O Imposto Único de Circulação (IUC) procura onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam através da circulação nos seus veículos. Nesse sentido, os veículos ligeiros de passageiros com matrícula posterior a 2007 são tributados com base na cilindrada e nas emissões de CO2. No entanto, os veículos de matrícula anterior a 2007 e os motociclos têm sido apenas tributados com base na sua cilindrada.
A reforma prevista no Orçamento do Estado para 2024 prevê que estes últimos passem agora a cumprir as exigências ambientais, através da introdução da componente ambiental do imposto. Segundo o documento, “a reforma terá um limite de 25€ por veículo em 2024, sendo este progressivamente aumentado até que a taxa de IUC represente a totalidade da tributação relativa ao CO2 emitido por estes veículos.” De forma a responder à questão ambiental, de notar também a conjugação desta medida com a criação de incentivos ao abate de veículos antigos, promovendo a renovação do parque automóvel e a descarbonização do transporte de passageiros.
Se, por um lado, a medida de agravamento do IUC para os veículos de categoria B anteriores a 2007 e motociclos visa acautelar e combater as alterações climáticas, tendo em conta o caráter poluidor dos mesmos, tal reforma poderá ter igualmente como objetivo compensar a perda de receita associada à redução das tarifas das portagens em algumas autoestradas ex-SCUT, no valor de 72,4 M€. Assim, as receitas do IUC para o Estado deverão aumentar 20,1%, em cerca de 98,1 M€.
Na prática, se a política de pagamento de tarifas pela utilização de autoestradas portajadas seguia uma ótica de utilizador-pagador, a mais recente medida segue a lógica inversa, uma vez que, no campo ambiental, todos “pagamos” pela utilização intensiva de meios de transporte não sustentáveis, ou, por outro lado, todos acabaremos por pagar a redução das tarifas sobre a circulação nas referidas autoestradas.
No entanto, importa ter em conta que a mais recente medida, apesar da sua pertinência no campo do combate às alterações climáticas, apresenta algumas inconsistências e impactos no rendimento disponível dos cidadãos, com foco particular no caso dos mais desfavorecidos. Atualmente, o número de veículos de matrícula anterior a 2007 ronda os 3 milhões, segundo o jornal Eco, de um total de mais de 5,6 milhões existentes em Portugal (ACAP, 2021). Deste modo, esta medida irá impactar cerca de 54% dos veículos. Importa ter, ainda, em conta a relação entre os indivíduos com baixos níveis de rendimento e os indivíduos detentores destes automóveis, na medida em que tendem a ser os cidadãos com menos posses económicas a ter mais dificuldade em renovar o seu parque automóvel.
A componente ambiental do IUC, ao incidir de igual forma em automóveis detidos por indivíduos com maiores ou menores rendimentos, implicará, pois, o dispêndio de uma fração maior de rendimento para os contribuintes mais pobres, comparativamente aos mais ricos – imposto regressivo.
Apesar da indiscutibilidade da necessidade de Portugal renovar o seu parque automóvel, já que 1 em cada 4 automóveis tem mais de 20 anos, e sendo legítima a igual aplicabilidade da componente ambiental do IUC também aos veículos de matrícula anterior a 2007, dado o seu caráter tão ou mais poluidor, não seria razoável que existisse uma atenuação, por outra via, do impacto que o aumento deste imposto terá nas carteiras dos contribuintes teoricamente mais pobres, acompanhada de uma maior variedade de incentivos à compra de carros menos poluentes?
Olhe-se para o paradigma de outros países, como a Noruega, Alemanha e França, e para o sucesso associado à adoção de medidas como a isenção de impostos de importação e venda de carros elétricos; o acesso gratuito/exclusivo para automóveis elétricos a diversas áreas ou bolsas de estacionamentos; a concessão de subsídios para a aquisição de veículos não poluentes; a difusão da criação de zonas de baixa emissão carbónica, com vista à eliminação do tráfego automóvel do centro das grandes cidades; ou a difusão de meios de transporte alternativos, como a bicicleta.
Será o imposto pigouviano a forma mais eficaz e eficiente de potenciar uma menor circulação automóvel? Ou será o problema português um problema de mentalidades?