Enquanto os olhos do mundo se encontram virados para a situação vivida no Afeganistão e a tensão geopolítica entre os Estados Unidos e a China provocada após o anúncio do pacto AUKUS, há outros assuntos da actualidade internacional (mesmo sendo de menor gravidade) que também merecem a atenção da comunidade diplomática, sendo um deles a actual situação do Rochedo conhecido como Gibraltar.
Este pequeno território, localizado a sul da Península Ibérica, é um território que foi vítima da disputa diplomática entre a Espanha e o Reino Unido desde a assinatura do Tratado de Utrecht (1713-1715) originado pela Guerra da Sucessão Espanhola, o que levou à transição de posse do território gibraltino para os britânicos. Nos dias de hoje, com a saída do Reino Unido da comunidade europeia, o estatuto do Rochedo e a fronteira com a Espanha (membro da UE) põem em questão a estabilidade que este pequeno território anseia ter no contexto social e económico.
No último dia do ano de 2020 foi alcançado um pré-acordo entre o Reino Unido e a Espanha sobre o futuro de Gibraltar, sobretudo na questão relacionada com a fronteira que liga o território gibraltino ao território espanhol. Não existindo, até ao momento, uma formalização do pacto acordado entre as delegações dos dois países, o que afinal é feito do acordo sobre Gibraltar?
No passado dia 10 de setembro Gibraltar celebrou o dia nacional, conhecido como Gibraltar National Day, dia em que se comemora o primeiro referendo de soberania realizado em 1967, em que Gibraltar – tendo instituições próprias de governação – passaria a ter soberania espanhola ou permaneceria sob soberania britânica. Boris Johnson, primeiro-ministro britânico, afirmou que “o Reino Unido apoiará Gibraltar, o seu povo e a sua economia em qualquer cenário” e que os dois governos iram em busca de “negociações construtivas” com a União Europeia, negociações essas que ainda decorrem sem fumo branco à vista, o que faz com que se prepare, neste momento, um processo sem acordo sobre Gibraltar, caso as negociações com a UE não cheguem a bom porto. O impasse, neste momento, é a questão do controlo fronteiriço, que por desejo do Reino Unido deve ser feito pela FRONTEX (Agência Europeia da Guarda Costeira e de Fronteiras) e não pelas autoridades espanholas, de forma a não pôr em risco a soberania britânica no Rochedo, estatuto esse preferido pelos gibraltinos. Aliás, esta questão fronteiriça foi o que ficou acordado entre a Espanha e o Reino Unido, no entanto, o mandato da Comissão Europeia fala só do controlo das fronteiras de Gibraltar sem mencionar a agência FRONTEX.
Se antes do prazo do Brexit o povo de Gibraltar receava pelo seu futuro, neste momento existe também uma grande ansiedade, porque sem acordo com a União Europeia, o pacto com a Espanha, que oferece a estabilidade que os gibraltinos precisam, também ficará sem efeito. É verdade que sem acordo, os gibraltinos têm o Reino Unido, que acaba por servir como um manto protector. Porém, Gibraltar tem uma voz e tem de a usar com o Reino Unido, com a Espanha e com a UE. Só assim o território gibraltino conseguirá ter o que quer.
Gibraltar tem de defender o acordo preliminar alcançado entre o Reino Unido e a Espanha, onde o Rochedo continuará a beneficiar dos acordos e das políticas europeias, inclusive do regime aduaneiro de tráfico de mercadorias, sempre com a intermediação e com o apoio da Espanha. Também estará incorporado no Espaço Schengen o que permitirá a continuação de circulação de pessoas e de mercadorias, e a fronteira que divide o Rochedo e a Espanha será supervisionada pela agência FRONTEX não colocando em risco o actual estatuto que foi sempre pretendido pelos gibraltinos e que é permanecer sob soberania britânica. Não é ao acaso que em Gibraltar se costuma dizer “British we are British we stay, but Spanish we speak all day”.