Se eleições livres e idôneas são a base da democracia, a desmoralização das instituições que regem o sistema político é o caminho mais curto para o colapso do regime. Desde a reeleição de Dilma Rousseff em 2014, que culminou no impeachmentda petista em 2016, o ideal de democracia no Brasil vem sendo testado. O desgaste da classe política, atolada na lama da corrupção endêmica, e uma crise sem precedentes na história do país criaram o terreno fértil para soluções alienígenas. O processo eleitoral em curso parece ser a última cruzada do esgarçado tecido social brasileiro e sua incipiente democracia.

A menos de uma semana da votação, um cenário pode ser dado como certo: se houver a necessidade de uma segunda volta, esta será entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT).

Contudo, as opções que se apresentam não são nada alvissareiras. Entre um governo exercido pela força e outro pela corrupção, o país arrisca ser comandado por uma teratologia resultante da combinação daquelas duas vicissitudes políticas. Os dois principais postulantes ao cargo mais alto da República não se cansam de avisar a que vieram. Em ambos os lados, a cada declaração estapafúrdia dos candidatos – irresponsável na maioria das vezes –, a cada manifestação exacerbada dos movimentos que sustentam as candidaturas, percebe-se que o risco de quebra da ordem institucional é uma ameaça real e precisa ser considerada pela sociedade brasileira.

A menos de uma semana da votação, um cenário pode ser dado como certo: se houver a necessidade de uma segunda volta, esta será entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). Claro, surpresas de última hora não podem ser descartadas. Bolsonaristas apelam ao chamado voto da “maioria silenciosa”, que ultimamente tem respondido pela desmoralização de institutos de opinião em escala mundial, para liquidar a fatura na primeira volta. Mais comedidos, petistas colocam em marcha uma brutal campanha de desconstrução do adversário de olho numa vitória redentorista na segunda.

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A onda vermelha

É bom lembrar que Haddad não tem voto. O petista foi fragorosamente derrotado na disputa pela reeleição para a prefeitura de São Paulo, já na primeira volta em 2016. No controle da máquina administrativa do terceiro maior PIB do país, deixou o executivo como o pior prefeito da capital paulista. A derrota de Haddad naquele ano foi mais um dos vários fracassos do partido em todo país. Em 2016, o PT perdeu mais da metade das prefeituras que governava. Entre as capitais, o partido conquistou apenas uma, Rio Branco, no distante Acre amazonense. Assolado pela Operação Lava Jato e pelo impeachmentde Rousseff, o partido foi comparado a uma organização criminosa.

Os petistas seguem a rigor o mandamento de Vladimir Lenine: “Acuse os adversários do que você faz, chame-os do que você é”. Foi assim que Lula da Silva e seus sequazes conseguiram esconder Dilma Rousseff e seu desastroso governo.

A incrível virada no jogo do PT, que há apenas dois anos vivia seus estertores, tem várias explicações. A astúcia de Lula da Silva em capturar o debate político antes mesmo de ser preso realizando caravanas pelo Brasil é uma delas. Entretanto, é na inépcia dos adversários que o ex-presidente encontra sombra e água fresca. A incapacidade da social-democracia de Fernando Henrique Cardoso em fazer oposição é impagável. Muitos de seus líderes chegam ao ponto de pedir desculpas por criticarem o PT. As quatro derrotas consecutivas serão agora coroadas com a pífia votação de Geraldo Alckmin, cujo percentual não deve passar de um dígito nesta eleição.

Os petistas seguem a rigor o mandamento de Vladimir Lenine: “Acuse os adversários do que você faz, chame-os do que você é”. Foi assim que Lula da Silva e seus sequazes conseguiram esconder Dilma Rousseff e seu desastroso governo. Michel Temer, duas vezes escolhido por Lula da Silva para vice de Rousseff, pagou a conta pela incompetência da petista. Envolvido numa série de escândalos de corrupção, Temer ficou como culpado por toda a crise do país, inclusive os quase 13 milhões de desempregados. Como bônus, o retumbante fracasso ajudou a queimar ainda mais a imagem da social-democracia, que aceitou participar do governo. Construir falsas narrativas é uma especialidade do lulopetismo.

A Suprema Corte, que deveria proteger a Constituição, atua como parte no esquema. Indicados pelo Presidente da República, cada um dos onze ministros tem sua ideia própria de justiça.

A contribuir para o sucesso da estratégia do PT, está o aparelhamento do Estado. Fontes inesgotáveis de dinheiro, empresas estatais foram colocadas à disposição dos petistas e seus camaradas. Grande parte do Judiciário está ocupada por magistrados militantes. A Suprema Corte, que deveria proteger a Constituição, atua como parte no esquema. Indicados pelo Presidente da República, cada um dos onze ministros tem sua ideia própria de justiça. Decisões tendenciosas, tomadas conforme a cor da bandeira dos partidos, fazem da insegurança jurídica um impulsionador dos incontáveis casos de agressão às instituições democráticas.

