Amanhã é a data principal do calendário litúrgico: a Páscoa da Ressurreição de Cristo. Para esta solenidade, prepararam-se os cristãos ao longo dos quarenta dias da Quaresma, iniciada na quarta-feira de cinzas e concluída no Tríduo Pascal. A Páscoa não se esgota, contudo, no domingo em que ocorre a sua celebração litúrgica e que, por ser uma festa móvel, varia todos os anos. Com efeito, durante as sete semanas posteriores – o Tempo Pascal – perdura a comemoração da ressurreição de Jesus, que termina com a festa da vinda do Espírito Santo, ou Pentecostes.
Depois desta solenidade, regressa-se ao Tempo Comum, que não está centrado em nenhum mistério cristão em particular, mas a Páscoa continua presente: todos os primeiros dias da semana, ou domingos, são também Páscoa.
A liturgia católica conhece dois ciclos: o anual, que se inicia com o Advento, a que se segue depois o Natal e o Tempo Comum, interrompido pela Quaresma e pelo Tempo Pascal; e o semanal, que tem dois dias especiais: a sexta-feira e o domingo. O primeiro, por ser aquele em que Jesus foi crucificado é, por assim dizer, a Quaresma semanal e, por isso, todas as sextas-feiras do ano, excepto as que coincidam com alguma solenidade, são dias penitenciais e é obrigatória a abstinência, na forma prescrita pela Igreja, para todos os fiéis que se encontrem de saúde e tenham mais de 14 anos. Por sua vez, o dia do Senhor, ou domingo, é sempre festa, porque foi quando Jesus Cristo ressuscitou. Por isso, nesse dia, ou na sua véspera à tarde, é obrigatória, sob pena de pecado grave ou mortal, a assistência presencial à Eucaristia, excepto a quem esteja impossibilitado.
Talvez surpreenda a obrigatoriedade da Eucaristia no dia do Senhor, bem como que a sua falta seja passível de um pecado que, por ser mortal, ou grave, é suficiente para impedir a salvação. Muitas vezes, não é por mal que os fiéis faltam, sem que daí decorra nenhum dano para os próprios – por faltar à missa de domingo ninguém acorda, na segunda-feira, ateu ou agnóstico! – nem para o próximo. Não será exagerada uma tão severa penalidade por ter faltado, apenas uma vez, à Missa dominical?!
Para responder a esta pergunta, permita-se o recurso a uma parábola.
Numa terra em que se punia o homicídio com a pena capital, viviam dois irmãos. O mais novo, depois de uma festa, regressou a casa a altas horas da noite, por uma estrada secundária e mal iluminada. Depois de uma curva, chocou frontalmente com um vulto escuro. Parou o carro e verificou que o objecto, com que tinha colidido, era uma velha mulher, vestida de negro, que não sobreviveu ao acidente. Em pânico, fugiu do local, depois de esconder na berma o cadáver da vítima.
No dia seguinte, ainda em estado de choque, foi ver as notícias que circulavam nos meios de comunicação e nas redes sociais sobre o choque: todos eram unânimes em deplorar o acontecimento e em culpabilizar o condutor em fuga, mas sem o identificarem. À medida que os dias passavam, a polícia reconheceu o carro, graças a uma testemunha que o vira passar a grande velocidade, pouco depois do acidente. Como era previsível que o automóvel tivesse ficado danificado, os agentes da autoridade procuravam veículos daquela marca e cor que estivessem amolgados.
À medida que a investigação desvendava, progressivamente, a verdade, crescia também a inquietação do negligente condutor. O seu irmão, estranhando o interesse dele, suspeitou a sua implicação no crime. Ao ver o carro danificado, as suspeitas converteram-se na certeza da culpa do irmão, que explicava o seu insólito interesse por aquele acontecimento.
No país, como se disse, aplicava-se a pena capital nestes casos e, por isso, se o irmão mais novo fosse descoberto, seria executado. Assim sendo, o seu irmão tomou, heroicamente, a iniciativa de se dar como culpado do acidente e, portanto, responsável pela morte da vítima. A sua confissão, aliada ao facto de ser também dono do veículo em causa, bastou para que fosse condenado à morte. Foi com grande consternação que o mais novo, o único que sabia a verdade, conheceu a sentença que condenava à morte o seu inocente irmão.
Já na iminência da execução, o irmão mais velho pediu ao mais novo que o fosse visitar, para dele se despedir, mas este declinou o convite, pois tinha outros planos, de que não queria desistir.
Pergunta-se: a atitude do irmão mais novo é grave? Decerto, porque ao mais velho devia a sua vida, a partir do momento em que este aceitara, voluntariamente, expiar as suas culpas. A ingratidão do culpado em relação ao inocente é quase tão grave quanto a sua culpa ao provocar, por imprudência, o choque fatal e, depois, fugir do lugar do crime.
Pois bem, a Missa é a celebração incruenta do sacrifício do nosso irmão mais velho, Jesus Cristo, pelo qual fomos salvos. Como disse São Paulo: “A vida com que vivo agora na carne, vivo-a da fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2, 20), porque “se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé e ainda permaneceis nos vossos pecados” (1Cr 15,17). Faltar à Missa dominical, por uma razão injustificada, é agir como o ingrato assassino. Não é, portanto, excessivo afirmar, como faz a Igreja, que uma tal falta é não só grave como mortal, ou seja, incompatível com a salvação.
Mais do que a gravidade da omissão consciente e voluntária da Eucaristia dominical, há que sublinhar o grande dom que é a participação na renovação do sacrifício da Cruz. Se o centurião, ao assistir à paixão e morte de Jesus, reconheceu que ele é verdadeiramente o Filho de Deus (Mt 27, 54), foi graças ao manancial que jorra da Cruz. É o mesmo sacrifício que acontece na Missa, em benefício dos fiéis que, em estado de graça, participam no mistério pelo qual Cristo realiza a “salvação do mundo” (Jo 6, 51).