A solução para a reforma do Estado está onde menos se espera. Têm que ser os empresários a liderar essa reforma, levando consigo os cidadãos, os órgãos de comunicação, os partidos políticos, as escolas e as restantes instituições públicas e privadas.
Mas antes de desvendar a solução, é importante compreender o funcionamento do Estado. Não me refiro à sua finalidade, que é promover o bem comum, mas sim ao seu funcionamento na prática, que é determinado em grande parte pelos governos dos partidos políticos que ganham as eleições.
Na sua essência, em Portugal o Estado transforma impostos em benefícios sociais, tais como segurança, defesa, justiça, educação, saúde, regulação, subsídios, pensões, financiamentos, entre outros. Sinteticamente, cidadãos, empresas e outras entidades pagam impostos ao Estado, recebendo em troca benefícios sociais:
Quem exige mais benefícios sociais está a exigir mais impostos. E quem exige menos impostos está a exigir menos benefícios sociais. É uma ilusão pensar que se pode exigir mais benefícios sociais (sem aumentar impostos) ou exigir menos impostos (sem reduzir benefícios sociais) por contrapartida de ganhos de eficiência no Estado, porque esses ganhos são marginais se não se reduzirem as funções do Estado.
Quando os empresários de um sector pedem subsídios, ou taxas de imposto reduzidas ou outras medidas de natureza económica que favoreçam a sua actividade, estão a pedir ao Estado que entregue às empresas desse sector parte dos impostos cobrados aos cidadãos e às empresas dos outros sectores, ou então que cobre menos impostos às empresas desse sector por contrapartida de maior cobrança aos cidadãos e às empresas dos outros sectores. Ao pedir ajuda financeira (que é um tipo de benefício social) ao Estado, os empresários estão a pedir mais impostos.
Dando um exemplo recente, os empresários do sector da cultura conseguiram que o Estado criasse uma nova taxa com a lei da cópia privada (os puristas dirão que uma taxa não é um imposto, mas neste caso o efeito prático é o mesmo). Assim, o Estado obterá proveitos adicionais para os dar a um grupo limitado de agentes económicos.
Além dos impostos, há outras duas formas do Estado obter receitas para suportar os custos dos benefícios sociais, que podem atenuar a relação directa entre impostos e benefícios sociais mas não alteram a essência dessa relação.
A primeira forma é o endividamento do Estado:
Para que o Estado possa dar mais benefícios sociais do que cobra em impostos, pode pedir dinheiro emprestado a credores, que exigirão o pagamento de juros e a devolução do capital. Quando alguém defende que o Estado deixe de pagar juros, está a defender que os credores emprestem dinheiro sem esperar nada em troca…
Esta forma de dar benefícios sociais além do que o Estado consegue obter com impostos tem funcionado desde há muito tempo. E pode ser perpetuada, mas comporta riscos, especialmente quando os credores perdem confiança na capacidade de recuperação dos juros e do capital emprestado. Nessa altura podem exigir taxas de juro muito elevadas ou simplesmente deixar de emprestar. Passámos recentemente por essas duas situações e, na iminência da bancarrota, fomos submetidos a uma tutela externa, que teve como consequência um brutal aumento de impostos. Isso, por sua vez, teve como consequência o aumento do desemprego, a contracção da actividade económica e outros efeitos negativos para os cidadãos.
A segunda forma é a criação de monopólios aos quais é permitida a cobrança de taxas específicas:
Para que o Estado possa dar mais benefícios sociais do que cobra em impostos, pode criar monopólios para obter dinheiro dos cidadãos, das empresas e de outras entidades através de um complemento aos impostos, a que se chama taxas de serviço público. Que taxas são essas? Distribuição de água, recolha e tratamento de lixo, produção e distribuição de electricidade, distribuição de gás, transportes, portagens, estacionamento, actos médicos, emergência médica, propinas, circulação automóvel, televisão, rádio, …
Esta forma de dar benefícios sociais além do que o Estado consegue obter com impostos também tem funcionado desde há muito tempo. Pode ser perpetuada tal como a primeira forma, mas comporta riscos de ineficácia, ineficiência, desperdício e corrupção. E temos assistido repetidas vezes, ao longo dos anos, à necessidade de destinar receitas dos impostos para suportar as perdas, quando as taxas cobradas são inferiores aos custos que os monopólios têm para prestar os bens e serviços correspondentes, tanto no sector público empresarial como no sector público administrativo.
Alguns destes monopólios já foram concessionados ou vendidos a agentes privados, sendo indispensável para o seu êxito ter uma regulação isenta e bem qualificada que defenda os interesses dos clientes. E em Portugal há uma enorme necessidade de evolução na qualidade da regulação, em todos os sectores de actividade.
