Nos últimos dias o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa tem tentado fazer a pedagogia de uma campanha eleitoral onde se debatam temas concretos de interesse nacional. Apontou mesmo a reestruturação da TAP ou a escolha do novo aeroporto como exemplos dos debates que devem ser agora feitos. Admito que estes exemplos resultem do pragmatismo da sua vasta experiência, e da noção de que algo mais profundo ou estrutural seria dificilmente tratado em forma de análise e propostas de políticas públicas pelos actuais protagonistas. Não vou discutir essa avaliação, porventura correcta, mas antes tentar explicar que o país merecia e precisa de um debate mais profundo sobre temas concretos, mas menos circunscritos à casuística de uma empresa ou de um grande investimento. E a razão está à vista de todos, sobretudo de quem quiser governar para os portugueses de hoje, agora, e para os mesmos no futuro, assim como para os portugueses de amanhã. E nem me refiro a um amanhã longínquo, até porque a viabilidade de Portugal, tal como a maioria ainda o imagina, já se está a jogar hoje e vai jogar-se, de forma crucial, nos próximos anos. A procrastinação vai levar-nos, num horizonte em que a maioria das actuais gerações ainda estarão vivas, a um país de velhos, com substancialmente menor população, pagando pensões de miséria a uma maioria de idosos desiludidos e, porventura, arrependidos de nunca terem querido ter voz activa e esclarecida no futuro do seu país, que é o seu futuro. Mas não tem de ser assim, só que a viabilidade deste projecto secular que é Portugal, exige que a mudança tenha de começar hoje. Ontem, aliás, já era um pouco tarde.
Há muitos temas que necessitam de discussão e acção nos próximos tempos, até porque, como acima referi, a maioria dos mesmos já deveria ter sido alvo de discussões sérias e produtivas no passado. Portugal corre há muito atrasado, procrastinando e escondendo o que a União Europeia permite, função de uma classe política que vai alimentando o povo com casos e novos moinhos de vento, furtando-se em fintas sucessivas à discussão das matérias sobre as quais a inação tem provocado mau desempenho no presente e inviabilidade no futuro.
Comecemos pela análise, brevíssima, da economia portuguesa no último quartel, após se ter aproximado dos níveis de riqueza e desenvolvimento dos países mais ricos da UE até meados da década de 90 do século passado. A partir daí, a convergência começou a abrandar, porque deixámos reformas essenciais por fazer, deixámos crescer a dimensão financeira do Estado para níveis incomportáveis face às possibilidades de receitas geradas pela nossa economia, cada vez menos dinâmica, e porque, contrariamente aos avisos, deixámo-nos embebedar pelo crédito fácil dos primeiros anos do Euro. Em resultado, temos a triste realidade de um país que praticamente não cresceu no século XXI, empresas frágeis e o caminho cada vez mais expressivo dos melhores e dos mais jovens para uma diáspora crescente e (aparentemente) imparável. Entretanto fomos sendo paulatinamente ultrapassados por outros países no Centro e Leste da Europa, desfazendo por completo o mito pós-adesão às Comunidades do “bom aluno português“. A economia portuguesa parece ter chegado àquilo a que os economistas hoje chamam a “armadilha do desenvolvimento intermédio”, enquanto os dirigentes políticos, sindicais e empresariais, se entretiveram a ir sucessivamente gerindo a evolução da conjuntura, sem visão de futuro para além de umas frases sem substância.
O fenómeno com que nos debatemos sem sucesso há alguns anos não é uma idiossincrasia portuguesa, sendo vários os exemplos dos países que, após o sucesso do salto inicial em direção ao desenvolvimento, estagnam num nível intermédio, claramente abaixo das aspirações iniciais. Casos houve em que choques levaram à superação do problema através da tomada de medidas que desarmaram os nós da estagnação. O exemplo da Coreia do Sul, após a crise das dívidas asiáticas do final dos anos 90, é um dos mais conhecidos, tendo crescido após a eliminação dos constrangimentos internos à concorrência e à transparência das relações económicas. Portugal precisa agora de um abanão que nos retire deste marasmo. Não há uma única alavanca que se possa movimentar para o despoletar, mas antes um conjunto de áreas de intervenção que carecem de mudança profunda – diria, estrutural – sem as quais continuaremos a saga dos ciclos à volta de uma tendência que, por agora é de estagnação, mas que no futuro poderá ser descendente.
É por isso que custa admitir que possamos passar mais um período eleitoral sem que se discuta como melhorar o funcionamento e administração da justiça, sem reduzir a burocracia, por vezes sufocante, agora que a revolução digital em curso nos permite uma verdadeira mudança transformacional nesta área, sem discutir a sério que pensões as gerações de 60 e 70 (e as posteriores) terão no futuro e que saúde queremos ter no futuro, sabendo que a demografia e o desenvolvimento tecnológico impõem desafios adicionais neste sector. A lista é interminável, resultado de décadas de faz de conta e inacção reformista.
Fora da área pública, mantemos a questão da dimensão e capitalização de um tecido empresarial frágil, a fraca diferenciação de bens e serviços produzidos, a desadequação de algumas infraestruturas relevantes, ou mesmo, nalguns casos, a falta de níveis aceitáveis concorrência. Admito que estes temas venham a ser tratados apenas parcial e superficialmente. Concedo, que a TAP e o novo aeroporto, ou mesmo a putativa regionalização, proporcionem debates animados e concitem maior atenção neste momento. Mas não nos poderemos esquecer que, se tal acontecer, estaremos a, mais uma vez, tomar a nuvem por Juno.