O novo aeroporto aterrou na Assembleia Municipal de Lisboa para ser discutido nos termos apresentados por um Voto de Saudação, do PSD, “pela decisão de localização em Alcochete”. O documento contava a história do processo, que vem de 1969 e de Marcelo Caetano, com os avanços e recuos, e a ideia absurda de “abrir aos cidadãos” a “possibilidade de apresentar propostas estratégicas”. O primeiro ponto da parte deliberativa pretendia “saudar” o primeiro-ministro, Luís Montenegro, pelo “anúncio e apresentação pública” do novo aeroporto, da terceira travessia do Tejo, e do TGV. O segundo ponto pretendia “saudar” o ministro Pinto Luz, pela “celeridade, responsabilidade e determinação” neste “projecto de interesse nacional”.

Em vez de “abrir aos cidadãos” a “possibilidade de apresentar propostas estratégicas”, uma “possibilidade” que não lhes compete, os governos deviam explicar-nos as razões políticas – e não técnicas – que levaram os decisores a escolher este sítio e não outro. Não podemos aceitar argumentos técnicos para justificar responsabilidades políticas. Não queremos saber as razões técnicas porque não as sabemos avaliar, como os próprios governantes também não sabem. Nem se espera que saibam. Além disso, as decisões políticas têm de estar assentes em bons suportes técnicos, mas não se submetem a eles. São responsabilidades diferentes.

Até hoje, nenhum dos senhores ministros se deu à excessiva maçada de explicar à populaça a escolha de Alcochete, sobretudo tendo em conta as dúzias de outras “propostas estratégicas” que ao longo dos últimos 55 anos foram dadas como certas. E foram justificando prepotências dos poderes públicos sobre património privado, alterações em Planos Directores Municipais, subidas e descidas instantâneas dos valores imobiliários consoante a atribuição de certos usos a certos terrenos, e todas as arbitrariedades que os Projectos de Interesse Nacional (PIN) arrastam consigo. De resto, sobre a escolha de Alcochete e todas estas variáveis, territoriais, nacionais e locais, os senhores ministros não explicaram nem nenhum jornalista lhes perguntou. É como se o assunto não tivesse interesse. Ou não fosse da nossa conta. Por exemplo, temos um aeroporto em Beja; porque não se desenvolve esse aeroporto? E respectivos acessos? E respectiva internet de banda larga, cuja inexistência prejudica de maneira imperdoável os agricultores e outras empresas da região do Baixo Alentejo? Há várias capitais com aeroportos a uma hora, hora e meia, de distância. Por que motivo a opção por Beja foi abandonada?

E o ponto verdadeiramente importante: o país está rico? Afinal vivemos na Suécia? Não há dinheiro para fixar médicos e enfermeiros no SNS, impedindo-os de sair para economias mais livres e prósperas do norte da Europa; há concursos para médicos e pessoal de saúde que ficam com vagas por preencher; os hospitais públicos fecham serviços, e os que não fecham acodem aos doentes sem anestesias, sem materiais básicos, e com turnos formados por gente de cabeça perdida (vi salas de observação cheias como uma catástrofe, e figuras fardadas cumprimentarem-se umas às outras com a expressão “bem-vindo ao Inferno”); a saúde pública em Portugal, depois de oito anos de fanatismo e empobrecimento, tornou-se um problema grave, urgente, e aflitivo, com pessoas a morrer. Mas este governo encontrou dinheiro, nascido da inspiração de dois ministros, para um novo aeroporto, uma nova ponte sobre o Tejo, uma linha TGV, e pensos higiénicos gratuitos para tod@s @s portugues@s (afinal são três ministr@s, contando com @ ministr@ Balseiro Lopes).

No dia 10 de Março passado, as pessoas votaram para mudar de governo. Mas as políticas do governo novo parecem as velhas políticas despesistas, irresponsáveis, e demagógicas do velho Partido Socialista. Há uma razão disto acontecer. Luís Montenegro, obstinadamente só, escolheu não liderar uma enorme maioria de direita no parlamento, sabendo que essa escolha tornava impossíveis todas as reformas (incluindo aquelas prometidas por si próprio em campanha). Como é natural, o único apoio que o governo consegue agora é para políticas (e anúncios de políticas) demagógicas. Coragem, portugueses, para esse apoio o governo do PSD tem conseguido inventar políticas perfeitas.

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