O movimento estudantil, os sindicatos e tantas outras organizações sociais (existe uma para cada movimento identitário ou minoria) são verdadeiras capitanias hereditárias do PT e seus partidos satélites. Mantidas com dinheiro público ou contribuições compulsórias, movimentam milhões de reais todos os anos. Este composto, organicamente articulado com uma ideologia radical de esquerda, responde pela eficiência da campanha de Fernando Haddad. Não por fomentar o debate e expor candidatos e seus programas ao escrutínio do eleitor. Mas, sobretudo, por disseminar a desinformação.

Cínicos convictos

Por trás da barulhenta hashtagEleNão, esconde-se um absoluto silêncio sobre os vícios do PT e dos principais oponentes de Haddad, os ex-ministros nos governos petistas (Ciro Gomes, Marina Silva e Henrique Meireles) e Geraldo Alckmin da social-democracia. Para o movimento, corrupção e incompetência administrativa não são problemas. É permitido roubar e lançar o país no caos, desde que trate as mulheres conforme a cartilha do politicamente correto. Numa disputa polarizada, qualquer manifestação que critique apenas um lado faz campanha para o outro.  O cinismo é marca do #EleNão.

Artistas encontraram na campanha oportunidade perfeita de saírem do ostracismo. Entretanto, é preciso capitalizar o máximo de visibilidade, a onda é passageira. Assim, ao vídeo de adesão, seguiu outro de patrulhamento dos colegas que não aderiam ao chamamento “justiceiro”. A “funkeira” Anitta, que trata a mulher como “malandra” nas letras de suas músicas (sim, esta bizarrice rende muito dinheiro no Brasil), foi desafiada por Daniela Mercury. E lá se foi a malandra real, não a da música, gravar seu apoio ao #EleNão.

Em que planeta vivem artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, que se incomodam tanto com o risco de uma ditadura em casa, mas que propagandeiam o regime cubano e se calam diante da excrescência venezuelana?

Afinal de contas, se até Madonna aderiu, por que não Anitta? A ilustre residente lisboeta, aquela que não demonstra nenhum constrangimento em servir-se da “generosidade” da administração municipal que cede a preço irrisório estacionamento para sua frota de 15 veículos, enquanto o cidadão comum paga caro por vagas, também mandou seu recado para Bolsonaro. Note-se: as manifestações e adesões tiveram lugar no mundo livre. Curioso como não há registro de repercussão do movimento nas ditaduras parceiras do lulopetismo.

Sob o manto da defesa da democracia, intelectuais e artistas lançaram seu manifesto na semana passada. Sem qualquer menção ao perigo que também representa o lulopetismo, foram incisivos: “É preciso dizer, mais que uma escolha política, a candidatura de Jair Bolsonaro representa uma ameaça franca ao nosso patrimônio civilizatório primordial”. Pergunta-se: onde estas pessoas estavam quando o Brasil era saqueado pelo PT? Em que planeta vivem artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, que se incomodam tanto com o risco de uma ditadura em casa, mas que propagandeiam o regime cubano e se calam diante da excrescência venezuelana?

A contradição dos artistas e intelectuais brasileiros lembra-nos Raymond Aron ao denunciar as teses equivocadas de Jean-Paul Sartre, n’O Ópio dos Intelectuais. Munido de um relativismo moral, o filósofo existencialista queridinho da esquerda condenava a violência do colonialismo francês. Ao mesmo tempo, Sartre fechava os olhos aos milhões de assassinatos de Stalin. Claro está que, além do monopólio das virtudes, a esquerda reclama para si a exclusividade da violência. Em sua versão mais cínica, violência pode ser traduzida pela privação da alma a ideias autônomas e à liberdade do espírito.

Como disse Roberto Campos, “o PT é um partido de trabalhadores que não trabalham, estudantes que não estudam e intelectuais que não pensam”.

Uma das melhores definições do PT saiu da pena de Roberto Campos. Voz solitária do liberalismo durante décadas no Brasil, o antigo diplomata e político notabilizou-se por sua intransigente defesa da liberdade e pela luta contra os embustes esquerdistas. Sentenciou Campos: “O PT é um partido de trabalhadores que não trabalham, estudantes que não estudam e intelectuais que não pensam”. O nível da disputa eleitoral em curso, marcada pelo caráter plebiscitário acerca do lulopetismo, dá-nos a perfeita dimensão da assertiva de Campos.

Na linha de chegada

Se a disputa presidencial assumiu contornos de conflagração, as eleições para governadores e deputados seguem o ritmo ditado pelos “caciques” políticos locais. A polarização, quando acontece, se dá em torno de nomes e não de ideologias. De todo modo, é possível identificar sólida presença do PT e de seus satélites nos estados do Nordeste – os mais pobres e de menor escolaridade –, nos quais muitas disputas serão resolvidas na votação de domingo próximo. Isso certamente explica a dianteira que Fernando Haddad assumiu na região. Da mesma forma, o débil desempenho de Geraldo Alckmin para presidente resulta, em parte, da fraca performance da social-democracia na disputa pelo executivo nos estados.

