O conhecimento científico mais válido – até prova em contrário – é o que resiste à erosão do tempo e à fatalidade do esquecimento. O que verdadeiramente conhecemos é muito pouco, uma gota na imensidão de um grande oceano. Por oposição, o que nasce de impulsos e não amadurece dificilmente tem valor. Nos dias de hoje é cada vez mais difícil conhecer, havendo um claro embrutecimento do processo de conhecimento das pessoas comuns. A serenidade com que absorvíamos conhecimento tem vindo a ser dilacerada com o advento das redes sociais, dos gadgets e do mundo ligado em rede que destruíram o tempo de reflexão, fenómeno particularmente grave pelo tempo perdido e pela forma como hoje se confunde conhecimento com informação, e informação com desinformação. A maioria das pessoas comuns deveria passar boa parte do tempo a ser recetor de conhecimento. Com as redes sociais, os usuários tornaram-se agentes de disseminação ou validação de conteúdos que não chegam a ser assimilados, num processo conhecido por “clickbait”.

A semana passada foi notícia na comunidade profissional onde trabalho a publicação de uma decisão judicial complexa que vem pôr em causa os fundamentos do tratamento de dados pessoais por parte da Meta, empresa que é a dona de redes sociais como o Facebook ou o Instagram. Minutos depois da decisão ter sido divulgada pela Curia (“Court of Justice of the European Union”), já o LinkedIn – para quem não conhece, é uma rede social orientada para a promoção profissional – estava inundado de “análises” e manifestações de sapiência que oscilavam, salvo honrosas exceções (que as há) entre o superficial e a asneira grosseira, todas elas merecendo em qualquer caso regozijo e apreço por parte de seguidores e participantes. Comportamentos idênticos encontrei ontem com a divulgação pela Comissão Europeia de uma importante decisão de adequação que vem simplificar as transferências de dados pessoais entre a Europa e os Estados Unidos da América. Imagino que o mesmo fenómeno ocorra em outras bolhas profissionais ou de afinidade, onde os internautas falam em círculos para os membros da sua tribo ou comunidade.

Nada disto seria particularmente preocupante se este imediatismo e superficialidade não tivessem consequências graves para os muitos – e são demasiados – que se deixam cair na ilusão e na dependência, podendo tal ser medido na quase proporção da importância económica que as empresas que promovem o negócio das redes sociais assumem neste momento confuso.

Num tempo em que os conteúdos circulam massivamente a um ritmo alucinante, as redes sociais vivem de um fluxo permanente de atualizações, notificações e manchetes. Enquanto usuários das redes sociais somos bombardeados com esta avalanche de informações difusas. Os donos destas plataformas sabem o que fazem: há uma adrenalina que é libertada por uma sensação permanente de urgência que leva os internautas a não resistirem à tentação do compartilhamento rápido e superficial, em detrimento do que seria um demorado esforço de compreensão e análise do conteúdo (algo que conduziria, aliás, a que um determinado “post” fosse publicado quando o assunto do momento já tivesse sido substituído por uma outra “novidade” qualquer).

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O imediatismo e a pressão pela partilha instantânea fazem com que muitos usuários sejam dominados por uma sensação de pânico ou medo difuso, denominado de “FOMO” (ou “fear of missing out”): há uma fobia de perder o momento que impulsiona esta rápida disseminação de conteúdos, em alguns casos, até à patologia e à destruição da autoestima. As redes sociais vivem disso mesmo, da captura que fazem dos seus utilizadores, criando-lhes a falsa sensação de que “estar por dentro” e participar em redes de empatia é sinónimo de relevância e conhecimento. A grande maioria dos usuários, movidos pelo medo (em graus distintos, que vão do mero desconforto difuso à patologia clínica) de “serem deixados de fora” ou excluídos das conversas em andamento, de serem sinalizados para um emprego ou oportunidade de negócio, encontram alívio momentâneo e recompensas aditivas na partilha imediata e no comentário do momento, de preferência seguidista e empático, perpetuando o ciclo de envolvimento superficial.

