Pouco depois da criação da “geringonça”, uma daquelas Irmãs Metralhas do Bloco estabeleceu o mote para os tempos que começavam: “Temos de perder a vergonha de ir buscar dinheiro a quem está a acumular”. Claro que os socialistas, na versão assumida ou na “moderada”, nunca deixaram de “ir buscar dinheiro a quem está a acumular”. A influência dos comunistas, a partir de 2015, traduziu-se apenas no descaramento com que se passou a roubar. E no montante do roubo.

Não quero com isto comparar o actual Estado à máfia. É muito pior. A máfia detecta os cidadãos que conseguem juntar uns trocos, providencia-lhes uma simpática visita e explica-lhes com doçura que seria uma pena um negócio próspero ver-se comprometido por, digamos, “acidentes”. No final, estabelece-se um “donativo” a troco de “protecção”. O “donativo” permite que o comerciante ainda continue a amealhar qualquer coisa. A “protecção” é eficaz.

Ao contrário da máfia siciliana, o Estado “social” (desculpem) não avisa nem visita nem explica: limita-se a assaltar as pessoas até a falência destas. Se entretanto as avisar, é para efeitos de coima. Se entretanto as visitar, é para fechar-lhes o estaminé. Se entretanto explicar, é mentira. Aqui, o “donativo” é incomportável. E a protecção é nula, tão nula quanto a proporcionada por um SNS a cair aos bocados.

Também não quero comparar as inspirações da Irmã Metralha às do dr. Costa. Aquela rege-se pelo velho motor da História marxista, a inveja: perceberem que alguém vive razoavelmente do próprio trabalho provoca justa indignação em espécimes que vivem do trabalho alheio. O dr. Costa rege-se pela sobrevivência. Parecendo que não, ou parecendo muito evidentemente que sim, o assalto generalizado aos otários que imaginavam conseguir poupar dinheiro honesto em Portugal dá uma folga sofrível aos cofres públicos. Para o próximo ano, o assalto atinge tais proporções que a propaganda do regime fala em “excedente orçamental” e volta a incensar o “Ronaldo das finanças”. Na prática, o “Ronaldo das finanças” – analogia que devia suscitar um processo do futebolista por calúnias – é um feirante especializado em enganar pategos e que, sem a ajuda de um poder arbitrário, seria incapaz de gerir a tesouraria do condomínio.

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Apesar disso, alguns condóminos, perdão, alguns pategos aplaudem a proeza “excedentária”. Uns porque são genuinamente estúpidos e julgam que a quadrilha que manda nisto gasta euros com mais sabedoria do que os infelizes que os ganharam. Outros porque são genuinamente oportunistas e contam beneficiar do saque. Os segundos têm razão, além de terem a cegueira dos primeiros a legitimá-los. A maior extorsão de sempre, ou a maior carga fiscal de sempre, ou a maior viragem de página de austeridade de sempre permite ao governo proceder à tradicional redistribuição da riqueza entre os amigos, os amigalhaços, os compinchas, os grupos de interesses e os “sectores estratégicos” necessários à manutenção do poder. Não se compram votos de mãos vazias.

A fim de encher as mãos, e de cumprir o desígnio de patrocinar o que não presta e taxar o que funciona, no Orçamento de Estado de 2020 o governo volta a atirar-se ao que, sabe Deus, ainda vai funcionando. No país da “vanguarda tecnológica” (falem com o prof. Marcelo), tão avançado no combate à “emergência climática” que se desconchava inteiro a cada chuvisco, ou lucramos com o turismo ou não lucramos com nada. E onde há lucro há um socialista gordo e babado, a afiar os dentes. No caso do OE, o apetite incide sobretudo no alojamento local, cujos proveitos os socialistas tencionam recolher de modo literalmente exaustivo.

É mau para todos? Longe disso. É bom para o PS e suas metástases. É bom para a Associação de Hotelaria de Portugal, presidida pela mulher do ministro que tutela o turismo. E não é mau para empresários do ramo como o marido da dona Catarina Martins, que vê os seus “projectos” turísticos financiados pelo QREN e pelo FEDER em centenas de milhares. Estudos mostravam que a máfia não teria sobrevivido se hostilizasse toda a gente. Aos socialistas basta agradarem às criaturas certas, na quantidade certa. No que toca aos restantes, o saque vai prosseguir. E só terminará quando os restantes perderem a paciência ou o último tostão. Nesse dia, o socialismo terminará também. Ninguém o chorará, por não haver motivo. Ninguém festejará, por não haver dinheiro.

Nota de rodapé

Muitos comentadores transformaram a censura de Ferro Rodrigues a André Ventura num deslize de uma alta figura da nação que serviu para promover um populista. Acredito que o dr. Ventura seja um populista, mas se o dr. Ferro representa a nação, coitadinha desta. Nem falo do currículo democrático do dr. Ferro, que culminou naturalmente neste recente e grotesco acto. Falo daquilo de que sempre evitei falar: a aparência da personagem. Olhem para qualquer imagem do dr. Ferro. Atentem nos pormenores, depois no aspecto em geral. Sei que estes não são os critérios fundamentais da avaliação política. Sucede que há limites. O dr. Ferro ultrapassa estes com o mesmo empenho com que ultrapassou os outros. É exacto que, no invólucro e no conteúdo, o dr. Ferro representa o regime – e sobretudo o estado em que o regime se encontra.