Como vamos mudar isto?

É a pergunta de um milhão de euros!

Ou mesmo de 250 mil milhões de euros se, numa perspectiva apenas económica, valorizarmos, de forma simplista e especulativa, o que podemos vir a perder em termos de PIB nos próximos 10 anos entre o crescimento que será obtido mantendo as políticas actuais, 1,5% ao ano vs. o crescimento de 3,5% que poderá obter-se com novas políticas que nos levem a ser uma sociedade mais capaz de criar riqueza (pressupondo, como referência, que a Europa crescerá a 2% ao ano e o mundo a 3%).

Os analistas, e mesmo o cidadão comum, aqueles que sentem a necessidade de mudanças estruturais na governação do país, procuram arranjar explicações para o facto de as sondagens continuarem a colocar este PS, com a “gerigonça”, na linha do poder.

E especulam sobre o que terá de acontecer para que os cidadãos venham a optar por uma outra solução política para o país.

As explicações que são dadas para o que dizem ser a dormência e a inércia que se sente no país assentam essencialmente:

1) no apoio que o país recebe (e continuará a receber ainda mais no futuro, vide PRR) do BCE e da UE, com os vultuosos financiamentos e subsídios inerentes, que permitem que os gastos e o endividamento excessivos continuem e que o país não entre em ruptura, mesmo sem se reestruturar,

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2) no facto do nível de vida da maioria, mas não toda, da população não ter apesar de tudo diminuído (muito devido ao ponto anterior), mesmo em situação de pandemia, não se prevendo no curto prazo que tal venha a acontecer,

3) na insuficiente literacia e memória económica da maioria dos cidadãos que não perceberão, ou que não se deixam impressionar, nem com o relativo empobrecimento do país, nem com o aumento significativo e acelerado do risco, que se tem vindo a acumular, de ruptura e de recessão,

4) nas políticas de estatização progressiva desta governação visando a criação de uma base eleitoral com cada vez mais cidadãos dependentes do Estado, seja pelo aumento do funcionalismo público, seja pela via das prestações sociais, ou outras,

5) no facto de quase 50% das famílias não pagar IRS (apesar de naturalmente pagarem impostos indirectos) e, portanto, serem menos sensíveis a quem vai suportar os custos de tudo isto.

Especula-se sobre o que terá que acontecer para que este status quo mude, avançando-se com várias possibilidades:

1) a Europa/BCE deixarem de nos dar a mão, nomeadamente numa situação de aumento da inflação/juros, não suportando mais o nosso endividamento, sem novas exigências de reformas significativas,

2) algum (ou alguns) sector da economia portuguesa com impacto relevante na vida dos portugueses, na sequência do ponto anterior, acabe por ficar bloqueado, o que acelerará a situação de emergência obrigando a que se tomem medidas mais drásticas (como foi o caso da situação crítica da banca no pré troika)

3) pressões e descontrole no orçamento do Estado do lado da despesa em resultado das políticas e medidas encetadas, e dos custos adicionais pelo envelhecimento da população, que implicarão novamente, para além de “cativações nos investimentos”, cortes na compensação dos funcionários públicos ou nas prestações sociais ou um novo “enorme aumento” dos impostos, gerando grande insatisfação popular,

4) uma ainda maior ocorrência e visibilidade de escândalos sucessivos de aproveitamento de recursos e lugares públicos pelas cliques partidárias e famílias no poder, com maior ou menor promiscuidade com o poder económico (ou com a comunicação social), arruinando a reputação de quem governa.

5) a geringonça enquanto plataforma de apoio ao governo deste PS não se conseguir manter, sendo, entretanto, criada uma alternativa credível e mobilizadora na oposição ou mesmo a partir de um outro PS, com novas lideranças, e com parcerias à sua direita.

Nada disto é particularmente ou totalmente disparatado.

Tudo isto existe, tudo isto é triste, mas nem tudo isto é fado.

Daqui não será de se retirar que tudo o que é fruto da governação actual tenha sido até agora mal feito ou que o país já esteja à beira do precipício ou que o desespero deva imperar.