Não menos cômico, mas igualmente trágico, é constatar que o PT se aliou nos estados a lideranças e partidos que votaram a favor do impeachment de Rousseff.

Contudo, a eleição para governador de Minas Gerais destoa das demais e assume a dimensão plebiscitária percebida na corrida presidencial. Numa reprise de 2014, a social-democracia e o PT travam uma revanche sobre o lulopetismo junto ao eleitorado mineiro. O ingrediente especial do duelo é a presença de Dilma Rousseff, que escolheu Minas para concorrer a uma cadeira no Senado. Segundo sondagens, que estão prestes a se confirmar, no estado ela teria maiores probabilidades de vitória. Contudo, sem perdão, a ex-presidente portadora de um neurônio solitário continua a brindar a plateia com seus discursos indecifráveis. Seria cômico se não fosse trágico, Rousseff foi eleita presidente do Brasil duas vezes.

Não menos cômico, mas igualmente trágico, é constatar que o PT se aliou nos estados a lideranças e partidos que votaram a favor do impeachment de Rousseff. Como ficam os milhões de brasileiros, cujo coro foi engrossado em Portugal pela deputada Joana Mortágua, que gritaram “golpe”? Não ficam, disfarçam. Na defesa dos camaradas, tudo é permitido. O poder é o leitmotivque conduz pessoas sem qualquer compromisso ético em direção a suas ambições políticas. Não há conflito moral quando o que está em causa é o ideal revolucionário.

A mando de Lula da Silva, Haddad abraçou os “coronéis” do Nordeste, símbolos do que há de mais atrasado na política brasileira. Para garantir vitória numa segunda volta, o chefe petista articula acordos, distribui dinheiro e promete cargos de dentro da cela-escritório. Um governo petista começa antes mesmo de acabar a eleição. É pragmatismo elevado à máxima potência. Num país em que a pobreza grassa, parece não ser problema gastar fortunas do dinheiro público em financiamento de partidos e campanhas eleitorais. Uma vista d’olhos nas prestações de contas acusa rapidamente que boa parte dos recursos é usada para irrigar contas de advogados e marqueteiros envolvidos nas tramoias de Lula da Silva.

O lulopetismo carrega todas as obscenidades da política sindical. Não que esta mereça ser feita de forma sórdida. Mas a influência do marxismo-leninismo torna a imoralidade uma via de mão única para o PT. É pressuposto que, dentre os integrantes da classe política, somente um capitão do exército teria capacidade de fazer a leitura de situação correta e afinar um discurso aglutinador do sentimento de mudança da população. Bolsonaro assumiu o posto de liderar o antipetismo.

Após quase três décadas de parlamento, escapar ileso de ter o nome lançado na vala comum da corrupção é um grande feito. Apesar das declarações inadvertidas do candidato e seu staff, Bolsonaro não promete fechar o Congresso, dar golpe, nem instalar uma ditadura. Mas campanha e mandatos são dimensões distintas da política. Uma chapa puro sangue militar é, no mínimo, motivo de desconforto num país de histórico golpista. Todo cuidado é pouco para não ter um governo exercido pela força.

O colapso do centro político, forças teoricamente comprometidas com soluções conciliatórias, faz do futuro imediato um lugar pouco seguro para se depositar a esperança de o Brasil reencontrar a promessa de país do futuro.

Do lado petista, o passado recente não se deixa enganar. O governo é exercido pela corrupção. Entretanto, José Dirceu, o homem forte do primeiro governo Lula, estrategista do PT e espião cubano (não existe ex-espião vivo), prometeu em entrevista recente: “nós vamos tomar o poder, que é diferente de ganhar uma eleição”.A possibilidade de um governo corrupto e autoritário, nos moldes das republiquetas latino-americanas, fica mais evidente quando se lê o plano de governo de Haddad. Recheado de ameaças às instituições democráticas, o documento preconiza textualmente instalar no país uma “soberania popular em grau máximo”. O bolivarianismo da Venezuela promete desembarcar no Brasil a partir de 2019.

O colapso do centro político, forças teoricamente comprometidas com soluções conciliatórias, faz do futuro imediato um lugar pouco seguro para se depositar a esperança de o Brasil reencontrar a promessa de país do futuro. Retrospetivamente, a conjuntura interna organizada e o cenário econômico mundial favorável de 2003 (início da catástrofe petista) não existem mais. A política doméstica é algo próximo da tragédia e o contexto internacional está muito mais hostil. Sobre esta sina, Roberto Campos escreveu: “o Brasil não perde oportunidade de perder oportunidades”.

Jornalista e doutorando em Ciência Política e Relações Internacionais no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. Pesquisa os desafios do multilateralismo liberal no presente contexto de transformação da ordem mundial.