Lin Chong 林沖 era alto, forte e senhor de uma rara perícia militar. Não só cumpria escrupulosamente os seus deveres de oficial, mas também possuía um apurado sentido de justiça. Tendo-se oposto a uma prepotência do filho de Gao Qiu (高俅, ?—1126), o Marechal da Guarda Imperial, começou a ser objeto de perseguição por parte deste. Um dia, tendo sido falsamente acusado de ter entrado, armado, no Pavilhão do Tigre Branco, foi injustamente condenado a vinte bastonadas de bambu, a ser marcado na cara com ferrete incandescente e a ser desterrado com uma canga para o complexo prisional de Cangzhou, cascos de rolha na China. Não obstante lhe ter destruído a carreira e a vida familiar, Gao Qiu, consumido por ódio de prepotente que sofreu oposição, ordenou repetidamente a subalternos o assassínio de Lin Chong. Este, sobrevivendo sempre, demonstra que além de competente e justo também era magnânimo: podendo, não só nunca se vinga dos assassinos, mas deixa-os ir sempre em paz.

Lin Chong, ao sobreviver à terceira tentativa de assassínio, decide evadir-se e juntar-se a um grupo de foras-de-lei, denominados “Heróis” por uns, “bandidos” pelo governo, formado por dissidentes políticos e vítimas de prepotências de funcionários que usam o aparelho de Estado em benefício próprio, que tinha Liangshan por base. Precedido pela sua fama marcial, e munido de uma carta de recomendação de um fidalgo provincial que apoiava os Heróis, Lin Chong é acolhido de braços abertos por Du Qian 杜遷 e Song Wan 宋萬, o segundo e o terceiro em comando, como reforço importante para o grupo que era esporadicamente atacado por forças governamentais. No entanto, Wang Lun 王倫, o principal comandante dos foras-de-lei, mostrou-se relutante em o aceitar. Na ficcionalização feita por Shi Naian 施耐庵 (1296—1372) em Shui Hu Zhuan 水滸伝, quando Lin Chong foi recebido por Wang Lun este:

“Começou a pensar no tempo em que pobre estudante, e sem sorte nos exames, tinha aderido, com Du Qian, ao grupo. Depois Song Wan também se tinha vindo juntar a eles com muitos homens e cavalos. Ele não tinha nenhuma aptidão especial e Du Qian e Song Wan apenas possuíam competências militares medianas. Mas este homem tinha sido Instrutor Militar na capital e era famoso pela sua grande competência militar. Se o admitissem no grupo ele perceberia rapidamente as suas fraquezas e aproveitar-se-ia delas. Caso surgissem divergências, como poderia ele manter a liderança?”

A relutância em admitir colaboradores que tragam competências essenciais para a competitividade da organização com receio que ponham em causa a liderança não é um problema que só existia na China no final da Dinastia Song. A acreditar nos testemunhos ouvidos durante o Breakfast Seminar It’s Good2Be Back, organizado na AESE Business School no passado dia 20 de Dezembro, também afeta muitas empresas a operar em Portugal, nacionais e multinacionais. Estas empresas parecem ter relutância em contratar portugueses com provas dadas como gestores em ambientes internacionais e, quando o fazem, apressam-se a lhes cortar as asas. Muitos dirigentes empresariais nacionais parecem padecer da síndroma de Wang Lun: o receio de ao contratar virem a ser ofuscados pelo brilho do contratado ou, pior, que este eventualmente os venha a substituir.

Na base desta síndroma estão dois elementos: a falta de visão de quem não percebe que o sucesso da organização depende da competência dos seus colaboradores e o egoísmo de quem considera mais importante o seu cargo do que o sucesso da empresa pelo qual é responsável. A par das políticas estatistas, não será esta uma das principais causas da pobreza nacional? Ou antes: mais que miopia ideológica, não será que as políticas estatistas de que padece Portugal têm origem na síndroma de Wang Lun de que sofrem muitos dos nossos dirigentes?

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