Caro Sr. Mario Draghi,
venho pela presente apresentar a minha candidatura à administração da Caixa Geral de Depósitos. Porquê? – perguntará Vossa Excelência que certamente ignora a minha existência mas doravante e para o futuro certamente me olhará com outros olhos pois estou certa que uma vez lida esta missiva não deixará de concluir que sou a melhor das candidatas a tal função. (E também dos candidatos e d@s candidat@s mas esse é um assunto que fica para depois).
Já sei que mal a cartinha lhe caia na mesa logo lhe dirão e mandarão dizer que eu não sei nada de bancos nem de gestão bancária. Como Vossa Excelência deve estar farto de saber, a inveja, mais que um defeito, é em Portugal uma questão de ADN – está-nos na massa do sangue – mas no caso concreto estão os meus compatriotas cheios de razão: na verdade, eu não sei nada sobre bancos e muito menos sobre gestão bancária e tenho até muito orgulho nisso. Aliás é por isso mesmo, por não saber nada, nadinha mesmo de gestão bancária, que me acho mais que habilitada, habilitadíssima, para o cargo de administradora da Caixa Geral de Depósitos. Pois terá Vossa Excelência, e os mais que lerem esta carta, de convir que tendo os bancos chegado ao que chegaram tendo à frente tão grandes sumidades na sua gestão é certamente este o momento de arriscar em ignorantes. Como eu. Concordaremos que não podemos fazer pior, pois não?
Por outro lado, não sabendo eu nada de bancos (coisa que creio ter demonstrado à saciedade ser no actual estado dos bancos uma vantagem acrescentadíssima), sei muito sobre contas bancárias. Sobre as minhas, por exemplo. E garanto-lhe que se os bancos tivessem gerido o dinheiro que lhes foi confiado com a parcimónia e a cautela com que eu e milhões de outros europeus, ignorantíssimos como eu sobre os altos saberes que têm regido os nossos os bancos, certamente que não andávamos a pagar os calotes que pagamos e temos para pagar. Dir-nos-ão que não vamos além das contas de merceeiro, que não percebemos a dinâmica dos fluxos de capitais aplicados aos planos de negócio com vista ao desenvolvimento de um core business e aplicações em swaps e derivados com activação dos CDS, (não é o CDS gémeo do MPLA mas os dos credit-default swaps) sem esquecer os unit-linked. (Está a ver Vossa Excelência que já domino a linguagem do meio?) Mas é para isso que está aí o INSEAD. Se achar conveniente posso ir frequentar as tais aulas do INSEAD que o BCE recomendou aos meus colegas candidatos com um despropósito que me leva a pensar que os senhores aí no BCE ainda não estão a par da evolução das novas teorias do ensino-aprendizagem defendidas pelo nosso ministro da Educação.
Eu que aguentei diariamente na infância com uma cópia, a conjugação pronominal de um verbo irregular e dezenas de problemas da Colecção Infante sobre torneiras que enchiam e despejavam tanques e depósitos de vinho (não queira saber os exemplos que nos davam na escola!) não vou agora desistir por causa de umas aulas de Gestão Bancária Estratégica, Gestão de Risco na Banca sem esquecer o Risco Financeiro e Regulação. O que para mais deve dar direito a conseguir passear-me com demora pelos corredores de Fontainebleau.
Dirá Vossa Excelência que entre o local das aulas e o castelo que lhe deu o nome medeiam vários quilómetros: logo eu não poderei estar no campus de Fontainebleau na aula de Gestão de Risco na Banca e a admirar o boudoir turco de Maria Antonieta no castelo do mesmo nome. Ou a iniciar-me nos meandros da Gestão Bancária Estratégica enquanto me perco nos jogos de espelhos que permitiam à rainha ver sem ser vista. Tudo isso é verdade mas, vamos lá, meu caro Mario Draghi, a avaliar pelo estado actual dos bancos ou os outros alunos ainda faltaram mais do que eu me proponho faltar ou, faltando tanto ou mais do que eu faltarei, aproveitaram a gazeta para visitar locais bem menos propícios à reflexão sobre a transitoriedade da vida e a volatilidade da riqueza do que os aposentos daquela desgraçada mulher.