Outra consequência do aumento de benefícios sociais é o incremento da dimensão do Estado. Por exemplo, para dar subsídios às empresas é preciso regulamentar a tipologia das ajudas e os critérios de decisão, criar equipas para receber e analisar os pedidos de subsídio, atribuir espaços de trabalho e equipamentos a essas equipas, entregar os subsídios, monitorizar a sua utilização e tratar situações de incumprimento. Isto representa um enorme dispêndio de energia e de dinheiro, potenciando relações indesejáveis entre funcionários do Estado e dirigentes das empresas. E desvia a atenção das empresas do essencial, que é servir bem os seus clientes.
A dimensão do Estado é muito importante para outros dois grupos de interessados, os fornecedores e os funcionários. Quanto mais bens e serviços o Estado compra aos seus fornecedores, maiores são os pagamentos e, consequentemente, mais impostos, taxas e/ou empréstimos são necessários. Quando os funcionários do Estado, tanto do sector administrativo (ministérios, regiões, autarquias, etc.) como do sector empresarial (transportes, distribuição de água, recolha de lixo, etc.), pedem aumentos salariais acima dos aumentos de produtividade, estão simultaneamente a pedir que o Estado cobre mais impostos e taxas aos cidadãos e às empresas e/ou obtenha mais empréstimos.
Em suma, quem defende uma maior intervenção do Estado (mais benefícios sociais), está a defender um maior nível de carga fiscal (impostos e taxas) e/ou um maior endividamento a credores.
Um exemplo disto é a evolução das pensões. Ao longo dos anos, estes benefícios sociais foram aumentando sucessivamente, ao ponto de já representarem 34,3% dos impostos.
Feita esta reflexão, então como reformar o Estado? Como os governos actuam em função do que os cidadãos pretendem, pois elegem as forças políticas com os programas que preferem, para reformar o Estado é indispensável alterar antes a pretensão dos cidadãos. Cada pessoa deve interrogar-se sobre se prefere ter uma percentagem elevada de decisões sobre a sua vida ou se prefere que sejam os funcionários do Estado a decidir por si numa percentagem elevada de situações. A questão é se cada cidadão prefere entregar uma parcela elevada do seu rendimento ao Estado (recebendo em troca muitos benefícios sociais) ou se prefere entregar uma parcela reduzida do seu rendimento ao Estado (recebendo em troca alguns benefícios sociais) e obter autonomamente os outros benefícios sociais que quiser.
Alguns cidadãos respondem a esta questão dizendo que querem entregar pouco do seu rendimento ao Estado, mas querem que o Estado retire muito rendimento aos outros cidadãos e que se endivide o que for preciso, para lhes dar muitos benefícios sociais. Esta resposta tem sido predominante pelo menos desde o tempo dos descobrimentos. É atractivo viver à custa dos outros…
Quando a maior parte dos cidadãos votantes responder a esta questão no sentido de ter maior autonomia e, portanto, menos empreendimentos e menos intervenção do Estado, então vai começar a verdadeira reforma.
É esta a solução para a reforma do Estado: acabar com a pedinchice ao Estado. Nessa altura, a competição entre os partidos políticos deixa de ser sobre quem vai oferecer mais aos diferentes grupos de cidadãos e passa a ser uma competição sobre quem vai dar melhores condições para os cidadãos progredirem autonomamente, dando salvaguardas aos que estão em situação de debilidade. Como diz o provérbio, “não dês o peixe, ensina a pescar”.
E quem pode liderar este processo de transformação? Os empresários! Têm que ser os empresários (e os gestores de topo) a liderar pelo exemplo. Como? Abolindo da sua linguagem os termos subsídios, favores, benefícios, benesses, patrocínios, excepções, apoios, ajudas, ou outros equivalentes. Isto exige interiorizar e levar à prática o lema “Eu não quero ajuda financeira do Estado, mas exijo que seja eficaz e eficiente nas suas funções”.
Com o exemplo dado pelos empresários e pelos gestores de topo, os outros cidadãos poderão mudar as suas pretensões quanto ao papel do Estado, quer actuando individualmente quer agindo como decisores nas empresas, nas associações representativas das empresas, nas escolas, nos órgãos de comunicação, nos governos, nos partidos políticos e nas outras entidades públicas e privadas.
Este processo de mudança não será fácil, mas só será viável se o exemplo for dado pelos líderes, por isso termino com um desafio para os empresários e os gestores de topo: preparem as suas empresas para a competição mundial, sem a ajuda financeira do Estado.
Filipe Simões de Almeida é empresário.