A minha mãe foi o meu princípio, a minha primeira casa neste mundo.

A minha mãe foi uma das primeiras, ao tempo, a fazer a licenciatura em Pintura na Escola de Belas Artes de Lisboa. Que me recordava, com assiduidade, o que tinha sido necessário fazer, e mover na família, para que a deixassem entrar, em particular, nesta licenciatura. Quem sabe que se tem de lidar com modelos nus, em pintura, e uma certa boémia consentida perceberá a dificuldade que foi agitar a ortodoxia familiar.

Foi, portanto, uma das primeiras a romper alguma rigidez que imperava na família, quer na forma de fazer, quer na forma como abordou o mundo. Nunca, porém, abandonou valores e retidão. E sempre adotou uma postura espartana, de contenção, de rigor, diria até de frugalidade. Sempre preocupada com os demais e sempre preocupada em chegar a mais, a abrir o coração e a partilhar o que tinha com quem tinha a arte de lhe chegar ao interior, o que não era complexo. Acima de tudo, com a família e a família alargada.

Se eu quisesse deixar as dez lições que a minha mãe me deixou, depois de cortado definitivamente o cordão com a minha primeira casa neste mundo, pois eu diria o que vai abaixo. Plágio da ideia, não das lições (para ele foram diferentes, mas muito interessantes), que o meu filho mais velho escreveu esta semana sobre o que aprendeu com a sua avó e que partilhou com a família.

  1. Se puderes fazer pela positiva e se conseguires construir oferecendo e preocupando-te, na ação, com o bem de alguém, fá-lo. E fá-lo em detrimento de ti mesmo se for esse o caso. O teu maior bem começa no bem que fizeres aos outros;
  2. Não esqueças a família, esse reduto onde procurarás força e onde despirás todos os fatos de trabalho e todas as invencibilidades que apresentas no exterior;
  3. Não te abstenhas de chorar. Não é coisa de mulheres ou homens. É coisa de coração. Chora, pois, quando achares que o deves fazer;
  4. Pega no telefone ou, mais recentemente, manda uma mensagem a perguntar a alguém que não vês há uns tempos como está. Só isso chega. Do nada, estás a fazer alguma coisa por alguém;
  5. Procura ser excelente em tudo o que puderes ser excelente. Se ficares pela mediania que o faças apenas nas áreas em que não conseguires ser excelente. Dá o máximo de ti. Se dás aulas, dá o teu máximo em cada aula. Em cada entrega. E dá o máximo de ti aos teus alunos – essa responsabilidade é imensa;
  6. Olha para a vida sempre com os teus olhos e não com os olhos de mais ninguém. Sê genuíno. Se os outros não gostarem do que és ou de quem és, não te importes. E não ligues às aparências e leituras que os outros fazem de ti. Fica com a consciência de que fizeste o melhor que sabias. E o importante, no final do dia, é a verdade da tua consciência;
  7. Nunca deixes de pedir desculpa a alguém. Pede-o várias vezes se necessário. Escreve-o. Mas nunca te abstenhas de o fazer sempre que a tua consciência te disser que não agiste conforme devias. Nunca deixes de falar a alguém mesmo que te tenha feito todo o mal do mundo. Fala sempre com as pessoas todas;
  8. Em questões de dinheiro, de poder, de território, abstém-te de querer sempre mais. O dinheiro, o poder e o território ficam cá todos. O que vai contigo é o que trazes dentro de ti: a tua alma, o teu coração;
  9. Olha sempre para o mundo à procura, em tudo o que vês, de um sentido estético. Tudo tem um sentido estético. Os olhos vêem o mundo. Os olhos apreciam o mundo. Os olhos são capazes de distinguir e avaliar o sentido estético de tudo o que te rodeia – mas é preciso treino, muito treino. Na pintura, nas cidades, no campo, nas praias, na decoração, na forma como te vestes ou apresentas. Na maneira como escreves. “E a forma, meu filho, é muito importante”. É tantas vezes isso, conjuntamente com a cor, que torna possível a beleza do mundo em que vives.
  10. Finalmente, honra os teus pais. Honra o teu nome. Honra os teus antepassados. Melhores ou piores foram eles que deram origem ao que és hoje. Sim, tens passado. E sim, constrói o teu presente e o teu futuro sobre o que trazes do passado. E aprende que o que fazes é o que fica para os teus filhos. Respeita-os e educa-os em valores. Porque o melhor que lhes podes deixar não são coisas. É o teu coração. É a tua generosidade. É o teu exemplo no que fazes e na forma como o fazes e te entregas às tuas causas.

A minha mãe partiu na sexta-feira passada, a 9 de fevereiro de 2023 à noite, depois de 17 dias consecutivos duríssimos em hospital e que acabaram por a levar. Estou a sentir, e vou sentir sempre, enormes saudades da minha mãe. Como penso que todos estarão na demais família e amigos. Era uma grande mãe e uma grande senhora. Um ser humano que, para mim, sempre foi excecional.

“Mãe, só morre verdadeiramente quem cai no esquecimento”, como se dizia na missa de corpo presente. No meu coração e na minha cabeça nunca haverá falta de espaço para todos os milhares de memórias conjuntas que guardo comigo. Para mim nunca haverá esquecimento.

Mãe, obrigado por tudo. Tudo mesmo. Porque esse tudo foi tanto. Mas tanto. E o meu pedido de desculpa, que fiz várias vezes sem saber se me ouvia no seu leito do hospital, de que me desculpasse sempre que não estive à altura ou faltei ao compromisso que tinha de dar sempre o meu melhor em tudo na vida. Mãe, obrigado e desculpe. Até já, mãe. Sempre, sempre no meu coração.

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