Portugal possui interesses de natureza política e económica no Golfo da Guiné (GdG), dos quais resultam preocupações securitárias marítimas, consequência, quer dos deficitários instrumentos de apoio à navegação, especialmente cartografia náutica atualizada, quer do crescente número de atos ilícitos e crimes praticados no mar. É, neste contexto, que a Iniciativa Mar Aberto, concretizada pela Marinha, se constitui como um importante contributo nacional para a segurança marítima daquela região.
Quanto à segurança da navegação em África, como os países costeiros têm muitas limitações na produção e atualização de cartografia náutica, esta responsabilidade é internacionalmente assumida por outros membros da Organização Hidrográfica Internacional (OHI). Assim, no caso dos espaços marítimos dos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP), desde 1984 que compete a Portugal, através do Instituto Hidrográfico (IH), garantir a produção de cartografia náutica, o que implica uma estruturada e regular recolha de dados hidrográficos, efetuada ao abrigo de acordos bilaterais de cooperação.
Relativamente à ocorrência de atividades ilícitas e criminosas, desde o final dos anos 90 que, de acordo com a Organização Marítima Internacional (IMO), o número de ataques de pirataria e de assaltos de navios à mão armada tem subido consistentemente no GdG, sendo, desde 2018, a região com mais incidentes desta natureza a nível mundial. Esta situação decorre, em parte, da falta de capacidade de vários Estados costeiros para exercerem a autoridade nos espaços marítimos sob sua jurisdição, o que levou as Nações Unidas a adotar, em 2011, a resolução nº 2018 e, em 2012, a resolução nº 2039, que serviram de base à cimeira de líderes regionais, realizada em Yaoundé no final de 2013.
Nesta cimeira foi adotado o Código de Conduta de Yaoundé (CCY), vocacionado para a repressão da pirataria, dos assaltos de navios à mão armada e das atividades ilícitas nos espaços marítimos da África ocidental e central. Os Estados signatários comprometeram-se a desenvolver, com apoio da comunidade internacional, as capacidades necessárias para assegurar o cumprimento das suas obrigações securitárias.
Paralelamente, em 2013, os sete Estados mais industrializados (G7) criaram o Grupo de Trabalho dos Amigos do Golfo da Guiné (G7++ FoGG), que incluiu outros países não membros. Portugal integrou este fórum tendo, em 2016, assumido a sua presidência, durante a qual promoveu a criação de sinergias entre as atividades do G7++ FoGG e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que tem estratégia própria para os oceanos, e apoiou a realização de uma reunião do grupo, em dezembro de 2016, na cidade da Praia, em Cabo Verde.
Numa perspetiva nacional e em resultado das preocupações securitárias marítimas relativas ao GdG, desde 2008 que, no quadro das orientações das políticas externa e de defesa, a Marinha realiza a Iniciativa Mar Aberto, empenhando, na região, meios navais em ações de Cooperação no Domínio da Defesa (CDD), com parceiros da CPLP, no apoio ao desenvolvimento de uma cultura e de capacidades de segurança marítima.
Após a adoção do CCY, e face à maior estruturação do envolvimento internacional no GdG, a Iniciativa Mar Aberto adaptou-se, alargando a ação a outros Estados e a atividades organizadas por países aliados.
Neste contexto, passou a englobar um conjunto de ações abrangentes, onde se destacam, entre outras, as:
- de capacitação em ações de vigilância, fiscalização e vistoria no mar, através da realização de exercícios conjuntos e do embarque de elementos das marinhas dos países visitados;
- de apoio humanitário, com prestação de serviços e realização de palestras, pelas equipas médicas de bordo, em zonas com limitado acesso a cuidados de saúde;
- de desempenho de serviços técnicos especializados, de que é exemplo o emprego de mergulhadores em trabalhos de limpeza do casco e sensores em navios dos países parceiros;
- de consciencialização e criação de cultura marítima, através da realização de palestras e conferências, ou promovendo visitas a bordo de diversas organizações e instituições locais, com enfoque nas da área do ensino;
- de cariz científico, mediante a realização de diversos trabalhos relacionados com as ciências e técnicas do mar, como a montagem de marégrafos e a realização de levantamentos topo-hidrográficos, contribuindo para o desenvolvimento científico e a defesa do ambiente marinho;
- de apoio a ações externas do Estado, seja a visitas de altos responsáveis políticos, seja às representações diplomáticas nacionais.