Enfim, se fizer muita questão e me pagar as régias propinas, lá irei para França. Mas isto, acredite, resolvia-se muito mais em conta com uns TPC: os senhores mandavam-me os exercícios e eu respondia. Claro que esta minha proposta, muito comezinha, sem visão nem rasgo, se deve ao facto de eu ainda não ter frequentado as tais aulas de gestão estratégica, saber que pelo que me é dado perceber resulta quase sempre num tremendo prejuízo para os bancos e num enorme benefício para os gestores dos mesmos. Mas isto há-de passar-me mal me comece a passear por Fontainebleau, castelo incluído.
Neste momento não duvido que me considere já a administradora ideal. Mas ainda lhe vou dar outras razões. Saiba Vossa Excelência – ou será que já nos podemos tratar por colegas? – que eu conheço muito bem a Caixa pois faço parte de uma geração que se estreou no mercado de trabalho como “professora de mini-concurso”. Coisa que entre vicissitudes várias se traduzia por ser colocada de meia dúzia de meses em meia dúzia de meses numa localidade situada a vários quilómetros quer do local onde residíamos quer do local onde nos tinham colocado anteriormente. Isto obrigava a várias coisas que um dia quando estivermos nos nossos almoços lhe contarei à laia de anedota e quem sabe até acabarei a leccionar no INSEAD uma cadeira sobre Gestão da Vida em Absoluta Mobilidade, com Filhos Pequenos, Sem Ajudas de Custo, Para ter Emprego Durante Alguns Meses em Horários Retalhados pelos Colegas do Quadro com a Conivência dos Colegas Sindicalistas.
Outra particularidade desta por assim dizer carreira era que mal se chegava à terra da nova colocação havia que descobrir um sítio para dormir e abrir uma conta na CGD local. Acumulei cadernetas e cadernetas de vilas pitorescas e pequenas cidades. A minha relação com a caderneta da CGD, documento que presumo desconhecerem muitos dos escolhidos para administrar aquele banco, reforça-me como candidata a administradora e autoriza-me até a que especifique que, diga o INSEAD o que disser, deve haver na administração um lugar para o administrador das cadernetas. E eu sou a pessoa ideal. Idealíssima.
Mas continuemos nos detalhes do meu perfil que me tornam a candidata ideal ao cargo de administradora da caixa. Como sabe ou fica agora a saber sou mulher. E mandam as lei modernas que as mulheres estejam nas administrações das empresas, na liderança das instituições, a presidência dos EUA… (Excepções feitas ao Estado do Vaticano enquanto por lá andar o Papa Francisco e à ONU porque Guterres que é a versão nacional do Papa Francisco está candidato).
Pois voltemos então ao meu sexo. Eu sei que devia escrever género. Mas perdoa-me Mário – o assunto facilita a que nos iniciemos no tu cá tu lá – até me disponho às segundas declarar-me gay, as terças transgender, às quartas mulher heterossexual, às quintas intersexo, às sextas homem e ao fim-de-semana descanso porque com Brexit ou não a semana que vale é a inglesa. A muito estou disposta para ter o perfil certo mas realmente deixar de ter sexo para passar a fazer género não me calha. Compreendes, não?
Assim postas as coisas, que outro candidato arranjam vocês aí no BCE que some um tal repositório de qualidades?
Assim na expectativa da Vossa rápida resposta que não vejo como poderá ser outra que não “Vem Helena que a matrícula no INSEAD já está feita e paga” me despeço.
Atentamente,
Helena Matos
PS. Para o caso de o meu curriculum Vos impressionar ao ponto de a banca privada me disputar esclareço antecipadamente que só aceito ser administradora de bancos públicos. É que ser administrador de um banco público é um sossego, em Portugal. Não há cá perguntas impertinentes das maninhas Mortágua, nem indignações do camarada Tiago, nem verborreias prolixas do dr. Galamba.
E eu, quando for à AR dar conta do meu trabalho, quero ter a certeza de que estas reconhecidas sumidades não me perguntam mais nada além de “Pode a excelentíssima senhora administradora dar-nos conta do seu labor em prol da riqueza da nossa banca pública?”