1Destilando o tecido empresarial em Portugal, 0,1% das empresas são grandes empresas (empresas com mais de 250 trabalhadores no activo e um volume de negócios acima dos 50 milhões de euros por ano), num total de 875.

As médias representam 0,5% (empresas de 50 a 249 trabalhadores no activo, num total de 7 300) e as pequenas 3,3% (empresas de 11 a 49 trabalhadores no activo, num total de 44 492).

Este é um cenário semelhante à maioria dos países da Europa, especialmente na Europa do sul onde, como em Portugal, as micro-empresas assumem uma importância extremamente relevante.

Os micro-negócios representam 96% do tecido empresarial português, existindo 1,2 milhões em Portugal. Os micro-negócios, empresas com menos de 10 trabalhadores ativos, representam 40% do emprego, empregando 1.8 milhões de portugueses e cerca de 20% do PIB (Pordata, 2019).

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Normalmente as micro-empresas estão englobadas na definição de PMEs (Pequenas e Médias Empresas) mas as suas realidades são marcadamente distintas. Quando falamos em PMEs e definimos Portugal como um país de PMEs, há uma figura que fica “esquecida” entre as palavras e as políticas e essa é a figura das micro-empresas.

Os desafios das pequenas empresas estão mais próximos dos desafios das médias empresas do que das micro e enquanto não fizermos esta separação para análise e criação de medidas e políticas públicas, estamos a tentar disparar um tiro único para acertar em 2 alvos, em lados opostos do campo de tiro.

A nível económico, é crucial apostar em setores de alta inovação e tecnologia e fortalecer as grandes empresas e as empresas exportadoras, mas não vamos deixar de lado o facto de que aumentar a competitividade e volume de negócios dos micro-negócios pode ser igualmente impactante para a economia nacional.

É sabido que as taxas de sobrevivência das empresas criadas não são altas, mas olhar para números traz sempre uma perspetiva mais clara. Em 2019 foram criadas quase 200 000 empresas, 149 604 individuais e 46 589 sociedades. As taxas de sobrevivência de 1 e 2 anos são, para as individuais, 71,8% e 54,4% e, para as sociedades, 92,3% e 83,4% respectivamente (Pordata, 2019).

Há muitas razões que levam ao “estrangulamento” de um negócio, e quanto mais pequena a escala, mais fácil é de acontecer. Os micro-negócios, por norma, têm tesourarias mais apertadas, menos poder negocial e mais dificuldade em aceder a financiamento.

Adicionalmente, com leis laborais pouco flexíveis como temos em Portugal, as oscilações de mercado e consequentes quebras de faturação muitas vezes acabam com micro-negócios que até aí prosperavam.

É comum ouvir-se que o que “mata” um micro-negócio são as despesas fixas. E quando a capacidade de redução dessas despesas está restringida pela lei, muitas estruturas não aguentam até pequenas oscilações.

Mas para um micro-negócio, para além de situações externas que afetam a sua atividade, há várias componentes internas críticas que, se trabalhadas e investidas de forma consistente, podem trazer elevado retorno.

Uma grande percentagem de micro-negócios é marcada pela falta de competências de gestão e de liderança, falta de uma rede de apoio e dificuldade de acesso a fornecedores (produtos e serviços) de qualidade a preços acessíveis – ser pequeno dificulta em quase tudo, incluindo na capacidade de negociação.

Em cima disto, existe outro problema crítico – os atrasos de pagamento. Segundo a consultora Intrum Justitia, em 2017, o Estado Português era o segundo da União Europeia com mais atrasos nos pagamentos, levando em média 95 dias a pagar as suas faturas, apesar de o Decreto-Lei nº62/2013 determinar que o prazo legal para pagamento de faturas em contratos envolvendo entidades públicas não deva exceder os 30 dias, salvo disposição em contrário.

Com efeito, segundo Informa a DB, entidade especialista no tecido empresarial, em maio de 2019 só 14% das empresas nacionais cumpriam com os prazos de pagamentos acordados com os seus fornecedores, número consideravelmente abaixo da média da União Europeia (UE) que rondava os 43% (Jornal Económico, 2021).

Esta “pescadinha de rabo na boca” – se um não paga, o que iria receber também não consegue pagar e por aí em diante – tem um impacto implacável nos micro-negócios.

É também crítico distinguirmos entre apoio financeiro e não financeiro. Quando pensamos em micro-negócios, a maior parte das pessoas pensa imediatamente em microcrédito. Quase todas as medidas de apoio focam-se no apoio financeiro, que é extremamente necessário mas que dado em exclusividade, sem atenção às restantes dificuldades estruturais, fica muito aquém do seu real potencial.

Depois de trabalhar nos últimos quatro anos perto de micro-negócios, há vários tipos de apoio não financeiro que considero fulcrais, entre eles:

  • providenciar uma rede/comunidade de apoio, troca de experiências e estímulo de parcerias, focada em micro-negócios à escala nacional;
  • dinamizar um modelo de oferta de mentoria especializada (para ser económico, tem que ser em escala, com um modelo de gestão altamente eficiente e uma monitorização de resultados regular);
  • usar essa rede para negociar em escala com fornecedores (como faz o modelo de cooperativa) mas estender para serviços básicos;
  • adotar boas políticas de pagamento, seja no setor público como no privado, com fiscalizações regulares e coimas consideráveis, proporcionais ao tamanho da empresa em incumprimento.

A qualidade e saúde de uma democracia e de um estado social depende da economia e se não apostarmos nas entidades que correspondem a 96% do tecido empresarial, 40% do emprego e 20% do PIB o desenvolvimento da economia nunca será integral.

No meio de todos os problemas estruturais identificados, gostava de terminar com uma proposta muito “simples” que considero absolutamente crítica para um setor de micro-empresas mais competitivas – separar o grupo das micro-empresas do conceito de PMEs.

Pode parecer um detalhe mas estou certo de que fará toda a diferença para começarmos a olhar para a sua natureza e desafios de forma focada e a dar a atenção devida na construção de políticas públicas, incentivos e apoios fundamentais para fortalecer o setor dos micro-negócios, tornar mais competitiva a economia nacional e consequentemente o país.

João Duarte é Diretor Executivo e co-fundador da empresa social Impulso. Conta com experiência profissional em vários contextos, desde startups, aceleradoras a empresas sociais, na Índia, China, Dinamarca e Holanda. Foi nomeado Global Changemaker em 2016, top5 empreendedores sociais com menos de 30 anos na zona mediterrânica pelas Nações Unidas em 2018 e Young Leader da ASEM em 2021. Juntou-se aos Global Shapers em 2018.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.