Muito boa notícia esta, a de que Portugal conta com um novo máximo histórico – mais 51 mil estudantes no ensino superior público, após o apuramento dos resultados da primeira fase do Concurso Nacional de Acesso, e que o Governo estima um total de 95 mil este ano, consentâneo com o esforço que há anos se tem vindo a fazer para minorar o impressionante fosso que nos distancia da Europa em matéria de educação e formação superior e na promoção dos níveis de qualificação dos Portugueses. Segundo dados da Pordata, em 2020 são 396909 os estudantes de ensino superior o que, comparativamente com a realidade do ano em que nasci, representa um aumento de 79,4%! Mas quem quer saber do passado, particularmente de um que não nos orgulha muito?

No entanto, considerar estas estatísticas sem expressar curiosidade pelo número de diplomados em cada ano, não seria muito transparente ou justo para com todos os contribuintes portugueses que financiam em grande parte o ensino superior público. E aí, os dados não são tão entusiasmantes, porque para tal contribuem vários factores que continuam a não ser tão eficazmente prevenidos quanto poderiam. Refiro-me ao fenómeno do abandono, ao insucesso académico, à insatisfação vocacional, ao mal-estar psicológico e doença mental em contexto de ensino superior.

Grande parte das universidades e politécnicos do país persiste em não investir efectivamente, ou apenas superficialmente, na prevenção destes problemas que impactam a concretização da sua missão. Face à pressão que o número crescente de estudantes coloca, dos reptos que o mundo VUCA (acrónimo de Volatility, Uncertainty, Complexity and Ambiguity – volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade) grita, das assimetrias sociais que se expõem, com ou sem máscara, é realmente impressionante que contextos de ciência e de inovação por excelência não contemplem, de forma generalizada nos seus planos estratégicos e de actividades e orçamento, apostas claras na aplicação da ciência psicológica que mitiguem os desafios com que se defrontam. O número de psicólogos e de serviços de apoio ao estudante nas instituições de ensino superior mantém-se quase intacto desde há 20 anos; o rácio destes profissionais por estudante é tão insignificante, que quase parece anedótico e contrastante com o investimento realizado no ensino básico e secundário; as actividades de prevenção e de promoção do bem-estar e da saúde psicológica pouca expressão assumem no quotidiano, apesar da sua correlação positiva com o sucesso académico e a sua relevância para a sustentabilidade dos sistemas, num país que tão poucos recursos tem; a disponibilidade de oferta de serviço de apoio psicológico e aconselhamento é muitíssimo aquém da procura, considerada a prevalência de problemas de saúde mental na população estudantil, ficando assim as listas de espera a crescer e a saúde a deteriorar-se; uma certa visão limitada e limitante do papel do psicólogo perdura no contexto de ensino superior, materializada na lembrança destes profissionais aquando de episódios de ataques de pânico, crises psicóticas e de comportamentos suicidários ou situações de violência nos campi.

É com admiração, que ano lectivo após ano lectivo, não veja as parcas respostas existentes no ensino superior serem robustecidas e complementadas, pelo menos progressivamente, com recursos destinados ao aumento da literacia em saúde, desenvolvimento de competências sociais e emocionais e de métodos de estudo, programas de mentoria facilitadores da integração académica ou da transição para o mercado de trabalho, ajustamento e avaliação das metodologias e estratégias de ensino-aprendizagem (à distância e presenciais), adopção de comportamentos de gestão pessoal da carreira, observatórios de sucesso académico e investigação-acção, informando a tomada de decisão institucional, a construção de contextos educativos seguros, inclusivos e saudáveis… Que sensibilização, estímulos assertivos e medidas poderiam ser adoptadas que não belisquem a autonomia das instituições de ensino superior, mas que as ajudem, aqui-e-agora, a olhar para os seus estudantes enquanto pessoas e cidadãos e não só como alunos? Para onde é que as universidades e politécnicos olham quando se assinala, neste sábado, 10 de Outubro, o Dia Mundial da Saúde Mental? Será que houve o cuidado de informar os candidatos ao ensino superior das (não) respostas existentes?

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