As atenções nas eleições brasileiras concentraram-se, compreensivelmente, na disputa presidencial entre Bolsonaro e Lula, mas uma panorâmica mais geral sobre os resultados mostra importantes avanços para a nova direita brasileira centrada em torno do actual Presidente. Além de vários resultados significativos em disputas por Governadores estaduais, a nova direita brasileira reforçou significativamente a sua presença no Congresso, ficando a direita (em sentido lato) maioritária tanto na Câmara como no Senado.

Mas se a esquerda foi em muitos casos penalizada pelo eleitorado brasileiro, mais penalizados ainda foram os representantes da velha direita e do centrão, percepcionados como tendo traído Bolsonaro. Mais do que uma viragem à direita (que existiu), a nova composição do Congresso brasileiro reflecte a reconfiguração do espectro político brasileiro em torno da polarização, por um lado, entre várias esquerdas nas quais pontifica o PT e, por outro, várias direitas, entre as quais se destaca, pelo seu dinamismo, a nova direita nacionalista que combina (bastante) conservadorismo social e (algum) liberalismo económico, agregada em torno de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes.

Seja qual for o resultado do segundo turno, esses ventos de mudança devem ter vindo para ficar, pelo que o impacto do fenómeno Bolsonaro na política brasileira deverá produzir efeitos duradouros mesmo em caso de não reeleição. Uma reeleição que não é de excluir, apesar da vantagem de Lula no primeiro turno. Sendo certo que Lula parte como favorito dada essa mesma vantagem, a verdade é que, depois de a larga maioria das sondagens pré-eleitorais terem subestimado o resultado de Bolsonaro, o momentum está com o actual Presidente. Mais: os resultados da nova direita brasileira no primeiro turno implicam que Bolsonaro conta para o segundo turno com apoio de várias figuras eleitoralmente legitimadas que poderão ajudar a mobilizar votos, em especial nos Estados cruciais de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. A tarefa de Bolsonaro é muito difícil, mas não impossível.

Não obstante a polarização extrema no Brasil motivar preocupação, há razões para estar moderadamente optimista quanto à estabilidade do regime, quer em caso de vitória de Lula, quer de Bolsonaro. O PT mantém a sua matriz identitária de partido revolucionário mas as anteriores passagens pela presidência de Lula (e Dilma) evidenciaram que o regime brasileiro possui freios e contrapesos suficientes para travar as pulsões revolucionárias e impor alguma moderação institucional. A este respeito, a escolha por Lula de Geraldo Alckmin (que foi o principal opositor de Lula nas presidenciais de 2006) é elucidativa e mostra também que é prioritário para o PT não assustar os investidores. Quanto a Bolsonaro, a realidade do exercício do primeiro mandato deveria ser suficiente também para afastar fantasmas de um possível regresso à ditadura, além de que o referido sistema de freios e contrapesos se lhe continuará também a aplicar num eventual segundo mandato (com destaque para o STF, cujo grau de activismo judicial se tem por vezes confundido com oposição política activa ao Presidente e seus apoiantes.

Uma incógnita particularmente interessante em caso de vitória de Lula será o futuro político de Paulo Guedes, o super-ministro de Bolsonaro, estratega e arauto da ala mais liberal da nova direita brasileira. A vitória de Bolsonaro em 2018 não pode ser compreendida sem a articulação entre as duas figuras. Se Bolsonaro foi a face (mais) visível, o líder carismático e o principal porta-voz da nova direita brasileira em ascensão, Guedes foi o estratega e a garantia de solidez e credibilidade na formulação e implementação da política orçamental e económica, aliás com notáveis resultados. Em caso de reeleição, a dupla deverá prosseguir a sua articulação na governação. Em caso de derrota de Bolsonaro, o actual Presidente poderá assumir a liderança da oposição, o que geraria certamente uma dinâmica de reforço da polarização com Lula e com o PT. Mas é possível também que uma derrota gere um vazio de liderança à direita. Guedes seria um interessante candidato a preencher esse vazio de liderança da nova direita brasileira, mas fica por saber se, com o seu perfil essencialmente técnico, terá a vontade e as características de liderança necessárias para tal.

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