Numa conferência recente, um professor catedrático de economia formado em Stanford que foi docente na London Business School, London School of Economics, universidades de Berkeley e Yale, sendo atualmente professor de economia na New York University Leonard N. Stern School of Business, pronunciou-se sobre as oportunidades e desafios da economia portuguesa, tendo identificado como principal problema o crescimento económico português. Apresentou um gráfico comparando o PIB per capita (PIB pc) português e norte-americano semelhante a este:

dr

A falta de crescimento da economia portuguesa, na opinião do professor de economia da New York University, traduzia-se atualmente num atraso de cerca de 30 anos em relação aos EUA, sendo impossível apresentar uma razão única para essa falta de crescimento, pois resultava de múltiplos fatores.

O antigo docente da London Business School debruçou-se também, entre outros aspetos, sobre as diferentes gerações de portugueses desde a terceira década do sec. XX, apelidando a de 1935-55 de Ultramar Generation, a de 1955-80 de Freedom Generation (que encarou a entrada para a CEE, hoje União Europeia, como a solução para todos os seus problemas), a de 1980-2000 como a Euro Generation e a de 2000 até hoje como a nossa Z generation. Considerou que a maior diferenciação entre estas gerações residia na passagem para a Euro Generation, sendo esta a que registou a maior explosão de capital humano, com quatro vezes mais estudantes universitários, incremento extraordinário da pesquisa científica, doutorados e cursos universitários.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Segundo o ex-professor da London School of Economics, o atraso de 30 anos em relação aos EUA, embora real, não era tão mau assim; significava apenas que estávamos a viver no tempo da economia norte-americana de Reagan, pelo que o quadro não era de todo negativo.

Pronunciando-se sobre os próximos 50 anos, o antigo docente da  University of California, Berkeley alvitrou um futuro “bastante risonho” para Portugal, um país favorecido pela economia de serviços e pelo mundo digital, prevendo que poderia vir a ser uma Califórnia ou uma Flórida da Europa –  uma ideia periodicamente recorrente entre os analistas económicos desde os anos 80 – com uma grande concentração de capital humano, um clima ótimo, um regime fiscal bom, um fuso horário que permitia simultaneamente negociar nas bolsas norte-americanas, europeias e asiáticas, dispondo de serviços de saúde com qualidade e onde a procura por assisted living poderia desempenhar um papel significativo.

Olhando para o gráfico, constata-se efetivamente uma discrepância crescente entre as duas linhas: em 1980 estávamos, em termos de PIB pc, com um atraso de 17 anos dos EUA, que conseguimos diminuir em 1990 para 15 anos, mas em 2000 o atraso já aumentara para 21 anos. A maior discrepância verificou-se desde 2008 porque Portugal, na realidade, ainda não recuperou da crise financeira, sendo o seu PIB pc em 2021 ainda inferior ao de 2008. Em contrapartida, os EUA subiram surpreendentemente o seu PIB pc em cerca de 30% nesse período. Portanto, o atraso de 30 anos que hoje temos em relação aos EUA tem claramente tendência para aumentar.

Em relação às divisões geracionais propostas pelo antigo professor de economia da Universidade de Yale, ressalta que a substituição da Ultramar Generation pela European Union Generation/Freedom Generation levou a um incremento da discrepância do PIB pc português com o norte-americano, e que essa discrepância aumentou significativamente com a entrada na Zona Euro que marcou a Euro Generation. Por um breve período de seis anos estivemos em rota de convergência com os EUA. No entanto, de 2008 a 2021, o Pib pc português desceu 2,75%, enquanto o norte-americano subiu cerca de 30%. Em 2022, para mantermos a diferença que tínhamos dos EUA em 2008, precisávamos de ter crescido significativamente o dobro daquilo que efetivamente crescemos.

A incapacidade de recuperação da crise financeira, apesar dos auxílios da União Europeia, significa um terrível golpe nas nossas esperanças de convergência com as economias mais avançadas e mostra que, embora a Euro Generation tenha beneficiado de uma explosão extraordinária de capital humano e de fundos comunitários excecionais, não conseguiu traduzir esse imenso investimento em convergência económica.

Por outro lado, a maioria das condições mencionadas para o referido futuro “risonho” já existem há dezenas de anos – a Euro Generation começou em 1980 e terminou em 2000 – e não evitaram o aumento da discrepância entre as evoluções do PIB pc português e norte-americano. Pelo contrário: como vimos, a discrepância aumentou, especialmente a partir de 2008. Efetivamente, o PIB pc português não sofreu apenas uma estagnação desde 2008, mas inclusivamente desceu mais de 20% até 2015 e desde então, até 2021, não conseguiu ultrapassar o valor de 2008. Entretanto o dos EUA subiu, como vimos, cerca de 30%.

Com esta estagnação, não admira que a previsão seja de, em breve, sermos ultrapassados pela economia da Roménia, depois de já termos sido ultrapassados pela Eslovénia, Malta, Chéquia, Eslováquia, Lituânia, Estónia, Polónia e Hungria.

Nesta triste situação, como é possível ao ex-didata da London Business School, London School of Economics e Universidades de Berkeley e Yale possa achar que Portugal tem um futuro “risonho”, quando a informação disponível aponta precisamente em sentido contrário?  Constata-se uma inexorável e progressiva discrepância do nosso PIB pc em relação aos países mais avançados, apesar dos auxílios comunitários e da mencionada explosão de capital humano.

Não se pode deixar de concluir que o gráfico aponta para um esgotamento gravíssimo do paradigma do desenvolvimento económico de Portugal das últimas décadas.

O nosso professor tem sem dúvida talento e ambição para ter alcançado uma biografia tão qualificada. Esperava-se, no entanto, que pelo menos alguma parte dessas qualidades se pudesse também derramar sobre a forma como encara o seu próprio país, em vez de se resignar a 30 anos de atraso, como se se conformasse a viver numa época em que ainda não havia telemóveis nem internet, e num país onde apenas os estrangeiros que cá se instalam dispõem verdadeiramente de qualidade de vida.

A não ser que, conhecendo a volúpia da apropriação governamental das análises económicas, apresentar publicamente o nosso futuro como risonho seja demasiado ingénuo para não deixar de ser motivado politicamente.