1 Lamentar e diabolizar a crise “ad nauseam”pode ter um efeito perverso; alimenta-a e potencia-a.  Mas ignorá-la também é um erro. Uma pseudo indiferença ou uma alegada pretensão de imunidade… poderá não ser mais do que um sinal de conformismo, de uma ausência de sentido crítico, de falta de discernimento e lucidez ou, como alguém dizia, “indiferença é um nome pomposo para ignorância”. Teimamos em fazer uma leitura da realidade como se estivéssemos fora da crise, como se a mesma não nos afectasse, como se fossemos meros espectadores suficientemente distanciados e protegidos. Ou seja, não nos consideramos “filhos” da crise. Seria, contudo, uma ingenuidade pensarmos assim.
Há quem defenda que, perante uma crise, nos devemos focar mais nos fundamentos, nas razões, nas causas… e menos nos efeitos; ou seja, em vez de nos lamentarmos, sucessivamente, em vez de nos estarmos sempre a questionar como é que foi possível termos chegado ao estado onde estamos, como é que foi possível termos aprovado uma lei que permite às pessoas poderem suicidar-se, como é que foi possível uma lei que torna o  aborto um direito constitucional, como é que foi possível uma lei que  permite às pessoas poderem escolher o seu sexo, e a ideologia de género, e a luta pelo poder a qualquer preço, e a manipulação generalizada da midia, e a destruição da família, e o regresso das guerras, etc. ,etc… devemos, sim, focar-nos mais nas causas! Estaríamos, se não o fizéssemos, a reduzir a qualidade da nossa análise e estaríamos, consequentemente, a reduzir a capacidade de enfrentar a crise. Devemos, então, focar-nos nas Causas. E qual é a grande causa da crise que vivemos? O Secularismo!

2 A secularização é, basicamente, a vida sem Deus; é vivermos e planearmos a nossa vida como se Deus não existisse;  a secularização é uma crise de desenraizamento das nossas raízes cristãs. A secularização é uma mudança cultural que teve início há muito tempo atrás (uns séculos, dirão alguns historiadores), que consiste numa inversão completa de valores. Ou seja, passou-se de uma cosmovisão que tem Deus como o Centro do Universo, para uma outra na qual passa a ser o próprio Homem o centro de tudo. Esta crise decorre da pretensão do Homem querer ser o centro da existência, do Homem ter a pretensão de ser a medida de todas as coisas. No limite, o Homem, é capaz de salvar-se a si mesmo; de ser, portanto, como Deus. Contudo, quando o Homem vira as costas a Deus (“só lhe vemos a sombra”, alguém dizia), entra numa crise profunda. E constatamos ainda, sem surpresa, que na nossa cultura contemporânea nem sequer é o Homem que, como alegadamente se pretendia “vender”, está no centro de tudo. No centro, está sim a tecnologia, a ciência, o poder, o dinheiro; no centro estão sim as inúmeras ideologias como a ideologia LGBT, ou o Ecologismo, ou a Ideologia do género, qualquer delas de natureza totalitária, qualquer delas a pretender impor um pensamento único; e qualquer delas reclamando-se, com enorme cinismo, de ortodoxa. É um erro pensar-se que as crises se resolvem curvando-se perante as modas e as pressões da mundanização.

3 A secularização conduziu a Humanidade a um profundo Relativismo. Podemos dizer que o Relativismo nos foi apresentado como a corrente de pensamento, de acordo com a qual, o Homem passaria a ter uma verdadeira liberdade de pensamento; a partir da qual, cada um faria, então, o que considerasse mais justo, mais de acordo com as suas preferências e convicções. Mas, aconteceu precisamente o contrário. O tempo mostrou que tudo isto não passou de uma enorme falsidade. O Papa Bento XVI abordou profeticamente este tema, antecipando que o Relativismo que caracterizava a nossa cultura contemporânea passaria, em poucos anos (realidade que tem vindo a confirmar-se), para a chamada “Ditadura do Relativismo”, isto é, para a imposição de uma agenda de pensamento único, associada às novas ideologias, as quais têm de ser assumidas por toda a gente, em todas as partes do mundo ocidental. A Agenda LGBT, por exemplo, impõe-se  como uma inversão antropológica na nossa cultura; e alguém que a não assuma ou critique, é imediatamente qualificado de radical, fundamentalista, e fóbico. E, ao contrário do que nos querem fazer crer… quem fomenta o ódio são precisamente os que acusam de fundamentalistas e fóbicos todos os que discordam do pensamento único dominante. Ou seja, está-se a manipular a linguagem (técnica recorrente dos regimes totalitários), utilizando a palavra “fóbico” para impor um pensamento único; típico!

