Tem sido muito comovente e muito merecida a homenagem que o país tem prestado a Adriano Moreira — primeiro no seu centenário, a 6 de Setembro, depois na sua morte, a 23 de Outubro. Não tenho a pretensão de conseguir acrescentar aqui um contributo significativo a esta comovente e muito merecida homenagem. Mas talvez me seja permitido um modesto agradecimento pessoal.
Conheci pessoalmente Adriano Moreira nos anos idos de 1983 (há quase 40 anos!) — quando o entrevistei no seu escritório, forrado de livros, de sua casa no Restelo, quando conheci também sua encantadora mulher, Mónica Lima Mayer. Eu estava na altura a preparar um dossier para a Revista do Expresso — então dirigida pelo meu querido e saudoso Amigo Vicente Jorge Silva — sobre uma dupla pergunta: “O que é ser de esquerda hoje?” e “O que é ser de direita hoje?” [que viria a ser publicado em dois capítulos, a 6 de Novembro de 1982, sobre a esquerda, e a 16 de Julho de 1983, sobre a direita].
Tive então o privilégio — obviamente só possível devido à chancela que o Expresso amavelmente concedeu a um desconhecido jornalista — de ouvir naquela ocasião vozes muito estimulantes da nossa vida intelectual (embora não necessariamente mediática). Recordo com saudade Victor Cunha Rego, Jorge Borges de Macedo, Franco Nogueira, Sottomayor Cardia, José Fernandes Fafe, António José Saraiva, para citar apenas alguns.
E recordo, em particular, Adriano Moreira. Disse-me ele enfaticamente, logo a abrir a pergunta sobre esquerda e direita:
“O totalitarismo não é de esquerda nem de direita — inclui o nacional-socialismo de Hitler e o comunismo de Staline — eles não estiveram coligados? Na actualidade, o totalitarismo abrange os regimes de Leste, as ditaduras de capitalismo selvagem sul-americanas, muitos regimes do Terceiro-Mundo.”
E a seguir explicou enfaticamente: uma vez definida a diferença fundamental entre totalitarismos (de esquerda e/ou de direita), podemos então conversar tranquilamente sobre as escolhas entre direita e esquerda democráticas: “Serão de esquerda os que dão um papel predominante ao Estado, e de direita os que dão um papel predominante às pessoas e às instituições “.
Lembro-me vividamente do impacto profundo que estas palavras tiveram em mim. Em primeiro lugar, seguramente, porque aquela distinção cortante entre totalitarismos, por um lado, e direita e esquerda democráticas, por outro, não tinha sido feita com tanta clareza pelos meus outros entrevistados (ainda que não tivesse sido negada por eles). Em segundo lugar, e fundamentalmente, porque esta abertura da nossa conversa marcaria o tom, a clareza e a elevação de toda a genuína Aula Magistral que se seguiu.
Descobri então um Adriano Moreira que, para além da sua dimensão político-partidária mais conhecida do público, era antes de mais um académico, um estudioso e um professor de Ciência Política. E viria em seguida a descobrir, ainda que tardiamente, o papel absolutamente pioneiro que Adriano Moreira tinha desempenhado na introdução da Ciência Política na Universidade em Portugal, um pouco à semelhança do que Adérito Sedas Nunes, outro muito saudoso Amigo e Mestre, fizera para a introdução da Sociologia entre nós.
Devo a Manuel Braga da Cruz, entre muitas outras dívidas de gratidão, ter escrito e sublinhado o fundamental papel académico desempenhado por Adriano Moreira (bem como, aliás, o de Adérito Sedas Nunes). E foi por convite pessoal de Manuel Braga da Cruz que Adriano Moreira aceitou integrar, desde a primeira hora, o Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, fundado em 1996/97, por iniciativa de Mário Pinto — a quem também, e sobretudo, estou eternamente grato.
Adriano Moreira esteve connosco desde então “cumprindo exemplarmente, meticulosamente, as suas funções de académico, iniciando professores, acompanhando alunos, participando nas mais variadas actividades de extensão do IEP”. [Estas são palavras de Manuel Braga da Cruz na Homenagem a Adriano Moreira que teve lugar no Estoril Political Forum, em Junho de 2019, quando a Reitora da Universidade Católica, Isabel Capeloa Gil, lhe atribuiu a Medalha de Ouro da Universidade].
No IEP, Adriano Moreira cumpria escrupulosamente as suas obrigações académicas. Iniciava e encerrava as suas aulas sempre com pontualidade britânica (o que procuramos ser timbre do IEP, onde o chamado “quarto de hora de atraso académico” é enfaticamente desencorajado, para dizer o mínimo). Apresentava os argumentos rivais sobre cada tema que tratava, abrindo espaço a um debate cortês e pluralista com os alunos.
E comparecia também pontualmente a todas as reuniões do Conselho Científico do IEP, onde insistia não querer honras especiais. Falava sempre com elevação e moderação, sem levantar a voz e sem hostilizar as opiniões — e sobretudo os autores das opiniões — de que eventualmente discordasse.
Por outras palavras, aprendi com Adriano Moreira a lição do Cavalheirismo, do espírito universitário e das regras impessoais que subjazem às instituições.
Post Scriptum I: “Manners Makyth Man”. A escolha de Rishi Sunak como líder do Partido Conservador britânico tem sido legitimamente saudada como expressão da diversidade no interior da sociedade britânica e, em particular, do Partido Conservador. Escrevendo no Telegraph da passada terça-feira, o nosso Amigo Lord (Charles) Moore subscreveu esse olhar, mas sublinhou uma outra ‘minoria’ representada por Rishi Sunak — a minoria dos “Wykehamists”, como são designados os antigos alunos de Winchester College. Apesar de ser 60 anos mais antigo do que Eton College (de que Charles Moore é Alumnus), Winchester College é muito menos conhecido e muito menos citado. O “motto” de Winchester, recorda Lord Moore, é “Manners Makyth Man” — e acrescenta que “o cortês Mr. Sunak leva a sério esse mandamento”, que remonta à fundação do Colégio, em 1382. Não pretendo nem sei tomar posição sobre as últimas peripécias do panorama político britânico. Mas achei que o “motto” de Winchester College — As Maneiras Fazem o Homem — poderia ser exemplarmente aplicado ao Cavalheiro Adriano Moreira.
Post Scriptum II: Adicionalmente, devo declarar que escrevo antes de serem conhecidos os resultados das eleições no Brasil. Mas o meu voto é claro e inequívoco: que as Maneiras possam prevalecer e que os resultados possam ser ordeiramente respeitados por todos, vencedores e vencidos.