A menos de dois meses das eleições legislativas, e após a dissolução oficial do Parlamento pelo Presidente da República, os partidos começam a delinear as suas trajetórias e retóricas de campanha. No entanto, cada vez é mais notório ao que vêm os partidos de direita, ou, por outro lado, ao que não vêm: a uma oposição construtiva, coesa, transparente para com os eleitores e que vá ao encontro do interesse coletivo dos portugueses.

Com a constituição (ou recuperação) da Aliança Democrática, PSD, CDS-PP e PPM uniram-se numa tentativa de demonstração de coesão e de manutenção dos valores que pautaram a AD de 1979, liderada por Francisco Sá Carneiro. No entanto, a formação desta Aliança apresenta valores norteadores bem distintos dos de outrora.

O Partido Social-Democrata, líder incontestável da Aliança, tem procurado seguir uma trajetória que se distancia inequivocamente do que deve ser uma direita moderada, defensora do Serviço Nacional de Saúde e de serviços públicos e de interesse económico geral. As mais recentes saídas do partido em rotura com a atual liderança dizem isso mesmo, como revelou Maló de Abreu, antigo Vice-Presidente de Rui Rio. Por outro lado, históricos como Duarte Pacheco e Fernando Negrão deixarão de ser aposta, ao invés do que acontece com Luís Newton, envolvido no processo Tutti Frutti.

É, portanto, um PSD que privilegia o regresso de candidatos rejeitados por Rui Rio, bem como autarcas em fim de mandato, envergando por uma ideologia cada vez mais à direita, tanto que nos últimos dias se tem confundido aquilo que distingue os valores internos de PSD e CHEGA, dada a migração de candidatos do primeiro para o segundo. Tal certamente faz relembrar com alguma mágoa e saudade o PSD de Rui Rio: um PSD tolerante e de diálogo que, pela mão do seu líder, teve na mão uma oportunidade, não da construção de um bloco governativo central – dada o fraco realismo da solução pela postura individualista norteadora dos principais partidos do arco da governação –, mas a de soluções conjuntas para o interesse superior do país. Nesse sentido, também o Partido Socialista teve na mão a chave para o seu sucesso, que não soube capitalizar, naquela que seria uma oportunidade determinante para a realização, pela mão da sua governação, de reformas estruturais, como as que hoje são necessárias na justiça, na lei eleitoral, na educação ou na saúde.

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Hoje, com Luís Montenegro, a possibilidade de construção dessas soluções conjuntas é, mais que nunca, remota, com um PSD que se distancia do diálogo, como evidenciou a sua posição perante o lançamento da Linha de Alta Velocidade em Portugal. Perante investimentos estruturantes que o país necessita, o que a AD tem hoje para propor ao país é um Adiamento das Decisões. Perante fundos comunitários de 729 milhões de euros que expiram no final de janeiro, num investimento de cerca de 3,5 mil milhões de euros, o PSD defendeu perentoriamente a possibilidade de ser o próximo governo a decidir a implementação da LAV, na esperança de que a AD no poder pudesse rejeitar mais um investimento determinante para Portugal, como sempre fez, inclusive com a ferrovia, contrastando com Pedro Nuno Santos, que se revelou a mão condutora de uma reforma improvável.

O Partido Popular Monárquico, renascido por via do direito e à luz da uma escolha não menos inocente do nome da coligação, não esconde ao que vem, na procura por um resultado que lhe confira visibilidade para, em eleições presidenciais futuras, Gonçalo da Câmara Pereira, candidato à Presidência da República (e repito, República), consiga liderar a possibilidade de transformar Portugal numa monarquia. Como é óbvio, Câmara Pereira demonstra-se o expoente máximo da alucinação em que a AD vive.

A Iniciativa Liberal, como estrutura defensora da mão invisível do mercado, tem relutado em reconhecer a pertinência das instituições promotoras de justiça social e equidade. Rege-se, portanto, pelos idílicos Teoremas da Economia do Bem-Estar, defensores de que qualquer situação de equilíbrio num mercado concorrencial pode realizar-se enquanto solução eficiente, e vice-versa, aludindo a que o mercado remunera cada um na sequência das suas capacidades, não existindo, portanto, pertinência da ação das instituições numa ótica de justiça social. Podiam ser Hayek ou Nozick a defender tais propostas, mas é mesmo Rui Rocha e a IL quem rejeitam reconhecer que existem cidadãos que são, à partida, confrontados com situações socioeconómicas adversas e que, sem serviços públicos e tendencialmente gratuitos de educação e saúde, por exemplo, ao abrigo de ideais de igualdade e solidariedade defendidos por um modelo europeu de sociedade, não conseguiriam viver em situações condignas.

Analise-se o caso mais paradigmático da incongruência liberal: a defesa da introdução de uma taxa fixa de 15% sobre todos os rendimentos. Tal imposto proporcional pautar-se-ia, inclusivamente, por um maior peso médio do imposto nos (baixos) rendimentos das classes mais desfavorecidas, o que evidenciaria distorções ao nível da equidade e da justiça social provocadas por uma maior eficiência na tributação por parte do Estado, com uma maior receita fiscal. Não deixa, portanto, de ser irónico que os defensores de uma menor intervenção do Estado queiram concretizar uma maior receita fiscal ao abrigo de uma intervenção destorcedora do Soberano nas classes mais desfavorecidas.

Por fim, o CHEGA tem cada vez mais mostrado àquilo que vem, sem que os portugueses o tenham, no entanto, compreendido de forma eficaz até ao momento. A revolta perante o estado das coisas deve, na minha opinião, ser demonstrada através de outros mecanismos, como o voto branco. Nesse sentido, um voto no CHEGA não será um voto de protesto, mas sim um voto contra a democracia, o estado social e as contas certas. De resto, é isso que a extrema-direita tem vindo a fazer um pouco por todos os países onde é eleita, onde é paradigmático o caso argentino. Por outro lado, o cerco à sede do PS, o lema “Deus, Pátria, Família e Trabalho” e a não menos importante afirmação dos valores fascistas por parte de dirigentes e militantes do partido aludem aos valores ditatoriais europeus do século XX que nele habitam. A desconstrução da extrema-direita é, portanto, um desafio de todos nós, pelo que importa que a mesma seja feita com base em soluções, no enaltecimento de incongruências e na demonstração da fraqueza das suas propostas, mas também com a apresentação de alternativas credíveis, ao serviço dos portugueses e não de interesses internos e pessoais, ao invés da procura por uma vitória na secretaria, através da ilegalização do partido.

Com efeito, o CHEGA defende conjuntamente a devolução do tempo de serviço dos professores, aumentos de 20% na saúde, pensões iguais ou superiores ao salário mínimo nacional e a retirada dos apoios à igualdade de género, sem ter, no entanto e em momento algum, apresentado o custo dessas medidas para as contas públicas. Além disso, tais promessas com vista ao contentamento social tendem a ser realizadas à custa dos direitos das minorias, não fosse apanágio do CHEGA também a defesa da limitação do recebimento de migrantes, sem ter em conta a importância dos mesmos na resposta à procura estrutural de trabalho nos mercados secundários, em empregos de baixo status e rendimento, mas também dado o seu contributo para a sustentabilidade da segurança social.

Portugal tem experienciado, portanto, uma direita incoerente, sem futuro e sem propostas transparentes para com os portugueses. É, por isso, necessário que os portugueses votem em consciência no dia 10 de março, tendo em conta que dificilmente será possível formar um governo de direita sem IL ou CHEGA, e o que isso representaria para o declínio do Estado Social e da democracia.