Mas na verdade e no essencial, a governação, com as suas práticas e políticas, não parece estar a corresponder às necessidades do país e dos portugueses.

A análise explicativa e prospectiva até aqui descrita, é curta para se conseguir perceber toda a presente realidade e se poderem perspectivar todas as novas dinâmicas e vontades passíveis de serem criadas para o futuro, sem ilusões ou pretensões de verdades absolutas. Temos que falar nas realidades!

O futuro estará sempre sujeito a múltiplas variáveis e factores, e à forma como interagem entre si, e que continuarão a ocorrer na sociedade e no mundo, inesperadamente e em grande parte de forma não controlável, o que não nos deve impedir de sermos proactivos na procura de uma mudança positiva.

A realidade é que temos em Portugal, no presente e desde há muito, uma sociedade rígida, pouco aberta à mudança e à inovação, cujas regras do jogo e incentivos são perversos e pouco claros. Uma sociedade com abusos de poderes dominantes com cliques partidárias, empresariais, corporativas ou familiares, que ocupam e dispõem de lugares marcados. Por um lado, não permitem o surgimento de novos actores e, por outro, não permitem o fim de projectos sem viabilidade. Não há “destruição criativa”!

A realidade é que não temos uma verdadeira igualdade de oportunidades. E temos, e cada vez mais, demasiadas desigualdades (por ex. seja entre quem tem emprego e quem não tem, entre quem já se reformou e os que se vão reformar, entre quem trabalha no sector público e quem não trabalha, entre quem se torna agora cá residente e os que sempre cá têm vivido, entre quem é simpatizante do partido do governo e quem não é, etc.). E carece ainda de ser endereçada, de forma justa e equilibrada, a elevada desigualdade existente na distribuição dos rendimentos e nos patrimónios.

A realidade é que os cidadãos estão cada vez mais dependentes e sofrem abusos de um Estado, que não os respeita e os tributa com despudor, ele próprio o maior poder dominante, que se encontra principalmente ao serviço de interesses das corporações políticas, e de outras, mais do que ao serviço dos cidadãos, e que, com as suas instituições, mostra insuficiente capacidade de resposta aos desafios existentes.

A realidade é que temos uma sociedade civil em geral fraca e cidadãos com poucos recursos e qualificações, ainda insuficientemente preparados para assumirem todas as suas responsabilidades, buscando demasiadamente o paternalismo do Estado, potenciando os políticos titereiros e procurando pouco a sua autonomia e independência.

A realidade é que temos um país cada vez mais envelhecido com uma taxa de natalidade baixíssima, onde a população activa é cada vez menor por número de reformados e pensionistas.

A realidade é que esta sociedade não é atractiva para muitos dos mais jovens e mais qualificados que fogem para outras paragens onde terão acesso a mais oportunidades e a um nível de vida bastante superior.

Como resultado destas realidades temos uma outra realidade que tudo resume:

O potencial que cada português possui não é suficientemente aproveitado, não apenas para a economia mas para a “construção” conjunta de uma melhor sociedade. Os portugueses não têm uma sociedade de oportunidades e de possibilidades nem ofertas de trabalho razoavelmente remunerado, nem alternativas realistas para outras opções de vida.

Defrontam-se com uma sociedade que não lhes permite alcançar uma maior realização pessoal e profissional, ao mesmo tempo que não dispõem de uma adequada proteção social, que possibilite a todos aspirar a uma vida condigna, a uma rede adequada de serviços públicos e a um sistema sustentável de prestações sociais.

Acresce que esta sociedade não revela capacidade para gerar a riqueza necessária para suportar a médio e longo prazo um modelo social desejável e o modo de vida a que os portugueses aspiram.

É tudo isto no essencial que tem que se mudar. As novas realidades desejadas serão o contraponto a cada uma das realidades actuais aqui descritas.

Com este PS, mais cúmplice da esquerda radical, diferente do PS em fases anteriores (e espera-se do PS futuro) não se descortina a visão, as ideias ou mesmo a vontade prática de contribuir para um projeto reformista, que altere este status quo e que avance para as novas e necessárias realidades.