A natureza viral das redes sociais propaga ainda mais esse fenómeno e o enviesamento do que é dito ou partilhado. Sendo redes egóticas, que vivem da exploração do ego dos seus usuários (não confundir “egotismo” com “egoísmo”), os famosos “likes”, as partilhas e os comentários atuam como catalisadores, impulsionando o conteúdo para o centro das atenções. À medida que um dado conteúdo ganha atenção e popularidade, os usuários sentem uma forte compulsão para aderir ao movimento, movidos pelo desejo de validação e reconhecimento sociais. Em redes profissionais ou onde há forte valorização da opinião (como as que envolvem questões de cariz político, económico ou social), gera-se um incentivo fácil que permite ao usuário ser aparentemente visto como conhecedor, algo que supera o que seria o esforço de compreensão aprofundada e a avaliação crítica.

Dentro dos limites das redes sociais, criam-se deliberadamente câmaras de eco ou de ressonância (que apelidei de “redes de empatia”), que servem para reforçar crenças e preconceitos existentes. Os usuários tendem a rodear-se de outros usuários com ideias com perfis semelhantes, criando espaços digitais que se alinham com a sua visão de mundo. As próprias plataformas tecnológicas (ideia que já havia desenvolvido, aqui) vivem do mimetismo, e assumem, aliás, deliberadamente, a designação de redes sociais, para fomentar o espírito de comunidade com regras e uma cultura próprias que ajudam a criar o grau de conforto necessários para que a experiência digital seja rentável. A forma como as diversas plataformas organizam os grupos de afinidade (tribos” ou “comunidades”) resulta por isso de um processo repartido entre as decisões do próprio usuário e um conjunto de algoritmos que por cruzamento de dados acumulados e alinhados de várias fontes, vão aprimorando o conhecimento sobre as suas preferências, para o encaminhar para aquilo que, no “newspeak” tecnológico se considera ser, “uma melhor experiência de utilização”. Por isso, todos os usuários que, com as suas condutas, desalinhem dos valores ou consensos, ou da cultura de “coterie” reinante numa determinada tribo ou comunidade, tendem a ser afastados, seja por um processo subtil de natureza algorítmica, seja por ação dos usuários que têm todas as ferramentas para se fecharem sobre si próprios, negando a realidade. Neste tipo de ambiente, a troca de diversas perspetivas diminui, quase até à inexistência, deixando espaço para o compartilhamento superficial que apenas reforça as visões existentes. A análise crítica fica para milésimo plano, pois o mais importante é “o valor da própria opinião” que raramente aceita ser questionada, e o alimento do ego, que só sobrevivem num alinhamento preferencialmente superficial e concordante.

Ora, redes sociais arquitetadas para difundir conteúdos que exigem curtos períodos de atenção, mas que projetam gratificação instantânea, vivem na perfeição deste tipo de “engagement” imediato. Os usuários rapidamente se acomodam à brevidade do conteúdo, percorrendo em “scroll” fluxos intermináveis de conteúdos em busca do próximo petisco atraente. Nesse contexto, compartilhar ou republicar manchetes torna-se a norma, ignorando as nuances e as complexidades que estão sob a superfície dos temas.

A valorização da informação em massa que, muitas vezes, ofusca a importância da compreensão individual, não é um fenómeno exclusivo das redes sociais (a propaganda sempre foi o “ópio do povo”) tendo, porém, com a tecnologia digital ganho foros de quase psicopatia, preocupantes. Aldous Huxley, que melhor do que ninguém antecipou o carácter totalitário da tecnologia, defendeu no seu tempo que as ditaduras perfeitas teriam a aparência de uma democracia, mas seriam basicamente “prisões sem paredes”. Dificilmente haverá melhor definição para o que vivemos hoje: redes sociais, inicialmente aclamadas como plataformas de liberdade e conexão, inadvertidamente construíram muros invisíveis em torno dos usuários, que vivem amarrados nas suas próprias prisões. Os algoritmos perpetuam as câmaras de eco, confirmando os preconceitos existentes e impedindo o diálogo significativo, enquanto a maioria dos seus usuários se limitam a alimentar o negócio dos seus promotores em doses cavalares, anestesiados pela navegação em scroll.

Todos os que consomem redes sociais em doses diárias elevadas têm um custo de oportunidade significativo, pois entregam o seu tempo em troca de uma mão cheia de nada. As redes sociais oferecem gratuitamente conteúdo abundante, facilmente acessível e aparentemente valioso. A realidade, porém, é outra: o afã da partilha, o imediatismo e a falta de tempo de reflexão, aliados ao fechamento dos usuários sobre si próprios, destroem o conhecimento e o valor, num jogo de casino onde só a casa e os que pagam forte pelos seus conteúdos, ganham, à custa de quem se limita a matar o vício.