Para a realização deste conjunto de ações, a Iniciativa Mar Aberto apresenta, como atributo diferenciador, o emprego de diversos tipos de navios, com capacidades distintas, selecionados em função de objetivos específicos estabelecidos para cada missão. Esta abordagem flexível permite uma maior abrangência nas atividades e potencia as características intrínsecas de cada tipo de navio, nomeadamente os recursos, as capacidades e as competências da sua guarnição.
É disso exemplo o emprego do NRPBérrio em 2018, cuja capacidade de transporte permitiu levar material essencial à realização do exercício Salvar Vidas, no Mindelo, em Cabo Verde, destinado a apoiar a população em situação de catástrofe. O navio também transportou cerca de 3,5 toneladas de roupa, material escolar e brinquedos distribuídos em São Tomé e Príncipe.
A utilização de fragatas, com capacidade para projetar e sustentar pequenas forças de desembarque, tem permitido a realização de exercícios anfíbios de capacitação de unidades de fuzileiros, sendo exemplo os realizados, em 2019, com as forças congéneres de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Angola.
O recurso a patrulhas oceânicos tem possibilitado a divulgação da indústria naval portuguesa, sendo exemplo a ação realizada em 2019, no porto de Lomé, aquando da visita do NRP Sines, em que esteve presente o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Togo.
Já o emprego de navios hidrográficos permite a realização de levantamentos topo-hidrográficos, envolvendo equipas do IH, como o efetuado em 2017 no porto de Bissau, que permitiu a atualização da cartografia náutica, face às inúmeras alterações na geomorfologia dos fundos, ocorridas desde os trabalhos realizados em 1969 e que deram origem à carta náutica em vigor.
Entre 6 de novembro e 20 de dezembro, o NRP Almirante Gago Coutinho efetuará levantamentos hidrográficos nos espaços marítimos de Cabo Verde, que permitirão elaborar e editar a carta costeira da ilha de Santiago, essencial para uma navegação segura na área, nomeadamente no transporte comercial marítimo, nas pescas e na náutica de recreio.
Supletivamente, nos trânsitos entre Portugal e Cabo Verde, o navio efetuará sondagens, em áreas de profundidades duvidosas e em montes submarinos, contribuindo para o projeto mundial de mapeamento total dos oceanos até 2030, no âmbito do Nippon Foundation – General Bathymetric Chart of the Oceans Seabed 2030 Project, desenvolvido sob os auspícios da OHI e da Comissão Oceanográfica Intergovernamental da UNESCO. Também, recolherá amostras de água para o projeto Na Rota dos Microplásticos, resultante do protocolo de colaboração celebrado entre o IH e o Fundo Ambiental, envolvendo também a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, e que visa avaliar a concentração deste material poluente e perigoso para os ecossistemas marinhos, em mar aberto.
Para além dos trabalhos técnico-científicos referidos, está previsto, durante a visita ao Mindelo, a assinatura de um protocolo de colaboração entre o IH e o Instituto do Mar de Cabo Verde (IMAR), que visa a colaboração mútua em atividades relacionadas com as ciências do mar.
A missão, planeada de acordo com as prioridades das políticas externa e de defesa nacional, possibilitará a realização de atividades científicas de grande utilidade. Acima de tudo, afirmará Portugal como uma nação útil e relevante no GdG, contribuindo para a segurança marítima na região ocidental e central de África.