Estava a frequentar o primeiro ano da universidade. Estava a ser um ano difícil. Para mim eram muitas mudanças. Nova cidade, novos colegas, novas aulas e conteúdos, novos professores. Estava pouco habituado a mudanças. Filho único, com poucas experiências fora da minha pequena cidade natal. Os medos da vivência simples da logística do dia-a-dia, dos transportes à alimentação, das rotinas de sono às de estudo. A partilha do quarto. A partilha da casa. A sardinha em lata no metro. Os professores a debitarem matéria e eu sem a apanhar. Das sebentas aos apontamentos partilhados, pouco ficava.

A residência universitária era um misto de porto seguro e de medo face àqueles “senhores”, já homens crescidos, enquanto eu não me via como mais do que um rapazito. Inseguro, descrente e cada vez mais melancólico. Os resultados dos primeiros exames selaram o destino: não dava para estudar na universidade. Se calhar era melhor ir trabalhar. Sentia-me bem apenas com videojogos ou pouco mais. Primeiro semestre: uma cadeira feita.

Na primeira vez, de que tenho memória, entrei naquele consultório, de paredes pouco calorosas, mas recebido pelo sorriso da psicóloga. E a nossa relação terapêutica começou por um discorrer da forma como via os males do mundo, todos eles contra mim. Eu era senhor de uma rigidez inabalável. Tanta como a ansiedade que sentia face a estudar, à universidade e a mais um punhado de coisas. Era senhor de crenças absolutas sobre a injustiça de o mundo não ser justo (comigo), com crónicas do bem e do mal, por mim protagonizadas. Não queria ir para Lisboa. Não queria estudar. Não me queria levantar. Poucas coisas me faziam sentir prazer. Procrastinava quase tudo.

Entrar naquele consultório, com aquela psicóloga, mudou a minha vida. Não durou pouco, nem sequer acabou ali. Talvez quase dois anos depois, parecia outro. Muitos projectos passaram, entre pessoais, profissionais, familiares… e voltei. Voltei numa crise de vida. E voltei a voltar para cuidar de mim em plena pandemia. Voltarei provavelmente, pelo conhecimento de mim, desenvolvimento pessoal, saúde…

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Hoje, para muitas pessoas, aceder aos serviços de um psicólogo é uma parte normal da vida. Na escola desde pequenos, nas organizações (desde o recrutamento e selecção ao coaching, por exemplo) ou no consultório (nas crises de vida, no autoconhecimento ou na procura de melhores desempenhos).

Todavia, muitos mais gostariam de ter acesso e não podem. Não conseguem por falta de recursos financeiros, falta de literacia e/ou ausência de profissionais no SNS, nomeadamente nos centros de saúde. Mas há uma coisa que já não é o que era: o estigma. Haja acesso… e o muito menor estigma, ainda existente, extinguir-se-á.

Francisco Miranda Rodrigues é psicólogo, especialista em Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações e em Psicologia da Saúde Ocupacional. Consultor na área Comportamental, Liderança e Desenvolvimento Organizacional, é conselheiro nacional de educação e bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses desde dezembro de 2016.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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