Escrevo-vos diretamente do tormento que é, para mim, andar de avião. Escrevo-vos, que é como quem diz, escrevia. E digo que é um tormento para mim, uma vez que a meu lado o Rodrigo repousa imperturbável praticamente desde o momento de embarque, debatendo-se obstinadamente para não se deixar cair no sono.

Chamam aerofobia ao medo excessivo de voar. E apelidam-se sofredores da mesma todos aqueles para os quais os usuais tremeliques (também conhecidos como turbulência) consistem num verdadeiro atentado à vida, pondo-a em revista, enquanto simultaneamente rogam a deus nosso Senhor todo poderoso e rezam três ave-marias. Padecem de semelhante enfermidade todos aqueles aos quais se lhes torna impossível perspectivar os usuais tremeliques como porta de passagem para passarem pelas brasas. Excusado será dizer que me enquadro perfeitamente em tal categoria.

E na tendência humanamente característica de colocar o peso das ocorrências em ombros alheios, culpo os meus pais pelo desenvolvimento de semelhante perturbação. Pois tivessem eles incutido as viagens aéreas na minha rotina de infante impregnada de ingenuidade infantil, e a coisa era agora muito mais fácil. Culpo-os por não terem aproveitado a oportunidade de moldar a minha consciência quando ainda iam a tempo, quando a mesma ainda não se encontrava num estado avançado de desenvolvimento e ainda não se apoquentava com as mais insignificantes notícias de desastres aéreos.

E ter amigas que fazem disto vida? Loucas, tresloucadas, miúdas desvairadas e sem amor à vida!

Comigo os pesadelos começam cerca de um mês antes do voo e constituem um leque variado de desastres aéreos: avarias no motor, infestação de serpentes dentro do avião (filmes a mais), amaragens, e por aí fora. Profetas do século vinte e um, “onlinemente” licenciados, distribuiriam de bom grado aconselhamento gratuito de como ultrapassar este medo, debitando afirmações como: “Sabes, é mais provável teres um acidente de carro do que de avião”, “os aviões são o meio de transporte mais seguro de todos” e por aí fora, demonstrando, acima de tudo, que claramente não fazem a mínima ideia do que é sofrer de aerofobia.

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Sofrer de aerofobia é o acordar com o bater acelerado do coração, é o friozinho na barriga que nos acompanha ao longo de toda a experiência e o saltitar de pé em pé enquanto aguardamos a entrada no avião. São os exercícios de respiração feitos durante todo o voo e o contar das horas (ou, por vezes, somente minutos), que insistem em arrastar-se até à aterragem. São as sopas de letras, as músicas, as leituras e toda uma panóplia de atividades minuciosamente selecionadas na esperança de nos abstrairem durante a aflição.

Aerofobia é o amor de viver com os pés bem assentes na terra e o desconfiar de tudo o que não mantém uma relação direta com a mesma. É ver o bailar majestoso das hospedeiras por entre a turbulência enquanto nos agarramos afincadamente ao assento que nos foi conferido. É o chorar de alívio após a aterragem e é a certeza de que voltaremos a voar.

Aerofobia é tudo isto e muito, muito mais, mas agora vão ter de me desculpar, mas terei de ficar por aqui. Tenho uma viagem a Milão para planear.