Com Setembro à vista e o regresso do país às rotinas, começamos a ver e ouvir notícias em catadupa, um pouco por todo o lado, das diversas rentrées. Ela é política e então assistimos ao regresso dos debates e fóruns, à troca de galhardetes, às figuras que se posicionam, ao Orçamento de Estado… Ela é escolar e há que pôr as mãos à cabeça por causa da lista de material a adquirir, dos manuais a trocar ou a comprar, num esforço financeiro suplementar para as famílias… Ela é literária e cultural e somos estimulados com novidades e lançamentos, agendas fresquinhas de iniciativas, concertos e espectáculos com que sonhamos ir… Ela é doméstica e atiramo-nos com garra organizativa aos armários e roupas que deixaram de servir aos miúdos, “que deram um salto” nas férias. Ela é também profissional e, energizados com os dias de descanso mais ou menos ensolarados, voltamos ao trabalho com um misto de sensações antagónicas, do tipo “ohhhh, nem acredito que as férias já acabaram” juntamente com “vamos lá arrancar com aquele projecto novo”. É esta rentrée em particular que gostaria hoje de explorar, a propósito de me ter recordado do Daniel [nome fictício] e daquele seu Setembro.

Há um ano e meio que Daniel, hoje com 47 anos, vive um verdadeiro inferno desde que o novo director iniciou funções lá na empresa. Um clima de medo instalou-se entre os colaboradores, que todos os dias enfrentam gritos e humilhações e sofrem as consequências das mudanças súbitas de humor deste chefe que usa e abusa de estratégias intimidatórias e hostis. O Daniel, em particular, por ser responsável pela área de Comunicação, tem de lidar muito proximamente com este director, que, sempre que é confrontado com uma ideia diferente ou que não compreende o insulta, o ameaça com despromoção e perda de vencimento e lhe atira com quaisquer objectos que estejam por perto, dominado pela raiva. Fica muitíssimo ansioso sempre que o seu telemóvel toca porque, entretanto, os telefonemas e mensagens do chefe passaram a não respeitar qualquer horário ou período de descanso e sem nenhuma distinção entre o que é, de facto, urgente do que não é.

Mais recentemente, depois das férias, foi afastado dos seus colegas tendo o seu posto de trabalho sido mudado para um gabinete minúsculo e sem janelas que servia até então de arrumos e impedido de falar com o chefe. Lavado em lágrimas, diz-me que tem muito medo de ficar desempregado, porque já não é nenhum jovem e que não sabe mais o que fazer. Queixa-se da injustiça tremenda de que é alvo e lembra o tanto que se dedica ao trabalho na empresa, investindo do seu próprio bolso em formação profissional e aos fins-de-semana. O Daniel é vítima de assédio moral no local de trabalho. Quando lho disse, abriu os olhos surpreso, ouvindo pela primeira vez tal coisa apesar de constar agora explicitamente na lei n.º 73/2017 e de o assédio moral ser uma das causas mais graves de riscos psicossociais, com enormes consequências para a saúde.

Algumas (poucas) organizações têm práticas de promoção da saúde e do bem-estar dos seus trabalhadores, procurando desenvolver iniciativas com este propósito. Mas a promoção da saúde no local de trabalho não se faz só com actividades como corridas anuais ou aulas de ioga ao final do dia. As empresas devem proactivamente estabelecer planos de prevenção dos riscos psicossociais para, simultaneamente, acautelar o bem-estar dos seus colaboradores e as condições para o seu desenvolvimento profissional, contribuindo assim para a melhoria da sua competitividade. A sociedade deve exigir, por todos os meios, que as organizações assumam esta sua responsabilidade social para com a saúde que é de todos (e não só do Daniel).

E a propósito de rentrées… dia 4 de Setembro é o Dia Nacional do Psicólogo.

Teresa Espassandim é psicóloga especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, Psicologia da Educação, Psicoterapia e Psicologia Vocacional e do Desenvolvimento da Carreira

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