“Em relação a outros partidos políticos e às posições de outros partidos, respeitamos integralmente a independência que cada um tem na sua reflexão e nas suas posições e vamos debater certamente essas opiniões num quadro de grande fraternidade das nossas relações bilaterais”, foi assim que reagiu Bernardino Soares, membro do Comité Central do PCP, às críticas do Partido Comunista da Venezuela ao comunicado do PCP a saudar Nicolas Maduro.

À primeira vista, um “quadro de grande fraternidade” parece remeter imediatamente para o tipo de relação de irmãos que Caim e Abel cultivaram. Mas não no comunismo. É que é suposto, numa ideologia tão ortodoxa como a comunista, não encontrar duas visões opostas sobre o mesmo tema. Afinal, o que Maduro está a fazer na Venezuela é fixe, como considera o comunismo português? Ou, pelo contrário, é fatela, como julga o comunismo venezuelano? Bernardino Soares fala em “independência de cada um”, mas é independência no sentido em que dois gémeos siameses são independentes. Um tem autonomia para tapar o nariz enquanto o outro faz cocó.

A dúvida é legítima, mas apenas para quem ignora o fenómeno de paralaxe do comunismo. Segundo o dicionário, a paralaxe é a “diferença aparente da localização de um objecto a partir de diferentes pontos de observação. Por exemplo, se estivermos numa praia e virmos um avião a cruzar os céus, de onde estamos parece que se desloca muito devagarinho. Na realidade, o avião viaja a uns extraordinários 900 km/h. Como a distância entre a praia e o avião é enorme, somos induzidos em erro em relação à realidade. Este caso da discordância entre o PCP e o Partido Comunista da Venezuela é um exemplo paradigmático da paralaxe do comunismo: como estão na praia, provavelmente com uma cerveja na mão, os comunistas portugueses acham que o avião voa docemente em direcção à utopia; já os comunistas venezuelanos têm outra noção da realidade: vão dentro do avião e, pela turbulência, percebem que está a cair. Pela turbulência e por os pilotos já terem saltado de para-quedas. Só concordam com o PCP num aspecto, que é que a sociedade venezuelana vai acabar sem classes: no avião venezuelano é indiferente ir em executiva ou económica, vão-se todos lixar por igual.

No fundo, o que o camarada venezuelano disse aos comunistas portugueses é que falar é fácil. É muito agradável ser amigo do Maduro enquanto se come uma bifana na Festa do Avante! Já em Caracas, com larica de três dias, é mais difícil ser-se fiel aos princípios do velho Lenine. Sobretudo se estes princípios não têm recheio de queijo e fiambre.

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No fundo, a diferença de opinião sobre o regime de Maduro não é política, é apenas geográfica. Quer o PCP, quer o PCV, consideram que o regime de Maduro faz tudo o que um dos seus regimes predilectos deve fazer: perseguir o seu povo, provocar a fome, governar desastrosamente, obrigar as pessoas a fugirem do país, outras malfeitorias avulsas. A diferença é que os membros do Partido Comunista da Venezuela estão mesmo lá, de maneira que o sentem na pele. Que, juntamente com osso, forma a identidade nacional venezuelana hodierna.

As últimas notícias dão conta da ordem do Supremo Tribunal de Justiça ao CNE para que publique as actas das eleições presidenciais. O CNE ainda não obedeceu, mas não é por má vontade. É por falta de papel para imprimir as actas. Felizmente, a inflação está tão alta que é muito barato imprimi-las em notas de bolívar.

Segundo a ONU, desde 2014 já fugiram do país cerca de 8 milhões de venezuelanos, naquele que já foi considerado pelo Guiness o maior jogo de escondidas desde que há registos. 2014 que, talvez não estejam recordados, foi o último ano em que Hugo Chávez apareceu, sob a forma de um passarinho, a Nicolas Maduro. Até então, tudo corria bem e o recém-desaparecido El Comandante vinha dar indicações ao seu sucessor. Porém, desde 2014, o passarinho nunca mais foi visto. Provavelmente, cozinhado em pipis por Maduro, que já adivinhava a fome que ali vinha.