Não sei quanto a si, caro leitor, mas eu deixei Lisboa no fim da semana passada e o Catolicismo um bocadinho antes (uns anos). Não me apetecia conviver com as Jornadas Mundiais da Juventude pela mesma razão que evito os saldos, o metro em hora de ponta, o Algarve, o Colombo e os restaurantes da moda: não adoro pessoas. Muito menos nestes períodos de canícula. Damo-nos bem no Estádio da Luz porque a linguagem é bastante minimal e o tempo de convívio resumido a hora e meia de jogo e outra de descontos. Para tudo o resto, pratico a sadia modalidade do distanciamento social, antes que se percam todos os bons costumes do tempo da Nossa Senhora da Covid.
Só que não me incomoda. Eu não quero estar lá, mas também não chateio. É uma coisa que me vem da educação de pequenino: não gostas, come só as batatas.
Reacção epidérmica diferente parecem ter muitas outras pessoas de cada vez que se fala de religião. Aliás, não de toda a religião; só de uma que seja muito praticada de Vilar Formoso para cá. No fundo, é como o Cavaco: de cada vez que aparece a Igreja Católica, uma parte da esquerda quase tem uma trombose. O que tem piada.
Notem: nada contra o tapete do Bordalo II. É divertido o tom de rebeldia com que tudo aquilo se fez e publicitou, quando, na verdade, segundo palavras do próprio, ninguém lhes disse nada ou impediu de passar. Entraram num espaço público imenso, aberto, estenderam o tapete, tiraram fotos, fizeram vídeos, enrolaram outra vez o tapete e vieram embora. Grafitar um coração com as nossas iniciais e as do nosso interesse romântico no tempo do 9º B na parede de trás do ginásio tinha mais risco.
O que nos parece pertinente é sugerir que Bordalo não perca o entusiasmo e produza mais uns quantos quilómetros de tapetes. É que, se o motivo é o dinheiro posto pelo Estado para trazer um evento de uma rica “multinacional”, então vamos estender tapetes à porta da Web Summit e dos estádios do Euro, das finais das Ligas dos Campeões, da Eurovisão e do Rock in Rio. E se são os ajustes directos, então, ofereço-me eu próprio para ir carregar e desenrolar tapetes. Mas é melhor tirarmos uma sabática, porque não se faz outra coisa em Portugal.
E, na verdade, se o problema é o Estado dar dinheiro a quem não precisa e fazer ajustes directos, não devíamos estar a estender o tapete no Palácio de São Bento? Ou aí já não seriam tão permissivos? Porém, se estamos a falar dos gastos do Estado quando falta dinheiro para tudo em Portugal, então vamos falar de gastos do Estado a sério e estender o tapete à porta do Novo Banco e da TAP. Mas é bom que o tapete seja voador.
Diferente linha de raciocínio teve, por exemplo, Daniel Oliveira, no Expresso. Para ele, a Igreja e a Câmara até prestaram um bom serviço em matéria de exemplo de tolerância e liberdade de expressão; a argumentação contra a organização das Jornadas Mundiais da Juventude segue, estritamente, um caminho racional – o do retorno económico. “A paralisação de Lisboa tem custos económicos”, diz Oliveira na crónica, “As Jornadas para quê?”. “Isto nem é como a Web Summit, que traz turistas rentáveis”. Admito que é fascinante ver um líder de opinião de esquerda defender que só devemos receber turistas ricos e continuar como se a coluna não se lhe torcesse toda, mas convenhamos que paralisar Lisboa em Agosto tem um nome e há muitos anos: é Agosto. Está tudo fora. A cidade paralisa-se por ela. Ou, se organizarmos um grande evento para fiéis ricos em Setembro, já está tudo bem?
É claro que a investigação recente aos abusos de menores por padres da Igreja portuguesa também foi trazida para a mesa. E percebe-se o incómodo. Mas não têm nada a ver os crimes desses padres com as crenças do milhão de visitantes que se diz andar por aí. E qualquer indignado, assim que lhe passe a irritação de pele, vai conseguir ver isso. E que o Estado não põe em causa a sua laicidade por acolher as Jornadas Mundiais da Juventude da Igreja Católica, como não pôs quando foi escolhida para sede mundial dos Ismailitas.
Entretanto, não seria má ideia começarmos a aceitar realmente a espiritualidade de cada um, mesmo a do tio que nos envergonha, e das senhoras lá da terra da nossa avó, e dos betos do PP. Uns veneram os deuses da tecnologia, outros os do desporto, outros os da metafísica, outros dragões coloridos na Idanha. Eu estarei a ler um livro sossegado o mais longe possível de todos eles, mas rezarei todos os dias à Santa Liberdade pelo direito que tem cada um de nós a estar certo ou gloriosamente enganado em paz.