O desafio agora prioritário é saber como iniciar um processo mais determinado e eficaz que nos permita afirmar as novas realidades que poderão vir a trazer significativamente mais vantagens e benefícios para os portugueses – os de hoje e os vindouros.

No processo a desenvolver, que começa agora a decorrer espontânea e inorganicamente, as principais ideias a ter e as políticas a propor terão de ser maioritariamente provenientes da sociedade civil mais interessada, construtiva e apaixonada, dos cidadãos e dos grupos e organizações que estes constituem, tirando partido de todas as novas tecnologias e plataformas de comunicação, e da possível participação a baixo custo que o mundo da internet permite.

Haverá contributos que surgirão mais estruturados, organizados e profundos e outros menos fundamentados, sendo que o importante é cada vez mais cidadãos irem acreditando em novas formas de organizar a sociedade e de pô-la a funcionar.

As mudanças não poderão ser concretizadas sem partidos e governos que saibam aproveitar e protagonizar as novas dinâmicas que esta sociedade civil passará a solicitar, desenvolvendo o projeto que entendam propor aos portugueses e comunicando-o de forma eficaz e mobilizadora.

Os líderes destas organizações políticas terão de ser espíritos abertos e livres, inspiradores, capazes de “domar” os excessos e as práticas inaceitáveis das máquinas partidárias (mais fácil de dizer do que fazer) renovando-as.

Terão de ser líderes que apostem convictamente em novas realidades e num projecto que, antes das preocupações económicas e de criação de riqueza, assenta em bases filosóficas, de valores, qualitativas e de convicções, e mesmo de emoções, relativamente à evolução necessária da sociedade Portuguesa.

Líderes que acreditem de facto nos portugueses e na sua iniciativa e empoderamento.

Ou seja, devem ser independentes dos pequenos e dos grandes interesses, com uma forte ambição de defender o interesse público, e um pouco menor em satisfazer e afirmar o seu ego e o seu poder não se preocupando em demasia com o seu carreirismo político ou com a preparação da sua “reforma” pós atividades políticas.

Não se pretendem mulheres ou homens santos ou puros, sem pecados ou que nunca no passado falharam ou cometeram erros, mas apenas que os seus interesses, mesmo que legítimos, não venham a esmagar ou a contradizer em absoluto o interesse público, e que tenham uma experiência de vida que não se resuma fundamentalmente à área político-partidária.

A sociedade civil e os cidadãos serão quem tem que proclamar o perfil desejado dos líderes e escrutiná-lo.

Os projectos políticos a serem propostos não têm de ser defensivos nem preservarem os tabus antes têm de ser de ruptura com muitas das práticas existentes, sem deixarem de estar abertos à discussão e às críticas de todos, sem prejuízo de serem tomadas as decisões necessárias. Não são projectos intolerantes, radicais ou de imposição, mas de construção conjunta com a nova maioria de cidadãos que a eles forem aderindo.

Estes líderes, que naturalmente terão uma base ideológica assente na liberdade, na democracia e no humanismo, não têm de se focar nos rótulos e na afirmação obsessiva de que são do centro-esquerda, do centro, da direita ou mesmo da social democracia ou liberais ou mais ou menos conservadores.

Basta afirmarem-se como não socialistas estatizantes, serem abertos à diversidade, também na moral e costumes, sem ditaduras do politicamente correcto, explicitarem e apostarem nas novas realidades e possuírem e comunicarem um conjunto de políticas consistentes, que respondam às necessidades e ansiedades dos cidadãos e das famílias mostrando como as adaptarão, sem exclusões, a cada um dos principais grupos da nossa sociedade (trabalhadores por contra de outrem, por conta própria, funcionários públicos, empresários, crianças, jovens, reformados, deficientes e doentes crónicos, etc.).

Notas:

1 – Estes serão temas a explorar e concretizar em próximos artigos.
2 – Todos os comentários e contributos que os leitores entendam prestar poderão ser dirigidos para acarrapatoso@observador.pt, que serão lidos e valorizados.