Há muita gente que esqueceu uma verdade elementar: a maioria das eleições ganha-se durante a campanha; pelos menos nos regimes democráticos. Nos Estados Unidos, o partido Democrata e Kamala Harris não merceram ganhar as eleições.

Vamos recordar como começou o desastre dos Democratas. No início, impuseram uma fraude ao eleitorado americano. Em Março deste ano, cerca de 90% dos membros do partido escolheram Biden para se recandidatar. Em Julho, depois de um mau debate contra Trump, o partido Democrata obrigou Biden a desistir da sua reeleição, justificando a decisão com a sua saúde débil. Ou seja, em Março, Biden estava em condições de concorrer à Presidência. Quatro meses depois, já não estava.

Depois do golpe interno, o partido decidiu coroar Kamala Harris, sem organizar qualquer processo democrático interno. Kamala chegou às eleições da passada terça-feira com uma legitimidade política fraca. Ao contrário, no partido Republicano, Trump passou por um processo democrático e venceu as primárias. A sua legitimidade foi sempre mais forte do que a de Kamala. Não deixa de ser profundamente irónico que o candidato que ameaça a democracia foi eleito democraticamente no seu partido. E a candidata que ia salvar a democracia foi escolhida pelos barões e pelas baronesas do seu partido. Não é nada inteligente tratar os eleitores como estúpidos.

Depois do pecado original, a campanha de Kamala Harris foi muito má, com excepção do único momento alto, o debate contra Trump. De resto, discursos fracos e cheios de lugares comuns e, sobretudo, uma campanha muito errática sem escolher dois ou três temas centrais. Aliás, quando no último mês da campanha, Obama apareceu quase todos os dias a apoiar Kamala, percebeu-se o desespero dos Democratas. Ninguém ganha uma eleição na qual não concorre.

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Faz parte das regras básicas de uma campanha eleitoral: a escolha e a insistência nos temas certos é o caminho para a vitória. Trump escolheu a economia e a imigração, e insistiu neles do princípio ao fim. São os temas que preocupam os americanos.

No fim, Kamala Harris transformou a sua campanha numa luta pela democracia. Eu entendo as preocupações sobre a falta de cultura democrática de Trump (e partilho-as), mas não se pode fazer uma campanha a dizer isso aos eleitores. Significa tratar metade dos eleitores como anti-democráticos. As pessoas não gostam disso, não gostam de ser ofendidas. Será que os partidos tradicionais não vão entender este ponto básico. Além disso, Trump foi Presidente durante quatro anos e a democracia americana não acabou. A maioria dos americanos não olha para Trump como uma ameaça à democracia. A incapacidade de Kamala de entender isso é extraordinária.

Um partido que se transformou na vanguarda americana da ideologia woke também perde legitimidade para falar na defesa da democracia. Hoje, a ideologia woke não tem nada a ver com os direitos dos negros ou de outras etnias, nem com a igualdade de géneros, ou com os direitos dos homossexuais. Os países ocidentais nunca foram tão avançados nessas matérias e são os mais progressistas do mundo. Hoje, a ideologia woke está associada à censura, a praticas persecutórias, a limites à liberdade de expressão e de escolhas. Em termos muito simples, muitos americanos olham para a ideologia woke como uma ameaça à liberdade individual. Como pode um partido defender a democracia quando apoia ideias que limitam a liberdade das pessoas?

Há ainda outro ponto muito preocupante para os Democratas: deixaram a sua coligação eleitoral tradicional dissolver-se, de novo como resultado da cultura woke. Contra a sua história, o partido Democrata deixou de ser o partido da classe trabalhadora, dos pobres e daqueles que não tiveram acesso à melhor educação. Este eleitorado passou-se para os republicanos e olha com horror e raiva para a defesa das ideias woke. Sentem que foram abandonados e traídos pela sua antiga família política. Hoje, o partido Democrata é uma coligação de intelectuais, académicos, jornalistas, milionários de profissões liberais, e Hollywood. Esta coligação nunca ganhará uma eleição nos Estados Unidos. Para a maioria dos americanos, o partido Democrata é o partido dos privilegiados. Vai ser necessário muito trabalho para mudar isso.