O governo já anunciou que está a preparar o fim do estado de emergência e a abertura da economia de forma gradual. Esta era uma medida esperada e desejada por milhões de portugueses.  Após um período inicial de confinamento social massivo e preventivo, começam a surgir sinais de um certo relaxamento: há cada vez mais pessoas nas ruas, o trânsito aumentou e observa-se na população um fenómeno de saturação. Esta é uma reação humana esperada e que os decisores políticos têm que levar em consideração, pois não é possível manter por decreto, durante muito tempo, uma «mumificação social coletiva». De resto, como já escrevi aqui no Observador, o prolongamento excessivo do confinamento social acarreta riscos para a saúde mental.

Considero urgente que nesta «abertura» se dê prioridade ao agendamento de exames complementares de diagnóstico, à marcação de consultas e de cirurgias que foram desmarcadas e adiadas massivamente. Os outros doentes também têm o direito de serem cuidados e tratados. O cancelamento de centenas de milhares de atos médicos irá aumentar a morbilidade e a mortalidade, justificando a urgência de se retomar a atividade clínica assistencial, de modo a minimizar as consequências desta paragem forçada. As consultas por videoconferência já deveriam ter sido implementadas há mais tempo e vão ajudar a minimizar o risco de contágio da população.

Os idosos devem merecer uma especial atenção. Estes não podem ser descriminados e as visitas dos familiares têm de ser rapidamente restabelecidas, recorrendo a medidas de proteção e mantendo alguma distância social. Muitos idosos encontram-se isolados, numa profunda solidão, e não dispõem da capacidade, que têm os mais jovens, para utilizar as novas tecnologias (por exemplo, WhatsApp, videochamada, etc.), mitigando, deste modo, o isolamento. Os estudos publicados sobre outras quarentenas identificaram esta população como sendo de risco para depressão, e inclusivamente para o suicídio, fundamentando a necessidade de ser dada uma especial atenção aos idosos.

Por outro lado, os idosos não constituem um grupo homogéneo. Muitos encontram-se em perfeitas condições de autonomia, e os seus direitos (inclusive o direito a correr alguns riscos) não podem ser sonegados. É preciso não esquecer que é indispensável garantir um bom fim de vida para quem já tem pouco tempo à sua frente.

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As cerimónias fúnebres têm que voltar a adquirir alguma normalidade,­ respeitando medidas de segurança e distanciamento social. De outro modo, está a promover-se um luto patológico na população. Constitui também um direito que as pessoas se despeçam com dignidade dos seus entes queridos e façam um luto presencial nos funerais. Este aspeto é indispensável para se manter a saúde mental.

A celebrações religiosas devem ser restabelecidas, com algumas condições, e principalmente a assistência espiritual nos hospitais deve ser normalizada, respeitando as regras de segurança. Nos tempos que correm, é nos hospitais onde há mais sofrimento e morte. As necessidades espirituais e religiosas são características humanas e apresentam uma dimensão transpessoal, pois ninguém deve sofrer, nem morrer sozinho.

Vamos viver numa situação de stress prolongado. Após sairmos do confinamento preventivo é normal, temporariamente, sentirmos mais ansiedade e sermos atormentados por vários medos: medo de ser infetado/infetar os outros, medo de adquirir uma forma complicada da doença e consequentemente morrer. Estes receios irão certamente surgir, mas têm de ser superados. Vamos ter de adotar, no nosso quotidiano, regras de segurança preventivas que, com o tempo, irão adquirir uma certa rotina e normalidade. Já o fizemos no passado. Recordo, por exemplo, o aumento do controlo de segurança que passou a haver nos aeroportos, após o 11 de setembro. Atualmente, aceitamos com normalidade todas estas medidas de segurança que foram implementadas.

Mas nem tudo será normal após a abertura da economia. O confronto com a crise económica e principalmente com o desemprego, que irá inevitavelmente aumentar, vai causar um enorme sofrimento e um acréscimo do número de casos de doenças psiquiátricas. Tenho bem presente, na minha memória, o desfilar dos rostos cerrados e entristecidos da última crise económica. Recordo-me de fitar com assombro as lágrimas de um idoso que humedeciam o tampo escuro da minha secretária. Com a mão trémula, estendia uma lista de medicamentos, pedindo para que eu escolhesse qual deles poderia deixar de tomar, pois o dinheiro não chegava para comprar todo o receituário.

Lembro o olhar de revolta de pessoas que perderam quase tudo e passaram a contar ansiosamente os dias que faltavam para terminar o subsídio de desemprego, receando não poder sustentar a família. É muito difícil tratar uma depressão de alguém que está sem rendimentos e que caiu na malha do desemprego. Mas, mesmo para essas pessoas, é preciso transmitir esperança, dizendo-lhes que não estão sozinhas e que hão-de vir dias melhores.