Não há neutralidade possível. O actual conflito na Ucrânia opõe dois conceitos geopolíticos  irreconciliáveis – o Euratlantismo e o Eurasianismo.

Trata-se no fundo de uma escolha civilizacional, entre o Ocidente e o Oriente. A civilização ocidental é por natureza pluralista, orgânica e marítima. E a civilização asiática russo-mongol é monista, autocrática e continental.

No Ocidente prevaleceu geralmente a distinção entre o Estado e a Igreja, mesmo quando existiu religião oficial, assim como uma considerável autonomia da sociedade civil, dotada de amplos poderes de auto-regulação. Idiossincrática também é a relação com o mar, com o Mediterrâneo e o Atlântico.

No Oriente Eurásico, pelo contrário, todos os poderes se concentram historicamente num príncipe absoluto. Intitulado Gengis Khan, Czar de Todas as Rússias, Secretário Geral do Partido Comunista da União Soviética ou Presidente da Federação Russa, consoante as narrativas ideológicas de cada época. O própria Igreja Ortodoxa Russa tem sido desde há séculos um departamento do Estado, inclusive durante o Estalinismo, quando serviu para mobilizar as energias morais do nacionalismo russo para combater os alemães e colaborou na russificação das repúblicas mais excêntricas da União Soviética. Por outro lado, a projecção de poder eurásico sempre foi intrinsecamente continental – a estepe é o seu horizonte e o espírito invasor e exclusivista da horda o seu conceito imperial. Sempre que o imperialismo russo quis ser marítimo fracassou, basta recordar a perdida Guerra da Crimeia (1853-56), quando pretendeu dominar o Mar Negro ou a Batalha Naval de Tsushima (1905), em que a frota russa do almirante Rozhestvenski foi destruída pela frota nipónica no Mar do Japão. O afundamento recente, por misseis ucranianos provavelmente guiados por informações americanas muito precisas, do Moskva, navio almirante da frota russa do Mar Negro, talvez não tenha sido apenas um epísódio humilhante mas a verificação actualizada de uma constante histórica.

Posto isto, é fácil encontrar o nosso lugar próprio, de portugueses e ocidentais, neste conflito. Basta evitarmos as duas grandes falácias da propaganda russófila actual. Perceber, primeiro, que o Ocidente não é apenas a ideologia liberal. E depois, que o imperialismo russo da estepe e da horda não se equipara nem representa o tradicionalismo cristão, atlantista e universal.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR