Caro leitor, estar-lhe-ia a mentir se lhe dissesse que os últimos episódios na coerência vergonhosa (podemos até chamar-lhe outra coisa) do Partido Comunista Português [PCP] não merecem posição política inequívoca que a todos impera tomar. Se é hoje indiscutível a existência de um sentimento maioritário de revolta na opinião pública nacional (e mundial) face à criminosa invasão e massacre imposto pelo imperialismo de Putin na Ucrânia, também convém notar que mesmo depois dos seus repetidos contorcionismos argumentativos, tergiversações e da sua incapacidade infame de condenação dos atos de Moscovo o PCP parece ainda manter uma base militante sólida (ou pelo menos parte dela a julgar pela assistência no seu último comício). Adicionalmente, importa não esquecer as gerações que preenchem as fileiras da JCP e seguem à risca a narrativa do partido (ou devemos dizer de Putin?), algo que caso se venha a materializar em votos nos deve preocupar uma vez que é inconcebível que quem nasceu e vive numa era global, com toda a informação a seu dispor, continue incompreensivelmente fiel ao discurso e atitude de suporte a um autocrata imperialista, financiador de extrema-direita e máximo responsável pela maior crise humanitária desde a 2ª Grande Guerra.
Impera o exercício de olhar a história e compreender (ou pelo menos tentar) o racional das comunicações do PCP através da análise de padrões discursivos, julgamentos morais e da honestidade intelectual e política existente nas suas posições. Primeiro, vimos e continuamos a ver repetido que o “PCP condena o caminho de ingerência, de violência e de confrontação decorrente do golpe de estado de 2014 promovido pelos EUA na Ucrânia, a que se seguiu a recente intervenção militar da Rússia, e a que se acrescenta a intensificação da escalada belicista dos EUA, da NATO e da UE” [Nota do Gabinete de Imprensa dos deputados do PCP no PE] ou a explicação perentória que “não é expectável que a Rússia (…) venha a considerar aceitável que o inimigo”, traduza-se NATO, “esteja acampado nas suas fronteiras ou lhe faça um cerco militar por via de um ainda maior alargamento” [Intervenção de João Oliveira]. Talvez sem as notas de referência fosse possível acreditar serem estas afirmações do Kremlin, mas a verdade é que a forma acrítica e quase devota de dispersão da propaganda russa é atributo do PCP e leva o próprio partido a ignorar um princípio basilar por si defendido – a autodeterminação dos povos – e ainda redunda no conceito de esferas de influência que compreende a injustificável possibilidade de um país impor os seus interesses aos países vizinhos (pela força bruta, neste caso) por se tratar de uma dita grande potência. Ora, por aqui se conclui que o PCP executa cínicas equivalências morais entre NATO, EUA e UE e um regime liderado por um ditador imperialista com discurso genocida.
Segundo, o “PCP reafirma a sua posição de sempre contra a guerra e a favor da paz” na aspiração a um pacifismo extremo – cenário altamente deslocado da realidade – que defendem através do não armamento à Ucrânia – que acusam de ter um poder “belicista”, “racista” e “xenófobo” – ao mesmo tempo que são incapazes de condenar o agressor. À luz desta sua teoria o mundo livre deveria permitir a total humilhação e subjugação da Ucrânia, sem permitir que a mesma defenda a sua soberania e independência. Se não há dúvidas face ao facto do PCP ter sempre estado associado a movimentos pacifistas (particularmente aqueles que possam enfraquecer o Ocidente) também é verdade que nunca condenaram veementemente o contínuo aumento do arsenal de Putin, o que parece ser uma defesa da paz um tanto ao quanto hipócrita.
Terceiro, numa demonstração inequívoca da sua posição o PCP opta por não comparecer na sessão solene que deu palco à intervenção de Zelensky no parlamento (desengane-se quem julgue que há aqui qualquer novidade, basta que nos recordemos da visita de R. Reagan em 1985), mas e apesar disto deu-se ao cuidado de comentar a mesma desferindo violentas acusações contra a Assembleia e Augusto Santos Silva, contra a Ucrânia e inclusive mencionando que outros partidos “apoiam deliberadamente esta guerra”. Este episódio ultrajante não foi senão a epítome do delírio, da obscenidade ou do anti-ocidentalismo primário que todos aqueles intelectualmente sãos reconhecem já ao PCP.
De facto, e apesar da sua verdadeira dimensão nacional, o partido sempre se moveu num quadro internacional (assim é o movimento comunista) assumindo – fruto do marxismo-leninismo – um totalitarismo limitativo do seu pensamento crítico e um revisionismo histórico moldado à medida dos seus interesses. Se a grande fome imposta por Estaline nos anos 30 [Holodomor] e os milhões de mortos aos braços de regimes comunistas são, aos olhos do PCP, tudo invenções ocidentais (ainda que os seus argumentos não resistam à prova dos factos), o partido não consegue negar a defesa de tiranias no plano internacional, a nostalgia da União Soviética e a sua forte ligação a Moscovo (como diz o povo: “não mordas a mão a quem te dá [ou deu] de comer”). Ao olhar o passado, é impossível desassociar o PCP da luta anti-fascista – podem aqui argumentar que cria impor uma ditadura de sinal contrário e caro leitor, olhe que sim – ou desmentir o seu legado na luta pelos direitos dos trabalhadores. Porém, o PCP mostrou estar (mais uma vez) do lado errado da história. Hoje são notórias a perda total de prestígio parlamentar e a senilidade do partido. Apesar de ter andado de braço dado com António Costa (e com o PS) e servido de suporte ao último executivo, o PCP é inquestionavelmente um partido extremista que não partilha dos valores democráticos fundamentais das democracias ocidentais. Nada mais há a dizer. Cabe aos portugueses aferir sobre a (in)utilidade e legitimidade deste partido no futuro da democracia nacional.
Oxalá sejamos capazes.