O primeiro passo para se resolver um problema é reconhecer que ele existe. E é esse primeiro passo que não se viu, nalgum debate sobre o PIB per capita da Roménia estar a ultrapassar o de Portugal. Há um ditado popular (que ouvi pela primeira vez ao já falecido ex-ministro das Finanças Sousa Franco) que diz: quando se aponta para a lua, o tolo olha para o dedo. E o dedo, entre outras coisas, foi desvalorizar a Roménia e o indicador do PIB per capita.

Só que o problema não é a Roménia, é o indesmentível facto de estarmos a ter um crescimento medíocre em todo este século XXI, com este Governo a contentar-se com crescimentos trimestrais acima da média europeia, sabendo perfeitamente que a média está influenciada pelos grandes países, mais ricos, e que não é trimestralmente que vemos o que nos está a acontecer. Mais assustador ainda é não descortinarmos uma estratégia de crescimento, uma visão que seja, para o país. E termos assistido nos últimos anos a políticas populistas que agora começam a mostrar quanto custam.

Claro que a Roménia tem piores indicadores de desenvolvimento do que Portugal, claro que o PIB per capita é um indicador limitado e o trabalho de Joana Nunes Mateus, no Expresso, que desencadeou esse debate, refere isso, como nos diz a razão da importância desse valor: é usado pela Comissão Europeia para repartir os fundos europeus. Mas a Roménia reflete uma tendência do que nos está a acontecer. E há indicadores que nos colocam numa posição ainda pior, como nos diz Fernando Alexandre em “PIB e felicidade: ainda sobre Portugal na cauda da Europa”. Usando dados do World Hapiness Report, mostra-nos que Portugal está, na UE, na 25ª posição, pior ainda do que usando apenas o PIB per capita. Será tudo isto suficiente para todos concluirmos que temos um problema? E começarmos a debater as razões e as soluções?

As razões estão mais do que identificadas, internas e externas. O próprio Fernando Alexandre tem obras publicadas, sozinho e em conjunto com Luís Aguiar-Conraria e Pedro Bação, havendo outras, como o livro de Luciano Amaral “Economia Portuguesa, As últimas décadas”, na sua versão actualizada, só para citar algumas. Na obra de Luciano Amaral há três cenários de futuro: o “milagre à irlandesa” – com investimento externo em actividades exportadoras – ou o “milagre tunisino” – baseado no turismo de massas e mais parecido com o que nos tem acontecido até agora, o país aceitar ser uma região pobre da Europa, e finalmente a saída do euro para recuperar competitividade, o que se revelou muitíssimo difícil como vimos na crise das dívidas soberanas com a Grécia.

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É possível crescer com o euro e é um erro responsabilizar a participação na moeda única. Um exercício de avaliação do crescimento dos países pós-entrada na moeda única, (publicado na revista Sábado por ocasião dos 20 anos da entrada em circulação do euro) mostra que Portugal é o terceiro país que menos cresceu. O pior é a Grécia, seguindo-se a Itália. Mas a Irlanda – que aderiu no mesmo ano que nós –, Malta e Estónia são os melhores.

Fonte: Ameco
Nota: Taxa de crescimento média calculada desde a adesão de cada país ao euro até 2019, retirando o efeito pandemia.

Por isso, em vez de nos preocuparmos em encontrar razões que não correspondem à realidade, ou que nos colocam num beco sem saída, vale a pena perguntar o que é que podemos fazer para voltarmos a convergir seriamente para a média da União Europeia, deixando de existir estas notícias de ultrapassagens.

Como temos aqui referido várias vezes, o que fizemos até agora resolveu parcialmente o nosso problema de contas públicas, mas da pior maneira. Demos aos cidadãos a ilusão que tudo ficaria resolvido com as reversões, corrigimos os rendimentos mais visíveis à custa dos serviços públicos, numa política populista como é difícil encontrar antes em Portugal. Paralelamente, e para manter o poder, o Governo do PS ia adoptando medidas ditas de esquerda, para garantir os votos do PCP e do BE. Veja-se, por exemplo, como degradou o hospital Beatriz Ângelo, em Loures, por recusar renegociar a PPP. Foi um tempo em que o objetivo era manter o poder a qualquer custo. Qualquer alerta que se fizesse sobre o que estava a acontecer, nomeadamente em matéria de degradação dos serviços públicos, era desvalorizado e violentamente criticado.

Hoje começamos a ver o preço do que se fez. Por exemplo, quando o ministro da Saúde, em entrevista ao Jornal de Notícias e à TSF, diz que encontrou um cenário mais difícil do que esperava. E nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e do Sul, afirma que “as dificuldades são muito grandes, quer por falta de recursos humanos, quer por termos deixado que o SNS ficasse um pouco para trás no processo de modernização tecnológica e no processo de requalificação de instalações”. Este é o retrato do que aconteceu. Basta aliás ouvir o ex-ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes, quando nos diz que o seu orçamento foi praticamente igual ao de Paulo Macedo, ministro da era da “troika”.

Outro problema é a captura do Estado pelo PS. Esse é mais difícil de resolver e pode condenar-nos durante décadas. A tendência do país para uma economia extrativa, em vez de produtiva, agrava-se nesta situação, como obviamente, e até mais importante, se degrada a qualidade da democracia e da liberdade. Como podemos ler em Porque falham as Nações de Daron Acemouglu e Jame Robinson, “as instituições políticas extrativas concentram o poder nas mãos de uma elite reduzida e impõem poucas limitações ao exercício do poder. As instituições económicas são estruturadas, depois, por essa elite, a fim de extrair recursos do resto da sociedade”.

Estaremos nós já nessa fase, de instituições políticas e económicas extrativas? Não sabemos e podemos até estar a ser pessimistas, mas aquilo que o PS e o Governo designam como “casos e casinhos” são, em termos gerais, exemplos de apropriação económica por parte da elite que detém o poder. Nuns casos justificam a sua acção pela cobertura legal, e a própria posição do primeiro-ministro – “à justiça o que é da justiça, à política o que é da política” – deixa de fora todo um amplo leque de comportamentos pouco éticos.

Mas admitamos que ainda vamos a tempo – porque se existir essa captura, já não vamos. Se ainda formos a tempo, então é altura, primeiro, de reconhecer que temos um problema de crescimento e até de desenvolvimento que precisamos de resolver. E temos de começar a actuar. Uma das actuações fundamentais é a simplificação da relação do Estado com os cidadãos e as empresas. Depois da falta de dinheiro, a pandemia degradou ainda mais os serviços públicos e é comum hoje ouvir as queixas de todos os que precisam de interagir com o Estado. Além disso, é preciso actuar na Justiça, uma das vias de garantir que as leis se cumprem a horas. E no conjunto vasto da justiça, temos os tribunais administrativos e fiscais que, basta falar com quem trabalha no ou com o sector, precisam urgentemente de recursos e de ser modernizados.

O que não podemos nem devemos é continuar a fingir que não temos um problema, olhando para a Roménia em vez de olharmos para nós. O Governo tem maioria absoluta, não precisa de ser populista para ter mais votos dos portugueses e do BE e do PCP no Parlamento. O Governo tem dinheiro, como nunca o país teve em tão pouco tempo. O Governo tem de mostrar que tem uma ideia de desenvolvimento para o país, que o PS não tem apenas um projeto de poder pelo poder.