Parece que é a altura de a nação examinar o orçamento. Mais importante, porém, seria talvez perceber o padrão a que se reduziu a história portuguesa nos últimos trinta anos: após cada ajustamento orçamental, a cargo da direita, vem um governo do Partido Socialista reiniciar a despesa, até ao apertão financeiro seguinte. Desde 2015, concluído o resgate da troika, que passamos mais uma vez pela fase em que um governo socialista multiplica os peixes do orçamento. Acreditam que desta vez o fim, quando chegar, vai ser diferente do que foi em 2001, quando Guterres nos desejou boa noite e boa sorte, ou em 2011, quando Sócrates chamou o FMI?
Por detrás destes ciclos, em que a direita limpa e o PS suja, está um problema por resolver há três décadas: desde os anos 90, Portugal não conseguiu aproveitar a integração monetária europeia e a globalização para expandir a sua economia ao nível a que foi possível no tempo da EFTA (1960) ou nos primeiros anos da CEE (1986). É verdade que em 2008, houve a chamada “grande recessão”. Mas antes e depois, estes foram tempos em que a maior parte do mundo recuperou o atraso em relação aos países mais ricos. O que Portugal conseguiu fazer, nesta época, foi aproveitar o crédito barato da moeda única para financiar a diferença entre aquilo a que aspirávamos e aquilo que esteve ao nosso alcance. A dívida mede essa diferença: é uma das maiores do mundo.
Podemos discutir as origens desta dificuldade. Há quem argumente que o problema está no facto de a nossa mão-de-obra barata, com a globalização, ter deixado de ser a vantagem que foi em 1960 ou em 1986. Certamente. Mas o facto é que nunca procurámos outras vantagens. Pelo contrário: em cima da relativa falta de qualificações, deixámos acumularem-se uma burocracia intratável, uma justiça lenta, e um fisco punitivo e incerto. Azar, ignorância? Nem uma coisa nem outra. Tudo correspondeu muito cinicamente a uma política: a da protecção das clientelas do Estado e das suas rendas, protagonizada sobretudo pelo Partido Socialista. O PS provou como um pequeno clã de amigos e de famílias – sempre os mesmos desde 1995 — podia controlar o país pelo simples expediente de concentrar os recursos nos grupos eleitoralmente interessantes, sem que o sacrifício de tudo o mais, incluindo os sacrossantos serviços públicos, como o SNS nos últimos três anos, alterasse as sondagens.
Não, o problema não está apenas na mão-de-obra, mas no facto de a nossa democracia nunca ter conseguido, por si só, gerar uma alternativa com um mandato forte a este tipo de governação socialista, nem mesmo quando José Sócrates ameaçou tornar o seu domínio completamente asfixiante e suspeito. Só a relutância dos credores externos em continuar a emprestar tem provocado alternância em Portugal. Mas a obra dos governos de emergência, sempre sitiados pelo alarido dos interesses ofendidos, tem sido demasiado temporária ou reversível.
O que nos deve inquietar não é apenas o facto de uma crise mundial, seja por causa de Trump, do petróleo ou da Itália, nos poder apanhar na vulnerabilidade de sempre. Isso seria sem dúvida mau, mas o pior de tudo, um dia, não vão ser as aflições financeiras, por enquanto amenizadas pela UE, mas a impressão das oportunidades perdidas. Pensem nisto: é muito provável que nunca Portugal tenha beneficiado, em teoria, de tantas condições para atingir o nível de riqueza requerido pelas nossas aspirações e compromissos. Em vez disso, andámos todos a servir os Mários Nogueiras e os Ricardo Salgados do regime socialista. Deveríamos e poderíamos ter feito muito melhor nos últimos trinta anos. Não fizemos.