As redes sociais vieram dar uma bela ajuda numa tradição já de si muito portuguesa: a polémica. Quem tem Twitter sabe que ao abrir a aplicação durante o dia haverá um despique épico entre liberais e bloquistas, acusação de privilégios de classe a jornalistas ou críticas a CEO`s de empresas por emitirem opiniões pessoais sobre assuntos do momento. Como cereja no topo do bolo, temos sempre os eternos especialistas em opiniões particularmente minuciosas acerca de temas como o conflito israelo-palestino à terça-feira e sobre a PPP do Hospital de Braga à quarta-feira. É certo que a comunidade política presente nas redes sociais está longe de ser uma representação digna e proporcional da sociedade portuguesa, porque, se assim fosse, Cotrim de Figueiredo e Catarina Martins estariam a lutar por um lugar no Palácio de São Bento. Contudo, acaba por ser uma amostra perfeitamente fiel da polarização presente nas nossas sociedades. E é precisamente aqui que chego aos tão badalados rankings das escolas.

Nesta última semana, já se ouviu de praticamente tudo. Aliás, não existe um ano onde os rankings não causem estas reações efervescentes na comunicação social. Cada vez mais, os rankings aparecem como oportunidade para incitar à discussão ideológica (por ambas as partes) e não como ferramenta para podermos dissecar e tirar conclusões do desempenho das escolas, mas sobretudo dos alunos. Há quem olhe para eles como a jóia da coroa do triunfo dos colégios privados e quem venha contrapor como a arma do diabo dos mesmos. Depois, aparecem os diretores das escolas públicas a afirmar que os colégios não sofrem as dificuldades das escolas, sempre com espaço para a tirada da inflação das notas, ripostando os privados que os rankings só provam a incompetência da escola pública. E “lá vamos nós cantando e rindo”, como afirmava o hino da Mocidade Portuguesa, numa ilustração (infelizmente) excelente da forma como se abordam os problemas em Portugal.  Discute-se a educação através da mera contraposição do público versus privado, do privilégio versus a falta dele e assim continuamos, agindo como se não tivéssemos acabado de passar por dois anos absolutamente destrutivos para a aprendizagem e que mancharam por completo o crescimento intelectual dos jovens.

Novamente, é palpável a escassez de discussão de políticas públicas que proponham um modelo ou, pelo menos, que discutam a viabilidade do atual. As soluções são constantemente feitas em cima do joelho e a pensar no imediato, num setor onde devia ser regra principal não o fazer. Quando o Governo decidiu alterar a dinâmica dos exames nacionais do ensino secundário, não estava a ajudar os alunos que perderam conteúdos com a pandemia. Como pode um executivo ter responsáveis que acreditam que a melhor solução para esta circunstância é aceitar apenas um exame nacional para a entrada no ensino superior? Como pode o Ministério da Educação tornar permanente a solução de recurso de 2020 e permitir que exista uma percentagem considerável das provas composta por perguntas opcionais? Onde vai existir assim a equidade que os exames nacionais tentam promover?

Desta forma, não será de surpreender que os colégios superem ainda mais o ensino público no que diz respeito às notas, podendo apostar em lecionar aqueles grupos de perguntas mais acessíveis e com mais tempo, permitindo aos alunos terem resultados com ainda mais discrepância face aos que frequentam a escola pública. E que fique aqui bem claro, não entendo quem tenta criticar a obtenção de bons resultados por parte dos colégios, como se fosse um crime optar pelos colégios para obter sucesso escolar. O cerne da questão é que a conversa à volta dos rankings leva a tudo menos ao único debate que deveria interessar: que medidas devemos tomar para providenciar aos nossos jovens a melhor preparação possível para o ensino superior?

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O debate anda à volta do fosso entre o privado e o público, para glória de uns e raiva de outros e tem de mudar urgentemente. É natural que um colégio obtenha resultados superiores, em média, face a uma escola pública, que tem outras obrigações no que diz respeito ao acolhimento de todos os jovens, com pontos de partida distintos. Mas sobre essa diferença, já tínhamos conhecimento. A discussão tem de ser sobre os mecanismos que o Estado pode utilizar para atenuar essas desigualdades, sendo um perigo envergar pelo discurso do passa-culpas e da inevitabilidade de os privados obterem melhores resultados. Tem de existir a energia capaz de reformar e de voltar a tornar a escola pública atrativa. Porque sim, é evidente que os rankings foram potenciadores da debandada do início do século do público para o privado, muitas vezes com uma sensação falsa e má interpretação dos resultados, fazendo muitos pais acreditar que seria benéfico para os seus filhos estudar nos colégios, tirando assim muitos jovens de classe média e com bons resultados às escolas públicas, aumentando ainda mais o fosso.

Deste modo, temos de olhar para o modelo vigente e questioná-lo. Assim, deixo algumas possíveis propostas, de forma a ser possível reavivar o debate sobre políticas educativas e não sobre dogmatismo ideológico. Como medidas conjunturais, é crucial que se volte a tornar obrigatória a realização de exames nacionais no final de cada ciclo antes de chegar ao ensino secundário, isto é, no 4º, 6º e 9º ano. Não podemos promover um modelo onde as provas só contam para os alunos em risco de reprovação, correndo o risco de um natural desinteresse dos jovens (e também dos professores) em querer aprender mais e estar preparados para a adversidade. Na mesma linha de raciocínio, é urgente que seja revertida a exigência de apenas um exame nacional para entrar no Ensino Superior, de forma a não incorremos na armadilha do facilitismo.

Num âmbito mais estrutural, é essencial que a aposta no ensino do Inglês seja cada vez mais vincada como uma prioridade para o nosso sistema educativo, dotando os nossos jovens com capacidades para competir com os seus pares noutros países, numa altura onde o mercado de trabalho está cada vez mais volátil e digital, permitindo assim que estejam dotados de competências para exercer as suas funções em empresas onde não se fale português.

De seguida, é importante que se estude a possibilidade de mudar o formato base atual do ensino secundário, assente na rigidez dos cursos científico-humanísticos, que não permitem praticamente nenhuma flexibilidade de escolhas por parte dos jovens. Deste modo, a maioria dos alunos que tencionam frequentar no futuro o ensino superior são obrigados a fazer uma escolha já com muitas consequências quando estão ainda no 9º ano. É importante saber olhar para os outros países e tentar entender aquilo que fazem neste capítulo e, por isso, destaco aquilo que é feito no Reino Unido, com o sistema do diploma de IB. Este modelo permite aos alunos ter um leque de escolhas bastante mais diversificado e com a possibilidade de albergar disciplinas de áreas diferentes no mesmo diploma. Outra vantagem prende-se com a ampla variedade de tópicos que são estudados, virados para as dificuldades e questões concretas que se encontram no mercado de trabalho. Por último, destaco que o IB permite que as 6 disciplinas que o aluno estuda possam ser divididas entre 4 mais especializadas e, desse modo, com maior carga horária, e 2 com o nível padrão e um menor número de horas, sendo assim possível conjugar o processo de início de especialização numa área de interesse com a continuação da aprendizagem de conteúdos distintos, que podem servir de ajuda para a decisão posterior do curso universitário que pretendem ingressar.

Voltando ao início, a polémica pode, de facto, ser mais interessante e contribuir para o aumento dos níveis de dopamina da população portuguesa, mas seria importante que os especialistas do Twitter, mas especialmente quem nos governa e tem responsabilidades na educação, alinhasse menos na narrativa dos rankings e mais na proposta educativa que o país merece. Seguramente, os jovens agradecem.