Apesar de insuspeito de colonialismo, Mário Soares deixou escapar uma vez uma tirada, tanto mais inesperada quanto Portugal já então havia aderido à CEE, ao referir-se às antigas colónias, Brasil incluído, como sendo «o nosso espaço de expansão natural»… Mesmo ele, crítico como era dos regimes africanos implantados depois da independência, cedeu momentaneamente, como a generalidade dos portugueses da chamada Metrópole para não falar dos «retornados», aos sonhos expansionistas contra os quais já o Velho do Restelo nos havia prevenido no longínquo século XVI…

Aparentemente, porém, as entidades que nos governam, bem como as que conduzem a economia, reincidem regularmente nessa ideia da «relação especial» com as nações do antigo império colonial… A esse respeito, os comentários do PR são risíveis. Enquanto isso, os jornais estrangeiros já haviam cifrado em mais de 2 mil milhões de euros as perdas para Portugal, bem como as repercussões internacionais da bomba que acaba de explodir nas mãos da Eng.ª Isabel dos Santos, ou seja, da gestora da fortuna amassada pela ditadura presidida até há pouco tempo pelo pai dela, cujo treino soviético é conhecido e que o levou ao poder há 40 anos.

Com efeito, Portugal é responsável pelas causas e consequências daquilo que está a suceder à banca e às empresas nacionais de que a dita senhora se havia apoderado com a cumplicidade dos governos e dos empresários portugueses, pondo o Estado inclusive dinheiro do contribuinte, como no caso da EFACEC. Aquilo que Isabel dos Santos tenha feito em Angola é da alçada do actual governo angolano e está agora a provar o veneno que o pai dela servia aos seus competidores. Já o que fez em Portugal e a partir de Portugal, isso é da nossa inteira responsabilidade e só se explica pelo eterno regresso da cultura colonialista às mentes das nossas pretensas elites. Quanto às autoridades – bancárias, jurídicas e policiais – assobiam para o ar. Pela experiência que temos do caso Sócrates, sabemos que não haverá consequências efectivas para os cúmplices desta teia onde pululam governantes, antigos ministros e conselheiros jurídicos. Entretanto, já há uma pessoa morta mas ninguém pia!

Do ponto de vista económico, Luis Aguiar-Conraria disse tudo aquilo que a União Europeia tem repetido sistematicamente a respeito dos investimentos da China mas que se aplicam com igual pertinência a Angola bem como ao Brasil, países com que sonham eternamente os governos, capitalistas e grandes escritórios de advogados portugueses: mantenhamo-nos longe dessa gente antes que nos arrependamos. No caso presente, isso já aconteceu e voltará a acontecer se não mudarmos de política externa!

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No que diz respeito à política interna, já se percebeu onde estão o governo e as suas dependências imediatas, como o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários: todos em silêncio com a eterna desculpa de que é preciso deixar trabalhar a Justiça. No caso da Ordem dos Advogados, que devia verificar o que andam a fazer os seus membros, além daquele que se terá suicidado e dos que se demitiram imediatamente de todos os cargos, sumindo-se no ar enquanto a Engenheira dava um indiscreto salto a Lisboa. Finalmente, a PJ acha que o autor dos Luanda Leaks é o «whitleblower» Rui Pinto. É possível mas nada podia ser mais conveniente a fim de ignorar a informação com o pretexto de que foi obtida ilegalmente!

Dito isto, é improvável que António Costa e a sua rede de poder consigam silenciar a enormidade do caso e das suas óbvias implicações nacionais, para mais com as perdas de capital que irão ter lugar. A embaixadora e antiga deputada europeia Ana Gomes é, neste momento, a principal voz a interpelar as autoridades responsáveis pelo apuramento da verdade, a começar pelo governo. Já pediu o afastamento do governador do Banco de Portugal e do actual presidente do Eurobic, o antigo ministro Teixeira dos Santos, mas obviamente ninguém se mexeu. O apoio à defesa de Rui Pinto contribuirá para impedir que a justiça seja instrumentalizada. O papel da comunicação social será decisivo: vamos ver como se comporta.

O que está em causa e determinará, a prazo, a sobrevivência do governo PS é a questão da corrupção. Com este caso descomunal, esta tornou-se a principal questão política do país. Além da imoralidade pessoal e colectiva de inúmeros políticos profissionais, em especial nos dois partidos do «centrão» mas não só, a corrupção exibe e alimenta o atraso do país, bem como a insustentabilidade de um crescimento económico real e duradouro, ao mesmo tempo que reproduz as mazelas de um regime fossilizado e roído pela gangrena. Com o caso Sócrates trancado a sete chaves e agora o da Engenheira, é demais!