O programa Simplex faz lembrar o Regulamento Geral de Proteção de Dados  inexistente no quotidiano dos portugueses. Basta ir ao supermercado para uma fila inteira ouvir o nosso número de contribuinte. Ou a alguns serviços de saúde onde perante uma plateia silenciosa fazem questão de repetir em voz alta o número de telemóvel, o endereço de correio eletrónico e a morada.

Em 2021 (a 26 de janeiro), o Governo instituíu o Dia Nacional da Participação com o objetivo de modernizar os modelos de gestão e de proximidade entre o cidadão e a administração pública. Dois anos depois, muda a imagem do Simplex realçando que “vai ajudar pessoas e empresas”. Entre as medidas, congratula-se com a ideia peregrina de todas as faturas sem papel; creio que todos sabemos que regra geral as faturas com nif aparecem diretamente no e-fatura. Mas na prática, se precisar de trocar um artigo, devolver ou comprovar que está na garantia? Ou quando se carregam os títulos de transporte e por alguma razão os mesmos não funcionam (recorrente a quem anda de transportes públicos), alegam que pagaram na papelaria X à hora Y?

O Simplex prevê igualmente a digitalização dos exames médicos, o que levanta dúvidas não só operacionais, como de salvaguarda de dados sensíveis. Se por um lado, temos  uma população envelhecida e por outro,  integramos várias outras nacionalidades que não dominam necessariamente a nossa língua, nem este maravilhoso mundo dos algoritmos e das plataformas digitais, como  ordenar a estas pessoas que acedam aos seus exames através de uma plataforma? É preciso não esquecer que quando o homem chegou à lua, em Portugal, a luz estava a chegar a Pataias (em Alcobaça).

Entre outras medidas, apregoa-se a autenticação biométrica que alegadamente dispensa a deslocação do cidadão a um serviço público, ativando assim a assinatura e a chave móvel digital. Resta saber se os serviços públicos espalhados pelo Pais estão capacitados para responder de forma presencial e online às questões do cidadão? Creio que todos conhecemos esta resposta.

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Para comemorar o segundo aniversário do Dia Nacional da Participação (certamente desconhecido pela maioria da população), o Secretário de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa, Mário Campolargo, apresentou a nova imagem deste Simplex, apelando à participação de todos os portugueses e realçou o empenho do governo nos canais digitais, dizendo que o atendimento presencial se vai manter para “casos mais complicados” ou de “iliteracia digital”. Para quem viva num centro urbano e a internet seja uma ferramenta de trabalho, será inócuo. Mas olhemos fora do nosso umbigo. Vivemos todos em cidades tecnológicas e somos todos capacitados?

Há que resolver as necessidades do país real, para depois se avançar para a mitigação da iliteracia digital. Em 2021, o mesmo ano em que o Governo decidiu criar este Dia Nacional da Participação, dezenas de escolas pelo País não tinham acesso a bandas largas ou internet de qualidade; aliado aos números reais de alunos sem o seu próprio computador. Acrescentemos que em 2021 a Eurostat revelou que Portugal era o terceiro país da União Europeia onde mais pessoas nunca usaram a internet (atrás da Bulgária e da Grécia).

Ao nível das empresas, é ainda mais o absurdo desta demagogia Simplex. Não existe ainda um acesso digital exclusivo para as empresas cumprirem a tempo e horas sem constrangimentos as suas vastas obrigações fiscais.

Outro exemplo: quanto tempo demora a Segurança Social a responder a um e-mail ou a uma mensagem enviada através do portal? Qual a taxa de sucesso em termos de eficácia de resposta do Portal da Saúde, onde o utente pode agendar consulta no seu Centro de Saúde?

Os dados estão lançados e se as medidas do Simplex avançarem à mesma velocidade que a internet de banda larga sem a priori se resolver a temática da “iliteracia digital”, daqui a um ano, no aniversário deste Dia que se lembrou de instituir, estará o Governo a comemorar exatamente o quê? O dever de qualquer governo e da Democracia é o de proteger as pessoas e não de administrar as suas vidas.