugares a que já se deita o olho? Ou dos que não se quer perder? Em que acreditam realmente esses militantes para se satisfazerem com a apagada e vil tristeza que tem sido a vida de um partido cada vez mais incapaz de compreender os portugueses e de falar para os portugueses? Será que já perceberam que estamos no século XXI?
Olha-se para este minguar da militância, para este encolher do eleitorado, para este enquistar do aparelho, para este alheamento dos dirigentes, e vemos todos os sinais do tipo de degenerescência que mata os partidos tradicionais e abre as portas aos populismos. Vemos os sinais de um partido a morrer como morrem as democracias.
O PS é hoje um partido de eleitorado envelhecido, e é provável que uma parte dele sejam pensionistas antigos eleitores do PSD zangados com as medidas do tempo da troika. Não é aí que está o futuro. Mas quando olhamos para o eleitorado mais jovem, quem o disputa é a Iniciativa Liberal, mais depressa capaz de fazer frente ao Bloco nesses meios do que os velhos partidos tradicionais.
O PSD sofreu uma grande erosão nas grandes áreas metropolitanas mas o mesmo está a acontecer com o PCP, o que significa que há um eleitorado popular descontente e órfão. Está o PSD preocupado com ele? Não, está a deixá-lo nas mãos do Chega, que progride de sondagem para sondagem.
Estas coisas não acontecem de repente, vão acontecendo, mas não se diga que não podem acontecer. O PSD de Rui Rio já só teve metade dos votos que o PSD de Cavaco Silva teve nas suas duas maiorias absolutas. Metade. Vai por um caminho que me faz lembrar o mais que centenário SPD alemão, que nas mais recentes sondagens já surge atrás da Alternativa para a Alemanha. Estas coisas acontecem mesmo.
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