Seguindo a pista de Fernando Pessoa no seu poema “Ano Novo”, em que sustenta a ideia “Ficção de que começa alguma coisa! Nada começa: tudo continua (…) Começar só começa em pensamento”, é comum fazerem-se balanços e esboçar as famosas resoluções de ano novo que, à falta de se orientarem para a adopção de um novo hábito, ou para introduzirem algo novo na vida, se revelam menos bem-sucedidas por que focadas em evitar, desistir ou reduzir qualquer coisa. Exemplos populares são as relacionadas com a saúde física, a perda de peso, a mudança de hábitos alimentares ou o crescimento pessoal. A ciência psicológica tem demonstrado que reenquadrar ou reformular os objectivos (que iniciam com o tal pensamento), colocando a ênfase num novo comportamento, aumenta as probabilidades de mantermos a adesão aos mesmos. “Comer legumes e fruta duas vezes por dia” em vez de “comer menos doces e guloseimas”; “caminhar três vezes por semana ao final da tarde” em vez de “ver menos séries de televisão no sofá” são propostas mais efectivas e que são potenciadas com a aprendizagem de estratégias motivacionais e para lidar com os obstáculos que surgem e nos sabotam no dia-a-dia.

Se em alternativa às resoluções individuais de ano novo nos voltássemos, por uns instantes, para as resoluções das empresas e organizações, poderíamos imaginar uma nova e impactante direcção, que se poderia iniciar com o pensamento em torno de “o que fazer para aumentar o bem-estar dos trabalhadores e assim a produtividade?” ao invés de “o que fazer para as pessoas faltarem menos ao trabalho ou cometerem menos erros e perderem tempo e dinheiro?”. E dando corda a esse pensamento, este poderia assumir contornos mais específicos, ganhando a dimensão de estratégia e depois, então, concretizar-se em objectivos operacionais centrados na eficiência e na valorização das pessoas.

Já anteriormente aqui abordei este tópico, referindo-me à incoerência entre a falta de investimento na potenciação do factor humano e o bendizer-se as pessoas enquanto capital mais relevante do activo do balanço das empresas. Mas é certo que ainda são poucas as realidades e contextos de trabalho em que se aplica a evidência científica disponível e de forma consistente. Continua a não se desenvolver as competências dos colaboradores para a autonomia na tomada de decisão, em detrimento de práticas de gestão que favorecem decisões muito hierarquizadas, centralizadas e desresponsabilizantes, pouco promotoras de auto-eficácia, de vinculação à organização (aumentando assim o turnover e os custos a ele associados) e de saúde, com a consequente perda de produtividade ou de ineficiência para o cumprimento da sua missão. Apliquemos, aqui, muito rapidamente: atribuir a operários a responsabilidade de tomar a decisão de parar a produção quando detectam uma não-conformidade, ao contrário de esperar pela decisão do superior hierárquico, às vezes bem lá no topo da pirâmide; dar a possibilidade a um trabalhador em contacto directo com um cliente de decidir a melhor resposta para o problema que este apresenta, ao invés de ter que remeter a decisão para o seu chefe e para um outro momento posterior.

Se os administradores, gestores e colaboradores portugueses desejassem – ao som das badaladas da meia-noite da passagem de ano, do alto de um banco, vestindo roupa interior azul, comendo uma a uma as doze uvas-passas de uma mão enquanto que com a outra segurassem uma nota de cinquenta euros – locais de trabalho saudáveis para o país, 2021 não seria apenas um ano de regresso ao normal, como se espera fervorosamente, mas antes a um novo normal: de saúde e bem-estar, produtividade e sustentabilidade dos negócios, dos empregos e dos sistemas públicos. Cuidado com o que deseja! Era bom, não era? Infelizmente, desejar não basta…

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