«Em tempo de paz e de bem-estar, as cidades e os particulares demonstram sentimentos melhores, porque não têm de descer a necessidades tão baixas. A guerra, porém, que os priva da aquisição do que é necessário no dia-a-dia, é um mestre severo, e põe o ódio de muitos a igual nível das circunstâncias adversas em que se encontram», Tucídides, História da Guerra do Peloponeso
A Iniciativa Liberal, partindo de uma proposta inovadora para um campo político outrora inexplorado no cenário ideológico português, votou-se a uma luta fratricida que revela a sua verdadeira feição de instabilidade interna e que o vota, a si e a todo o centro-direita português, a uma situação crítica num momento delicado para a governação errática liderada pelo Partido Socialista. De uma possível demonstração de força e saúde interna e de uma possível sedimentação de um crescimento repentino sobre o qual pairavam dúvidas de sustentabilidade, o partido agora liderado pela figura mais soturna de Rui Rocha perdeu, abrindo fendas e feridas possivelmente insanáveis entre uma irmandade unida em torno de um ideal liberal. Quo vadis, IL?
A disputa à liderança de uma das mais recentes, e aparentemente emergentes, forças políticas em Portugal, sempre apareceu, para a sociedade civil e para o observador externo, envolta num certo misticismo. Da saída relativamente inesperada da sua liderança extremamente agregadora, corporizada na figura de João Cotrim de Figueiredo, a uma tentativa imediata de passagem forçada e atabalhoada de testemunho a Rui Rocha, a pretensa opacidade do processo e o golpe palaciano que se fazia adivinhar colocavam dúvidas quanto à total democraticidade de todo o caminho traçado e, por inerência, quanto à legitimidade de uma liderança (agora eleita) escolhida a dedo pelo seu antecessor. A feroz oposição interna, advinda da própria bancada parlamentar da estrutura partidária, não se fez tardar – e mergulhou-a numa luta possivelmente saudável, madura e prova da sustentabilidade do crescimento exponencial de que foi alvo nas últimas Legislativas.
A Convenção do fim-de-semana de 21 e 22 de janeiro associou-se, no entanto e precisamente, ao movimento oposto. A disputa pela liderança, expressão mais vasta de desavenças ideológicas e práticas, foi instrumento de um confronto fratricida entre dois lados de um eixo que, fragilmente unido em torno do liberalismo, ameaça colapsar em direção à irrelevância das votações de 1, 2 e 3% de que foi protagonista do passado. Se a Iniciativa Liberal necessitava de se sujeitar a um teste de stress para aferir a dimensão das suas dores de crescimento, o raquitismo latente que deixou transparecer para fora dos seus corredores internos atestou, exatamente, os medos e receios de uma expansão não-programada que, resultado parcial da retração dos centristas azuis e amarelos face ao cenário do centro-direita português, coloca-a em cheque no seu confronto mais vasto pela governação.
Uma IL anémica é, na realidade, um centro-direita anémico, ameaçado de forma permanente pela ascensão daqueles que estão à sua direita e que, progressivamente, se tornam decisores e fiéis da balança de um futuro governativo em Portugal, qual Minerva dos tempos modernos. A «guerra» de que fala Tucídides na sua História da Guerra do Peloponeso, foi, realmente, um «mestre severo», votando a grande e única casa do liberalismo português a uma crise existencial que se alastra a toda a direita, e clama por uma solução de reparação que, passando ou não pela IL, não pode deixar esta órfã da possibilidade de levar, com o consentimento dos eleitores, a sua agenda e o seu plano eleitoral a cabo em próximos momentos eleitorais. Mais uma vez, o Centro de Congressos de Lisboa, palco caro a uma direita em reconstrução desde, na realidade, 2015, pode ser o obituário (sempre temporário) de uma mesma direita de cara lavada e, finalmente, pronta para assumir o leme de um País há muito fustigado pela governação errática do atual Primeiro-Ministro e de toda a sua comitiva desde esse mesmo período. Essa responsabilidade, por mais do que uma vez depois do quasi-desastre de Lisboa, deve ser imputada a quem de direito.
Quovadis, Iniciativa Liberal? O «ódio» entre irmãos, sempre metafórico e brilhantemente apontado por Tucídides, latente neste fim-de-semana fatídico de necessária agregação, coloca o partido fundado em 2017 num caminho traçado por alguns dos seus principais antecessores desse mesmo espaço do centro-direita, e vota-o a um início de crise existencial que, apenas internamente e nos seus devidos momentos, deve ser resolvida. Como observador externo, a evidência da necessidade de um grito de «liberalismo ou morte» parece, a todo o momento, crescente. Dele depende o rumo dos liberais (partidários e não partidários) em Portugal e dele depende, de forma mais vasta, toda a Política portuguesa. Haja a coragem, neste Ipiranga moderno, de o concretizar.