Nos últimos dias tem merecido o comentário de muita gente um dado há muito repetido na praça pública, mas que só agora parece ter captado a atenção de todos: a aproximação crescente entre o salário mínimo e o médio e um número crescente de trabalhadores abrangido pelo salário mínimo. O fenómeno, prevalecente há muitos anos, intensificou-se nos últimos em virtude da subida mais acentuada do salário mínimo desde 2016. Este nivelamento por baixo é um sintoma de que algo de muito errado se passa na economia portuguesa. Na verdade, e simplificadamente, existindo nexo entre a remuneração do trabalho e a sua produtividade, tendo esta crescido muito pouco, é natural que aquela não evolua substancialmente a não ser no seu extremo inferior onde o aumento é administrativo. Numa economia de mercado não se podem estabelecer todos os salários por decreto e, por isso, sobem onde a lei manda, mas a lei só manda nos mínimos.
Para além de não ser novidade, também não é um resultado que se estranhe. Qualquer observador instruído da economia portuguesa sabe (se o diz, já é outro tema) que a debilidade de uma economia relativamente atrasada e estagnada há décadas não é compaginável com aumentos robustos dos salários não administrativamente fixados, nomeadamente para níveis comparáveis aos dos nossos parceiros onde os índices de produtividade são bem mais elevados. Temos assim, caso a tendência não se altere—e a alteração exigirá políticas microeconómicas diferentes—uma crescente igualdade nivelada por baixo, o que poderá mesmo vir a beneficiar de mecanismos endógenos à continuação do processo, nomeadamente se continuar a provocar a saída de muitos dos mais capazes e mais qualificados.
Nos últimos anos, sobretudo após 2016, tornou-se tabu falar em melhorar o funcionamento da economia e das instituições, libertando o país dos estrangulamentos que o impedem de prosperar. Na verdade, até há muito pouco tempo, e só mudou por razões ligadas à necessidade de captar os fundos do PRR, a retórica oficial transformou as reformas estruturais numa suposta obsessão ideológica “dos liberais”, impedindo o país de promover os consensos necessários às medidas que nos permitam sair deste retrocesso relativo em que temos estado. Como referi há algum tempo, ainda em 2016 o Primeiro-Ministro anunciou urbi et orbi a sua aversão a sequer contemplá-las, associando a sua concretização aos custos económicos e sociais do ajustamento que se seguiu à (quase) bancarrota socrática, confundindo o tempo e as causas. Para prosperar, há que melhorar o funcionamento do mercado de trabalho, do mercado de capitais e dos mercados de crédito e há que dotar o país de instituições sólidas e credíveis, que exerçam cabalmente as funções para que foram criadas num ambiente de exigência crescente. Há ainda que, por uma vez, avançar a sério para a resolução dos constrangimentos criados por um capitalismo com pouco capital, colmatando ainda o insuficiente contributo do capital nacional com investimento produtivo de origem externa.
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