4 “Mea culpa”: máxima comodidade, mínimo esforço. Este tem sido o irresistível lema da nossa preferência. Ao longo dos anos temos vindo a baixar o nível de exigência, o nível de alerta, o espírito e sentido crítico das nossas escolhas. Temos de reconhecer que ao longo dos anos baixámos o nível de sacrifício, o nível de austeridade na nossa vida. Fomo-nos deixando intoxicar pelo veneno adocicado do materialismo contemporâneo e fomo-nos tornando mais macios, vulneráveis, e acomodados. Temos de reconhecer que baixámos o nível de exigência na nossa vida de oração, na nossa vida de sacrifício, no nível de disponibilidade e de compromisso; e sempre no mesmo sentido: “Mínimo esforço, máxima comodidade”.
E quais as consequências? Vamo-nos secularizando, mundanizando, vulgarizando, e vamos cedendo perante as seduções do mundo e modas do momento. Vamo-nos transformando em pessoas autossuficientes, fechadas, sem pecado, sem vida sacramental. E qual o problema?  ̶- perguntarão muitos; o problema é que vidas fechadas sobre si mesmas, auto suficientes, autodeterminadas… não passarão de meras construções humanas, de boas vontades, solidariedades, sentimentos e emoções… cujos critérios meramente humanos, darão a ideia que Deus não é, afinal, necessário.

5 Não preciso de Deus para ser bom, ético, coerente e solidário e, no limite, não preciso de Deus para me salvar; salvo-me a mim próprio. Este é o clássico erro de Pelágio (pelagianismo), corrente de pensamento surgida e combatida nos primeiros séculos da igreja e que, ainda recentemente, o papa Francisco alertou para os perigos do seu regresso em força. A prazo, vamos perdendo a dimensão espiritual e transcendente, vamo-nos fechando à “experiência de Deus”, e vamos, finalmente, secar… e perder a fé. E muitos de nós, continuamos repletos de apuradas habilidades semânticas, vulgo: truques, manhas e raciocínios, e em modo de crítica à Igreja, acusando-a de ser fechada, atrasada, conservadora. Como se o nosso afastamento da Igreja, como se a pobreza do nosso testemunho de fé, e a banalização do nosso compromisso cristão… fosse de alguma maneira consequência dessa suposta Igreja conservadora, inflexível, opressora. Recorremos com frequência à heresia chamada mentira a nós próprios… para, continuando a repeti-la incessantemente, podermos continuar a não ter de mudar de vida, como nos obriga a Boa Nova do Evangelho. Dizia o Bispo Americano, Fulton Sheen, a alguém que acusava os fiéis que frequentavam a igreja, de serem uns hipócritas: “Tem toda a razão” – dizia, “a igreja está, na verdade, cheia de gente hipócrita. Mas venha, ainda assim; há sempre lugar para mais um”.

6 Qual a solução para a Crise? Em tempos de Crise, regressar ao essencial, dizem os sábios… é a chave; em tempos de Crise, regressar ao substancial, à Verdade é determinante; sempre foi assim! Alguém disse que “se não está muito claro para onde vais lembra-te, ao menos, de onde vens”! Sim, toda a crise é uma oportunidade, é um chamamento à Conversão; sim, nosso grande contributo para responder e enfrentar a Crise profunda em que vivemos é a nossa Conversão pessoal, a nossa Santificação. É a nossa tarefa principal, é a grande empresa da nossa vida; não há nenhuma mais importante. Voltar, então, ao essencial: a fé, a esperança, o amor; são as três grandes virtudes cristãs, e todas elas interligadas, interdependentes, mutuamente iluminadas; serão um bom recomeço. Não caiamos, contudo, num dos grandes dramas do nosso tempo: isolar, dissociar, dar o nosso testemunho cristão sob uma determinada dimensão, ignorando as outras. A cosmovisão católica caracteriza-se precisamente pelo seu equilíbrio e integralidade. Uma solidariedade desligada da fé, ou uma fé desencarnada, sem o amor ao próximo será sempre, em ambos os casos, uma maneira de estar na vida, incompleta, parcial, redutora. Há duas famosas frases que se atribuem a Madre Teresa de Calcutá, que as terá proferido em contexto de entrevista, como resposta à pergunta “o que fazia para mudar a igreja?” Ela terá respondido: “Eu começaria por me mudar a mim mesma”; a segunda frase foi: “Se queres mudar o mundo, vai para tua casa e ama a tua família”. Neste momento de Secularização tão forte que vivemos há uma chamada forte à Conversão; façamos como Madre Teresa diz!

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