Como coisa certa, temos apenas a vida. Disse-o, em 2011, Manoel de Oliveira, em Cannes, com um merecido  Leão de Ouro na mão. Perguntaram – lhe se tinha medo da morte, ao que respondeu dizendo que não. Então acrescentou alguns pensamentos sobre essa “condição absoluta”, uma “certitude”. Que a vida, essa sim, é antes “incertitude”.

O realizador de O estranho caso de Angélica, ladeado pela bela Pilar Lopez de Ayala e o ator e neto  Ricardo Trepa, confessou não ter medo da morte, mas sim do sofrimento, algo de “terrível” que ainda  não experimentou (e disse-o sorrindo, aliviado ma non tropo, por não ter ainda passado por isso, mas sabendo que poderia vir a passar).

E não há medo da morte porque ela – e aqui o cineasta citou Tolstoi -, a morte, é uma Porta.

Realidade e assunto tão antigo quanto o homem, a morte é considerada, ao lado do espanto, uma das causas do Filosofar.

Esta semana  a morte tocou-me de forma especial por duas razões.

O Mauro morreu há 3 anos  com uma leucemia fulminante. “Desapareceu “ – para usar um dos  eufemismos muito em voga agora, a ver se assim a morte custa menos, ou não dói tanto…

Um rapaz lindo como a sua mãe, na força dos 40 deixa mulher e três filhos lindos. Crianças em quem a  bela avó paterna ( a única que conheço desta família , e bem) ao olhar para eles sente a faca que atravessou o seu coração  naquele dia, e agora de cada vez dá mais uma “volta”,  a doer mais fundo, que a dor não desaparece com o tempo. Antes pelo contrário.

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Já a Vera é outro caso. Matou-se, atirando-se de um último andar num bairro de Lisboa. Não a conhecia, mas a sua irmã e eu somos amigas. Uma amiga comum disse-me, quatro dias  depois do sucedido «Foi preciso ter muita coragem». «Ou falta dela?», perguntei-lhe eu…

A Vera sabia que tinha uma doença degenerativa. Se comigo se passasse a mesma situação eu teria seguramente o mesmo ímpeto, e disse à Isabel que ouvia a nossa conversa de olhos vermelhos – “Se eu quiser suicidar-me não me deixes fazê-lo por favor. ” Sim eu também tenho medo do sofrimento.

A mãe do Mauro sabe que “ isto” não acabou assim. Disse-me há dias : “Faz 3 anos que o meu filho foi para o Céu! “ Vive a Esperança que não desilude. Tem na família e amigos sinais inquebrantáveis do carácter sagrado da vida. Sabe que Deus dá e Deus tira.  Mas não nos desampara. E que há um final feliz, com a família toda reunida, junta ao Senhor da vida e da morte.

Mas para isso  ela sabe, e eu também, o que “fazer”. Não é fazer umas rezas ad hoc, mas  é segui-Lo e aprender de perto, com os mais próximos d `Ele… Ele disse aos discípulos na última Ceia : Façam isto em memória de Mim!, ou seja: “Dá-nos a missa”. E o que é isso? Sou assim remetida para o essencial que a Igreja encerra, a Eucaristia.

O Catecismo lembra que na missa o sacerdote é Cristo, isto é, por muito pecador que seja, o que acontece naquele altar é de uma outra ordem, é sobrenatural. O sacerdote age in Persona Christi, na Pessoa de Cristo, ou seja, não é o padre quem está agindo, mas Cristo. E somos convidados a participar nessa Graça que  assim se oferece como pão da Vida.

Eu vou à missa não por ser boazinha, mas porque preciso da vida sobrenatural.  Preciso de Esperança, de Fé, de Caridade, as três virtudes Teo-logais – “coisas” que eu não me sei dar, nem dar a ninguém.

E agora a Vera. Matar-me é aplicar a mim própria uma pena de morte. E nem preciso de ir ao artigo 24 da Constituição da República para saber que em nenhum caso a pena de morte é admissível –  porque a vida humana é inviolável. Eu sei que apenas respondo por mim. Mas é precisamente por isso que reconheço o intocável valor da vida, que não se limita à previsibilidade. Por nada eu posso decidir sobre uma realidade que me excede. Para dar um exemplo, daqui a dois anos posso padecer numa cama, como amanhã mesmo posso morrer atropelada. A vida é incerta! Não tem coragem aquele que faz a fuga para a frente, mas sim aquele que tem a coragem de abraçar a vida no que de insondável tem.

Não se brinca com a vida, nem com a morte. São verdade os eufemismos mas não dizem tudo,  não são a verdade toda. Sim podemos dizer de uma pessoa que «já não está entre os nós»,  que «foi desta para melhor»,  que «bateu as botas», que «sucumbiu», «deixou de lutar», «finou-se», «passou para o outro lado», «passou para o sono ou descanso eterno». Mas tudo isto diz pouco, ou quase nada – «Não está entre nós» também pode dizer-se, por exemplo, de alguém que partiu para o estrangeiro, etc. etc.

Não adianta disfarçar, ou dourar a pílula! O que é mesmo conveniente é ir mais longe e  sondar os que afirmam do único Homem que, depois de cruelmente morto, voltou a viver. Ele, como o sol, é  uma certeza que incessantemente nos busca, rezamos na oração da manhã. É apenas a Ele que admito me diga: “Mulher não chores” – palavras que disse à viúva de Naim que chorava pela morte do seu filho único, palavras que lemos na missa por alma do Mauro. Não chores, eu “trato” dele, verás!